quinta-feira, 27 de novembro de 2008

UM TIME DO C******

Por Marcelo Benvenutti


Nos dias que antecederam a partida, Guiñazu declarou que o jogo seria uma guerra. Os jogadores colorados, depois das entrevistas na beirada do campo, esperavam o Estudiantes entrar em campo. Álvaro, tal como o gladiador de Russel Crowe, acrocado, arrancou pedaço da grama, espremeu e cheirou. Guiñazu estava certo. O Inter não estava entrando com 11 jogadores em campo. Eram 11 gladiadores numa arena vermelha de futebol e desejo. A noite senegalesca aproximava o ar de La Plata ao das arenas de homens contra bestas no mundo antigo. O que se veria dali em diante seria mais que uma partida de futebol. Seria a luta encarniçada entre peleadores de espada curta jogando as feras argentinas contra suas próprias redes.
Envenenando-as com seu próprio licor de ódio e purgando décadas de petulância castelhana.

Pois a partida começou como deveria ser. Como todos nós esperávamos que fosse. Encardida. Ranheta. Pegada. Os argentinos que tanto se gabam da garra, da raça, da luta, partiram para cima, mesmo que sem eficiência, do Internacional. A torcida do Estudiantes, que não assistia a seu time chegar a uma final continental desde 1971, apelava para mística copeira que entoa em seus delírios. Verón é um monstro querendo assombrar os brasileiros. Tudo na Argentina é sagrado. Estudiantes não perdeu os últimos 43 jogos em casa, dizem. Diziam isso do Boca. Diziam isso do São Paulo em 2006. Dizer é muito fácil. Quero ver é fazer. Aos 5 minutos de jogo, Guiñazu faz. Talvez o Cholo tenha visto alguns vídeos antigos, da década de 1970, do Internacional. Talvez tenha lido em algum recorte de jornal que lhe mostraram. Figueroa dizia que, pra mostrar força e mandar respeito, o marcador devia dar uma pancada logo nos 5 minutos iniciais. Sábias palavras, Figueroa. Mas não nos dias de hoje. Guiña mandou ver aos 5 e aos 25 minutos atropelou o fantasma Verón. A besta estava no chão. E o gladiador foi expulso de campo. Foi, como conta aquela velha piada gaudéria, daí que começou a briga.

Quando parecia que as bestas devorariam os peleadores colorados, foi que D'Alessandro, debochada, libertina, quase cariocamente, deixou uma bola quedar-se na área aos pés de Nilmar. Nilmar tocou a bola e deixou a natureza atuar. A besta platense, como tantas outras vezes ocorreria na partida, caiu no golpe. Pênalti. Indiscutível. Alex teve que mostrar, via satélite, duas vezes, como um craque cobra penalidades máximas. Tal qual Roberto, o atual presidente vascaíno, que dizem jamais ter errado um pênalti, dinamitou o goleiro argentino. Tite, um filósofo comandando guerreiros sedentos de sangue e glória, utilizou de suas artimanhas intelectuais e magnetizou a mística copeira dos pinchas com dois quadrados elétricos que simplesmente minaram o espírito de Verón e de todos os fantasmas que revoam sua careca. Lá atrás, Álvaro, a respeito de um outro desafogo mais afoito da zaga, franzia o semblante e encarava a tudo e a todos com o mesmo sorriso: Nenhum. Russel Crowe deve ter assistido à partida. Se não assistiu, deveria. Álvaro não atuou como um gladiador. Álvaro é o Gladiador. Maximus. O imperador rendeu-se. As bestas aplastaram-se na serragem. O circo calou-se. Nas arquibancadas ecoavam cânticos colorados. La Plata inteira silenciava para escutar os cantos de guerra da torcida colorada. Os guerreiros zulus saúdam o exército britânico. A batalha está vencida? Louvamos os nossos inimigos derrotados.

O segundo tempo vem como uma chuva quente na noite tépida. Nada aplaca a força do Internacional. Como se todos os jogadores gritassem aos céus. Estamos aqui. Somos todos Guiñazu. Jogaremos pela alma de nosso guerreiro abatido. Aquele que tantas batalhas lutou por nós. Quando estávamos destruídos, aniquilados, sem força ou tesão, Guiñazu não estava. O juiz enxerga um impedimento de Edinho tão inexistente quanto o que enxergou de Nilmar no primeiro tempo. Nilmar é um puma na savana caçando gazelas desnutridas. Edinho é uma leoa faminta protegendo suas crias. Os gladiadores é que são as bestas. O povo platense a tudo observa atônito. Reza para todos os orixás argentinos. Desenterram Evitas, Gardels e Guevaras. Nada e nem ninguém vai parar essa máquina de triturar tentativas de ataques do Estudiantes. Para que a festa fosse completa, faltou apenas que Magrão, o centurião da maloca, completasse para a rede o passe de Michel Platini, quer dizer, desculpem, D'Alessandro.

Abatidos, os jogadores do Estudiantes deixam o estádio aparvalhados. Os torcedores argentinos, músculos retesados de horror, se dirigem para casa com medo de sonhar com o que presenciaram. A guerra não está ganha, sabemos bem. Guiñazu também sabe. Mas com a certeza de pertencer a um grupo de peleadores, o Cholo não pensa duas vezes ao responder aos repórteres o que achou do poder de combatividade de seus companheiros de batalha: "os caras são do caralho".

Sim, Guiña. Parafraseando o velho e louco Júpiter Maçã, o Inter é um time do caralho.

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