segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

FALCÃO TEM CORAÇÃO

Por Andreas Müller

A história que vou contar agora eu não vi. Foi-me relatada pelo Sérgio Bottini Jr., um grande amigo que teve o privilégio de estar no Ciudad de La Plata na última quarta-feira, quando o Internacional bateu o Estudiantes por 1 x 0.

O jogo já havia terminado. Nas arquibancadas, cerca de mil colorados esperavam pela liberação da polícia argentina para ir embora – coisa que só ocorreria depois que toda a torcida do Estudiantes se retirasse. A espera não foi muito longa. Todos faziam festa, tiravam fotos, falavam ao telefone e cantavam e se abraçavam depois de mais uma apresentação histórica do Inter nas distantes plagas da Argentina. Enquanto isso, as equipes de TV, incluindo-se aí as brasileiras, tratavam de desmontar seus aparatos e ir embora, sem qualquer tipo de restrição da polícia. Tudo como manda o script. Tudo nos conformes.

De repente, surgiram no corredor das equipes de TV duas personalidades conhecidíssimas da torcida colorada. Galvão Bueno, o narrador da Globo, e Falcão, o mito do Inter, caminhavam calma e tranqüilamente ao lado da torcida, conversando entre si, aparentemente alheios à algazarra colorada. É claro que suas presenças não passaram despercebidas. Imediatamente, a turba alvi-rubra entoou uma saudação já tradicional nos estádios do Brasil inteiro:
– Galvão, veado! Galvão, veado!...

Injustiça, é claro. Em língua portuguesa, ninguém narrou com mais emoção e potência o gol de Gabiru quanto Galvão “Olha o gol! Olha o gol!” Bueno. Ele próprio sabe disso. Tanto, que reagiu com bom-humor à ofensiva. Diante da multidão, ele ergueu os braços como se perguntasse: “Pô, mas por que isso?”. O recado foi entendido e a injustiça, desfeita. Sem demora, um pequeno grupo de colorados ensaiou uma reverência a Galvão Bueno. O resto silenciou. Até que, finalmente, alguém fez o óbvio: exaltou Falcão. Em poucos segundos, ecoava pelas arquibancadas do Ciudad de La Plata a velha canção que salva Bodinho, Dom Elias e também Falcão.

Falcão, convenhamos, sempre foi um herói meio blasé na história do Inter. É colorado, disso todos sabem, mas não faz o estilo torcedor apaixonado. Ao contrário: muitas vezes, parece ser um “neutro”, um craque sem cores clubísticas, sempre avesso a provocações, cornetas e, principalmente, a demonstrações de afeto à nação colorada. Verdade seja dita: Falcão, o gentleman colorado, é a antítese completa de Renato Gaúcho, o falastrão tricolor.

Mas desta vez Falcão não se conteve.

Ao ver a multidão evocando seu nome, o maior volante da história do futebol brasileiro parou. Abriu um sorriso emocionado, cerrou os punhos e começou a comemorar junto com os meros mortais que se espremiam a sua frente. Comemorou com devoção, as mãos fechadas sobre o peito, os tendões saltando-lhe dos braços, o olhar abalado pela alegria. Há quase 30 anos Falcão não se entregava tão vorazmente à paixão colorada. Ali, na frente de pouco mais de mil torcedores, foi como se ele comemorasse novamente aquele gol antológico contra o Atlético Mineiro – aquele das tabelinhas com Escurinho. Aliás, reveja a foto daquela comemoração: você perceberá que os pés da Falcão não tocam o gramado...

Entusiasmada, a torcida começou a jogar camisetas para o ídolo. As camisetas voavam de todos os lados e caíam no chão, algumas mais perto, outras mais longe. Galvão Bueno, numa demonstração tocante de humildade, encarregou-se de juntá-las, uma a uma. Tal como um assistente, o narrador da Globo foi entregando as camisetas para Falcão, que as autografava e as jogava de volta para a torcida.

A história que eu contei eu não vi. Mas ouçam o que eu digo: aparências à parte, Falcão é um colorado como todos nós. Um colorado que tem coração.

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