terça-feira, 6 de janeiro de 2009

QUAL PARTE, DANIEL CARVALHO?

Por Daniel Ricci Araújo


No último domingo, em entrevista ao site Globo.com, o pai de Daniel Carvalho nos brinda com uma declaração no mínimo curiosa (digamos curiosa para, pelo menos por enquanto, preservar por antecipação o personagem desta crônica).

Fala Álbio Carvalho, pai do outrora ídolo colorado (hoje em dia não se sabe) Daniel Carvalho, abre aspas: "O Daniel foi eleito por dois anos o melhor jogador da Rússia, tem um conceito muito grande lá. Só veio para o Brasil porque ele queria dar uma folga. Ele estava há quatro anos na Rússia, havia casado há pouco tempo e ganhou um filho. A ideia foi esta. Ele veio, cumpriu a parte dele, e agora vai retomar a carreira na Europa".

Não sei qual trecho da colocação agradará mais ao nobre leitor. Eu, particularmente, fiquei intrigado com o tal de "cumpriu a sua parte". Qual parte, Daniel Carvalho? A de um mísero gol no segundo semestre do ano passado? A das várias atuações sonolentas? A da falta dos dribles, dos lançamentos e dos chutes de outros tempos? Qual parte, Daniel Carvalho, qual parte foi cumprida? Falar mal de Daniel Carvalho é difícil, muito difícil. Custa muito à minha memória mais remota de colorado escrever uma crônica-acusação como essa, mas nada nos pode restar depois de ouvir uma declaração desse quilate.

Tentemos ser justos, e não debitemos essa loucura na conta quase óbvia do desrespeito à instituição. Sejamos justos e até algo a mais – façamo-nos um pouco puritanos como o pastor bíblico, ou o da "Marília de Dirceu": ou nosso Daniel dos Dribles Carvalho perdeu completamente o contato com o Planeta Terra, ou seu pai foi morar em Urano e esqueceu-se de voltar. Ou Daniel pensa como o pai, e está decididamente louco, ou desautoriza seu pai por ter dito o que disse, e mantém-se pelo menos a confiança se não em seu futebol, pelo menos em seu bom senso, ou o que tenha restado dele.

Mas se achamos que acaba por aí a cosa toda, ah não. Continuemos. Como quem dá a marretada final na vítima, o Sr. Álbio ainda afirma, no final, o seguinte escárnio: "O futuro a Deus pertence. Não temos mágoa nenhuma, futebol é assim", comentou. Vamos recapitular, pois depois do baque momentâneo isso é necessário: Daniel Carvalho não tem mágoa nenhuma do Inter. Daniel Carvalho recebeu um salário polpudíssimo, voltou a sua terra natal, não jogou nada vezes coisa alguma mas, que bom, que maravilha, saiu "sem mágoas". Agora é minha vez: por favor, parem o mundo que eu quero descer! Quando sai o próximo trem para Mercúrio?

Não é possível que um jogador de extrema, mas extrema identificação com a torcida – que, reza a lenda, acordava durante as madrugadas moscovitas para torcer pelo Inter em 2006 – tenha ido embora e, no fim de seu passeio por aqui, permita ou não discorde que seu pai e empresário cometa um desrespeito em forma de declaração.

Na verdade, eu torço (e muito) para que hoje mesmo o Sr. Álbio Carvalho dê uma enérgica resposta e diga que nunca, nunca, nunquinha deu, daria ou dará declarações como essas. Eu, mesmo assim, teria de continuar achando que seu filho foi a decepção do ano no Inter, mas isso já livraria nosso quadro de ídolos de perder uma de suas fotos. Daniel sabe bem como foi recebido de volta em 2008, mesmo numa época como a atual, na qual ele era somente mais um dos grandes jogadores do elenco. A torcida, que tanto gosta dele, merece, no mínimo, uma explicação. E espero que ela não demore.

Mas já que Daniel Carvalho cumpriu "a sua parte", como diz o próprio pai, talvez fiquemos mais uma vez a ver navios.

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