terça-feira, 30 de setembro de 2008

A LUZ DE D'ALESSANDRO

Por Daniel Ricci Araújo


A maior verdade do futebol é que ele não tem verdades absolutas.
O futebol é o esporte no qual o dogma é uma chicana, a certeza de domingo do sábio é a piada do bebum da esquina de segunda-feira. Demos uma perna filosófica ao parágrafo - o futebol é um esporte socrático. Sobre ele, só sei que nada sei.


Digo isso porque depois da grande atuação de D’Alessandro ontem, veio-me à mente a conhecida frase de Alfredo Di Stefano: "nenhum jogador é melhor que todos juntos". O grande craque argentino tinha lá suas razões, mas vamos e venhamos: os "todos os jogadores juntos" que jogavam com ele no Real Madrid e no River tranformariam qualquer múmia que os acompanhasse num craque irretocável. É certo: o coletivo é a maior força do futebol, mas aqui mesmo eis um dogma. E no futebol, os dogmas fenecem para viver de novo e, depois, fenecer mais uma vez.


Mas refiro isso para falar do clássico de ontem e da maneira pela qual ele se resolveu. O Gre-Nal era igual, era um recém-nascido ainda ofegante e, do nada, D’Alessandro acerta uma patada referencial no gol gremista. O Inter toma as rédeas do jogo, o Grêmio equilibra, e como empata? Com outra sapatada do - pelo menos para mim - menosprezado Tcheco. Um golaço. O Gre-Nal caminhava para um equilíbrio atômico, tonitroante, um equilíbrio mortífero e stalingradiano.
E aí surgiu a luz de D’Alessandro.


Com toques, lançamentos, pausas e inteligência, D’Alessandro liderou o Inter e o levou à vitória decisiva e arrebatadora. Guiñazu e Índio foram gigantes, mas ninguém jogou mais que o primeiro argentino. A sua participação ostensiva durante a partida rebaixou os outros jogadores, tomou-lhes o lugar e o reconhecimento. D’Alessandro teve uma daquelas atuações incomuns, conceituais, e jogando um arroz com feijão divino (ou seria um asado de tira?). O argentino é lúcido, minimalista. Seu toque tem um quê de introvertido a contrastar com a espontaneidade tradicional da habilidade brasileira. E joga com um metodismo capaz de constranger o mais compenetrado primeiro-volante que se possa achar por aí.


Os mais experiente sabem: a sofisticação é a bengala do mundo, não as suas pernas. Não é sempre que se enche um cavalo de soldados para entrar em Tróia, ou que se cavalga por cima de um exército inimigo na garupa de um elefante. Para triunfar, quase sempre é necessário marchar no sol a pino ou rastejar pela lama mais humilhante, comer o pão mais simples e tomar a água mais morna. D’Alessandro é assim - é desses que brilham, mas dispensam a garupa do elefante. Sua plasticidade tem um algo de comum que encanta e escandaliza. Não se vê uma janelinha, um balãozinho, um toque desnecessário de calcanhar. Embaixadinhas? Não. Pedalada? Nem pensar. D’Alessandro não bate de letra, não dá chaleira e nem passa de peito: seu jogo é pornograficamente simples, e sua singeleza constrange os outros. Um maestro em campo. E de chinelos!

Di Stéfano deverá estar certo, serenamente certo. "Nenhum jogador é melhor que todos juntos".
Mas alguns poucos são bem melhores do que os outros.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimo texto!