segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

JOGADORES NÃO DEVERIAM MORRER.

Por Andreas Müller

Foi imensa, arrasadora a comoção provocada pela tragédia do Brasil de Pelotas. Imensa e arrasadora, porém compreensível. Pois o acidente não matou três homens comuns. Não: na ribanceira daquela estrada infernal ficaram as vidas, as carreiras, os sonhos e o futuro de três personalidades do futebol – e isso faz toda a diferença.

No funeral improvisado no Bento Freitas, por exemplo: lá estavam não só os amigos e familiares das vítimas, mas também os milhares, dezenas de milhares de torcedores xavantes. Torcedores que sempre viram nas cores do Brasil uma razão para sorrir ou chorar, para cantar ou calar. Torcedores que sempre respiraram os ares da paixão rubro-negra, pedindo em troca nada mais do que algumas alegrias e tristezas, essas coisas tão antagônicas que dão corpo a nossas lembranças mais ternas. Torcedores como eu e você, portanto: ainda que vistam camisetas diferentes, eles também fazem questão de acompanhar o time aonde quer que ele vá – apenas para experimentar um pouco mais daqueles brevíssimos momentos em que a vida parece ser infinita.

Eis a verdade: jogadores de futebol não deveriam morrer. São eles, afinal de contas, que preenchem nossas vidas com o que é realmente imortal: um drible desconcertante, uma dividida de classe, um gol feito – ou miseravelmente perdido. Ao cabo de tudo, eles e seus lances aparentemente passageiros ficam gravados na parte mais pulsante dos nossos corações. A mesma parte em que guardamos o primeiro beijo, a última desilusão, o abraço de um grande amigo, a morte do nosso cãozinho de estimação e até mesmo essa sensação de assombro e euforia que nos acomete quando ouvimos nosso filho chorar pela primeira vez nos braços da mãe, como que apavorado por descobrir-se finalmente vivo.

Títulos? Sempre serão menos importantes do que os gols que os tornam possíveis. Contratações milionárias? São pequenas, quase insignificantes diante destes jogadores que crescem junto com a torcida e realizam, no gramado, os sonhos de quem os espera na arquibancada. O atacante Claudio Milar, o zagueiro Régis Alves e o preparador de goleiros Giovani Guimarães foram assim. Viveram pouco, quase nada. Tiveram suas jornadas abreviadas por um acidente estúpido e injusto. Mas realizaram, cada um a sua maneira, façanhas que muitos mortais levariam sete vidas para igualar.

Milar, por exemplo, tinha pouco mais de 34 anos de vida. Régis ainda estava nos 28 e Giovani, nos 40. Mas cada um deles foi protagonista de momentos que a torcida xavante carregará consigo por muitas gerações. É verdade que eles não estão mais aqui. Mas todos os três estarão sempre vivíssimos em cada história contada e recontada de pai para filho, em cada lágrima de saudade chorada por ex-colegas e familiares, em cada lembrança de seus torcedores e adversários. De certa forma, é esta a verdadeira vida que temos depois da morte. Felizes são eles, os jogadores de futebol, que continuam vivendo nos corações de toda uma nação.

Estamos de luto. Hoje, há uma ferida aberta no peito de todo o Rio Grande do Sul. Mas o fato é que a vida é implacável e obstinada – não há dor que seja capaz de interrompê-la. Podemos e devemos chorar pelas vítimas e compartilhar a tristeza dos que ficaram. Mas temos de seguir adiante e suportar todas as consequências, boas ou ruins, da continuidade. Nosso dever maior é ajudar os sobreviventes e respeitar o luto dos familiares. É estender a mão para que a nação xavante consiga se reerguer mais rapidamente. Em breve, tenham certeza, o Brasil de Pelotas voltará aos gramados ainda mais forte e vibrante. É simplesmente inevitável que seja assim.

Jogadores de futebol não deveriam morrer. Mas convenhamos que a vida compensa essa injustiça: os clubes de futebol – são eles que não morrem jamais.

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