quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

NADA ME IMPORTA

Por Gustavo Foster

Às vezes eu gosto de pensar no passado. Não que o meu passado seja muito longínquo (hoje vi crianças jogando bola, e elas tinham nascido depois do atentado às torres gêmeas - nada mais me abala), mas algumas coisas mudaram. Me refiro a dez, onze anos atrás. Anos 90, essa é a minha época. Sessão da Tarde passava Esqueceram de Mim, o Gugu levava os Mamonas Assassinas no Sabadão, o Edílson e o Paulo Nunes faziam todo mundo assistir um clássico que hoje não tem já mais muita graça e o Inter planejava sempre o Gauchão do próximo ano.

Fase feia, aquela. E eu ali, tendo que escolher. Família inteira colorada. No aniversário era camiseta, bola, meião, lençol, toalha do Inter. O time em campo só piorava: passei minha primeira década futebolística sem ganhar absolutamente nada além de Gauchão. Lembro uma vez que ganhamos um torneio internacional com zero de expressão e eu tinha aula na manhã seguinte. O jogo rolou na madrugada e eu fiquei escondido, só no radinho. "Esse jogo não serve pra nada, vai dormir que amanhã tem aula". Quando acabou, deixei escapar um grito de felicidade, que se juntou a outro, vindo do quarto dos meus pais. Não servia pra nada, mas era o que a gente tinha.

Mas nunca me forçaram – ao menos não diretamente – a torcer pra ninguém. Me falavam do Falcão, me falavam das glórias de 70, me falavam de Minelli, Ênio Andrade e Tesourinha e eu não fazia idéia do que era aquilo. Nem da Copa do Brasil de 92 eu lembrava. Mas eu continuava indo no Beira-Rio com o meu pai – obrigado, pai –, via o Inter ganhar algumas, perder mais várias. Lembro de dois fatos que marcaram meu coloradismo infantil. Quem nunca fez escolinha de futebol? Eu fiz. Digamos que fossem 20 crianças, ali: cinco eram coloradas e quinze gremistas. Um dia aconteceu o grande derby estudantil – Grenal na escolinha de futebol – e não tinha gente pra jogar no Inter. A Azenha praticamente se instalou no campo de grama sintética. Nós não tínhamos nem quatro na linha, que fosse. Eles contavam com massagista mirim, roupeiro fraldinha, psicológico precoce e terceiros reservas de 7 anos. O Grenal aconteceu. Chamamos até o caixa do bar da esquina pro nosso time, mas aconteceu. Cheguei no carro, contei isso e admito: foi a vez que balancei. Falei que tava difícil, no colégio era só piadinha, por que a gente tá tão mal? Lembro que a resposta tinha algo a ver com "futuro".

Por isso, muitos colorados atuais passaram, internamente. Separados, solitários, tentaram negar o amor. Amaldiçoaram o coração irreversivelmente vermelho. Praguejaram contra a alma, tentaram desvencilhar-se, mas a luta contra si mesmo foi inútil. Mas passamos por mais: lembro da noite 1999, final do Campeonato Brasileiro, luta contra a praga do rebaixamento. Tomávamos um laço em casa, iríamos para a segundona, eu não podia acreditar. Tinha nove anos e chorava, pela primeira vez, na arquibancada do Gigante da Beira-Rio. Sempre que me lembro dessa noite, penso que estava na Inferior, mas agora lembrei da imagem, e me pareceu ser a Superior. O certo é que, abraçado com meu pai – sempre ele -, eu chorava. Já havia comemorado, dormido, xingado, gritado, mas chorar era algo que eu nunca havia feito. Naquela noite, o fiz.

Rebaixamento não era a nossa cara, aquilo não podia estar acontecendo. Foi quando Celso – e como eu odiava aquele Celso! – bateu aquela falta na cabeça do mestre absoluto Dunga. Durante uns bons 5 segundos, não entendi o que acontecia. Impedimento? Gol do Celso? Quê, anularam o gol? Deu pênalti? Estávamos escapando. Ainda teve aquele lance do Pena, mas alguém quer lembrar daquilo? Gosto sempre de me certificar que, de fato, o jogo já acabou: 1999 já passou.
E agora querem me dizer que a Sulamericana não vale nada.

Nunca na minha vida não vou sentir orgulho de ganhar um título. Pra mim nada do que dizem importa: não me importa que o Inter seja o primeiro brasileiro a ganhar o campeonato. Não me importa que estejamos chegando ao topo da América, sendo o único a ganhar tudo possível. Não me importa que ganhemos de Verón, Riquelme, Astrada, Palermo, Tcheco e Perea. Isso é que o menos interessa. Menos ainda me interessam as provocações. Segundona da América, competição que não leva a nada, jogos que ninguém leva a sério, só times reservas, o Boca não queria ganhar, Paulo Odone comemorou a desclassificação. Tudo só mostra que ninguém é indiferente. Quem pode ganhar, valoriza. Quem já não tem mais chances, desdenha. Previsível, nada impressionante. Como eu disse no começo, gosto de pensar no passado. Gosto de evoluir, gosto de crescer. Todos os fatores que nos fazem aparecer em quatrocentos mil países, trezentos e quinze jornais e duzentos e catorze sites apenas mostram como crescemos como time, como clube, como torcida. Olhando para trás, lembro de Christian, André, Fabiano, Enciso, Fernando, Anderson, de todos aqueles que cogitaram trocar de time graças a provocações no colégio, que ficaram roucos seja xingando o Marcelo ou idolatrando o Lúgio, que ficaram roucos seja xingando o Marcelo ou idolatrando o Lingando o Marcelo, vibraram quando o Lgiuube, como torcida. Vcio, que levaram o cinco a dois de 97 como argumento-mór para discussões e que, na década seguinte, viram o jogo virar.

Então não me digam que ganhar a Copa Sulamericana não vale nada. Amanhã, caso o Edinho levante a taça, eu vou comemorar lembrando do passado. E feliz, muito feliz, por um presente que todos nós ajudamos a acontecer, no qual reclamamos do uniforme com muitas estrelas e consideramos um ano em que botamos três faixas no peito mediano. Nada me importa: comemorarei, e muito.

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