quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

INTERVALO

Por Marcelo Benvenutti


Sábado de manhã. Eleições no Beira-Rio. Sábado de manhã não existe pra mim. Ainda mais depois da festa de fim de ano do trabalho. Aquele churras. Aquelas, muitas, cevas. A ressaca batendo depois de seis horas mal dormidas. Mas, tudo bem, tenho que sair de casa e buscar meu filho Lorenzo na vó. Sim, eu, ainda, cumpro a lei. Deixei o carro na minha mãe e saí de táxi para a festa. Na rua, nos lugares de festa, muitos carros. Obviamente, muitos bêbados. Os motoras tomam só guaraná? Ah, sim. E o Inter vai contratar o Palácio pro centenário, então. Bem capaz, né, meu?

Pois bem, lá vou eu a pé, debaixo de uma lua, Gatorade na mão, depois água com gás, meditando sobre a vida, direto ao Complexo Beira-Rio para votar nas eleições. Exercer meus direitos de cidadão colorado, carajo! Movimento mesmo só próximo ao portão de entrada norte. Os carros de som explodem indo e vindo na Padre Cacique. Não entendo de qual chapa é um ou outro. Tanto faz. Minha cabeça fervilha com o nada que agora vive dentro dela.

Perto da entrada dos eleitores no Gigantinho, um corredor polonês me espera. Decido esperar um pouco antes de entrar. Terminar minha água com gás. Um rapaz que vagamente lembro conhecer me cumprimenta. Sim, eu o conheço. Sou bom em fisionomias e péssimo com daonde elas vêm. Memória queimada é assim. Lembra por etapas. É da chapa 3. O coordenador. Guilherme, o nome dele. Noto a ansiedade em seu rosto. A ressaca ressalta minhas percepções. Muitos leigos acreditam no velho papo do escritor bêbado descascando palavras na tela de um computador. Mas, bêbado, não sai quase nada que preste. O melhor sempre sai na ressaca. A percepção está no auge. Entendi o sistema depois que assisti a uma entrevista de um cientista que disse que as melhores idéias lhe ocorriam logo depois de acordar de um bebedeira. O cérebro, zerado, elimina todo o lixo e resta apenas o que interessa. No caso de um cientista, descobertas. No meu caso, a percepção. Histórias perdidas que se encontram no amanhecer da mente.

Voltando ao Guilherme. Ele me conta que as rádios dizem que a Chapa 3 tá com 14% nas pesquisas informais que eles fazem. Eu não me surpreendo. A Internet une as pessoas. Não estou eu aqui escrevendo e vocês me lendo? Sim, respondo eu, acredito que vocês vão conseguir ultrapassar a cláusula de barreira. 15% na veia. Pensa bem, Guilherme, continuo, os eleitores da Chapa 3 têm o perfil parecido com o meu. Os votos tendem a aumentar na tarde. Hoje é sábado. O povo tá de ressaca. Ele se vai, atendendo um celular, a ansiedade refletindo no andar. Imagino que ele quer acreditar que conseguirão, mas, tal como nós no intervalo do jogo com o Barcelona, estávamos calmos até momento que nos demos conta que, porra, nós estávamos com grandes chances de sermos campeões mundiais! Eu confesso. Foi no intervalo que me flagrei. Foram longos quinze minutos. Assim como o Guilherme pressentia a eleição da Chapa 3, mas relutava em acreditar, o que lhe causava ansiedade, minha mente relutava em crer que o sonho era real, Nós seríamos campeões mundiais. E fomos.

Deixei que o corredor polonês se dissolvesse. Hora do almoço. Não era necessário eu apertar a mão do Píffero. Ia ser chato. Me sentiria apertando a mão do diretor de disciplina do colégio quando eu tinha 13 anos. Deprimente. Ou a do Mano Changes. Mão de deputado. Eu, hein? Tinha terminado minha água. Hora de votar. Concordo que a atual direção não acolheu minhas expectativas. Demoraram para descobrir onde estavam os maus caminhos tomados. Mas quando vi os números, não me contive. Votei em branco para presidente. Píffero já estava eleito mesmo. Mas não com meu voto. Que faça no segundo mandato o que não fez no primeiro. Menos arrogância. Mais obsessão. O que me interessava era o voto no conselho. Não sei quantos movimentos existem por lá. Imagino que na chapa 3 também devem ter pessoas que se eu conhecesse talvez não votasse. Mas, fazer o quê? Para comer um bom peixe muitas vezes vem uma ou outra espinha junto. Que venha. Tasquei 3.

Passeei pelo campo, tirei uma foto que duas amigas me pediram, sentei e quase cochilei nas cadeiras das casamatas. O sol pedia um cochilo naquela ressaca seca e inebriante. As modelos da chapa 2 rebolavam para lá e para cá. A chapa 1 dominava o meio ambiente. O Píffero continuava lá no corredor, tal qual a Rainha da Inglaterra cumprimentando os súditos. Liguei para o Andreas. Ligaria para o Emanuel se tivesse guardado no celular o número dele. Cumprimentei-o pela eleição. O pessoal na volta do quiosque da chapa 3 falava em 12, 13, 14%. Nunca nos fatídicos 15%.

O Andreas não acreditava. Se fossem mais de 500 votos, já seria uma vitória. É assim. A massa não sabe a força que tem. Se com a eleição da chapa 3 algo se alterará na forma como os clubes lidam com suas torcidas representadas em seus associados? Não sei. Mas certamente um algo novo aconteceu. Se dará certo na prática? Só o tempo dirá. Mas as relações no futebol precisam ser menos nobiliárquicas. Como se os clubes, que são o que são porque o capital que possuem são seus torcedores, fossem feudos de famílias, capitanias hereditárias de fulanos e beltranos. Podem ter sido nos primórdios do futebol. Mas para serem grandes devem pagar um preço. A pluralidade.

Fui embora e esqueci do assunto enquanto passava a tarde com meu filho. Somente à noite li na Internet que o povo da chapa 3 tinha conhecido os limítrofes 15%. As imagens da festa no YouTube foram vibrantes como a explosão da torcida naquele gol chorado do Nilmar contra o Estudiantes. Foi na prorrogação. Eu não me dei o direito de vibrar assim. Fiquei feliz. Aprendi a conviver diariamente, nem que fosse só por emails, com dois dos novos conselheiros, Emanuel e Andreas. Fiquei feliz. Mas continuo no intervalo da partida. Podemos ser vencedores. Ou não. Mas devemos sempre ter em mente que um clube grande como o Internacional se alimenta de sonhos. Os sonhos de uma grande torcida. Nada mais justo que a torcida decida seu destino.

Assim seja.

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