terça-feira, 30 de dezembro de 2008

COPA PRA QUEM?

Por Marcelo Benvenutti

Esta semana, foram aprovados os projetos de Inter e Grêmio na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Projetos para a Copa de 2014, promulgam os noticiários. Na verdade, cada cidade candidata a ser uma das sedes da Copa do Mundo apresenta um estádio como sendo o que vai sediar os jogos da Copa. No caso de Porto Alegre, está lá na proposta: Beira-Rio. Não que eu queira azedar o delírio tricolor. Ele é justo e justificado. A imprensa gaúcha, sempre afoita em relacionar cada partícula do Universo ao pretenso "gaucho way of life", chegou a propagar aos quatro ventos, mais o minuano pra dar um empurrãozinho, que, sim, seria possível Porto Alegre ter dois estádios em uma sede. Doce delírio.

Conforme entrevista recentemente publicada no Jornal do Comércio, um dos advogados do Grêmio que tratou do contrato com a OAS declarou sabiamente que ao projeto "Arena" tampouco importa se será sede da Copa ou não, desde que faça parte do caderno apresentado à Fifa pelas autoridades para que, aí sim, tenha o referido projeto direito a benefícios fiscais criados especialmente para a Copa 2014. Não digo que o Inter também não aguarde tais benefícios. Aguarda, obviamente. Mas assim como na Arena, outros estádio estão entrando nessa, legalmente, claro, porque ninguém assina conta de trouxa nesse lance de Copa. Só que nem tudo que é legal deveria ser bovinamente aceito. Pelo menos deveríamos mugir em protesto.

Em um ano que a crise internacional nos assombra com sua aproximação, onde o presidente nos manda gastar e a governadora corta salários da educação ao mesmo tempo que assina leis e mais leis de isenções fiscais para a "salvadora" Copa 2014, nada mais justo do que os vereadores aprovarem a construção de prédios de mais de 70 metros de altura em meio a condomínios de quatro e cinco andares. Que ao lado de residências e pequenos edifícios ergam-se monólitos de mais de 30 metros na área dos Eucaliptos. Nem seria injusto deixar que a OAS construa um bairro pós-moderno no alagadiço Humaitá. Seria uma injustiça com a história da cidade. Ou vocês imaginam os vereadores aprovando nos dias de hoje o aterro de dezenas de hectares de orla do Guaíba como foi feito nos anos 1960? Claro que não. Mas, em nome da Copa 2014, tudo vale.

Desculpem-me aqueles mais sonhadores ou com a viseira fechada, eu odeio a época de Natal e Ano Novo. Não existe nada de novo. O governo não esquece do IPTU, do IPVA, o lixeiro quer Natal enquanto pago absurdos pela taxa do lixo, os pedágios das estradas esburacadas e mal sinalizadas aumentam, a temperatura para quem fica em Porto Alegre à noite beira os 30 graus e o tédio profundo se estabelece em seus sobreviventes. Obviamente, o trânsito esmorece na sua truculência. Enquanto espero a cerveja tentar gelar no congelador e zelo pelo sono do Lorenzo, que os mosquitos não ataquem meu filho, a cara de pau campeia pelos microfones de rádio e tevê e páginas de jornal.

Sim, teremos dois belos estádios de futebol. Cadeiras estofadas. Restaurantes panorâmicos. Telões tridimensionais. Hotéis muitas estrelas. Estacionamentos lunares. Enfim, seremos um Estado de Primeiro Mundo. Como sempre fomos, nós, gaúchos. Cordatos. Politicamente corretos. Os "europeus" do Brasil. Nesses dias, esquecerei de pagar meu IPTU, jogarei a conta do IPVA pela janela, mandarei os lixeiros catar coquinho no mato. Sim, afinal é Copa. Tomarei meus benefícios fiscais de assalto. Comprarei meu ingresso para o jogo inaugural da Copa no Beira-Rio com um cambista que venderá on-line, vestirei minha camiseta canarinho Nike falsificada que comprarei no Camelódromo do Centro e me sentarei confortavelmente no restaurante do estádio para assistir ao jogo em uma campo holográfico projetado na minha mesa. O garçom, educado como todos os garçons porto-alegrenses, virá prontamente me atender. Uma Heineken, pedirei. Afinal, agora que somos europeus, nada mais natural pedir uma garrafa da cerveja que patrocina a Champions League, não é? Ele me trará uma lata de Pepsi. Light. Quente. Beberei com gosto.
Como é bom pertencer ao Primeiro Mundo.

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