sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

QUINZE MIL.

Por Marcelo Benvenutti


Ano passado, numa partida entre o Inter e o Palmeiras, logo após o fiasco da goleada contra o futuro rebaixado Vasco da Gama, compareceram 15 mil torcedores no Beira-Rio. Público pequeno para o tamanho do espetáculo. Jogo de transmissão em rede. Dez da noite. Palmeiras ainda sonhando com o título. E o Beira-Rio urrando. Pulsando. Pulando. Querendo sangue a todo custo. Eram 15 mil insanos debaixo de uma chuvarada impondo junto com os jogadores uma goleada destruidora. Como escrevi na época, e não fui nada original, saímos de alma lavada.

Poucos meses antes, no jogo mais importante do ano até aquele momento, o Inter, após uma suposta discussão nos vestiários sobre valores de premiação e uma mais suposta ainda declaração de Abel aos seus comandados que estaria saindo para a Arábia, joga uma partida apática contra um Sport Recife brigador, mas inferior tecnicamente ao Internacional. Vencemos por um a zero. E boa parte dos mais de 40 mil que estavam no estádio ensaiavam uma vaia estrondosa. Uma semana depois o time vergonhosamente jogava uma das partidas mais bundamoles da recente história colorada. Foi o fim da era Fernandão. Logo depois ele e Iarley iriam embora, um pouco antes, Abel, e nós, colorados, entrávamos na penumbra das mudanças às prestações.

Em agosto, quando da goleada contra o Palmeiras, as mudanças estavam no começo, mas elas se prolongaram por mais um tempo. O grupo só se ajustou em outubro, ainda a tempo de conquistar um título inédito, mas tarde demais para buscar a vaga na Libertadores. De um certo modo, os apupadores e corneteiros sentiram-se aliviados. A vaia não foi em vão. Eles estavam certos em vaiar. Teriam o que dizer nas roda de cafezinho no escritório, na hora da marmita na fábrica, na mesa de bar no fim da tarde. Um corneteiro só é feliz na desgraça. A tragédia alimenta seu dia-a-dia. Se não tiver como reclamar do próprio time, o corneteiro inventa. Afinal, cornetear, além de ser uma modo de vida, é um despiste. A corneta é o Lexotan da alma.
Entorpece os sentidos e faz o corneteiro esquecer seus problemas cotidianos.

Terça-feira. Verão. Calor, mas nem tanto, no suportável para os portoalegrenses. Primeiro jogo da temporada. Um insosso Santa Cruz espera o Internacional em seu campo. Só espera. É uma ordem dos deuses times do interior esperarem Inter ou Grêmio no Gauchão. Desde tempos imemoriais. O primeiro chute num Gauchão foi um recuo para o goleiro. Quando ainda não era ilegal. O goleiro do Santa sabe disso. A primeira dividida foi uma cirurgia no joelho. Os zagueiros sabem. O time todo sabe. Toda a população da cidade mais que sabe. Os jogadores colorados se não sabem, vão descobrir. Os 15 mil torcedores que foram ao estádio também deveriam saber.

Mas 15 mil é um número mágico. Dizem que 15 mil é o número da torcida fiel. Aquela que sempre apóia, mesmo quando tudo vai contra. Os 15 mil da goleada contra o Palmeiras. Menos naquela tarde-noite. Após o apito final, indiferente à retranca adversária, ao começo de temporada, ao primeiro jogo após a suada conquista sul-americana, os apupos vieram. Fortes. Incisivos. O recalque exposto nas sociais. A felicidade estampada nos rostos fechados dos reclamões. Que empatar em casa contra times do interior é considerado uma derrota, isso é. Só que o Inter insistiu, bateu, tentou, teve gol mal anulado, bolas nos travessões, volume de jogo como gostam de falar os comentaristas esportivos. Só que ainda falta algo. Falta ritmo. Falta ousadia do treinador no Gauchão. Falta centroavante. Mas, apesar de tudo, falta paciência ao corneteiro. Afinal,. não basta ser verão, sair do estádio quase de dia, chegar em casa cedo, tomar uma gelada depois praquele papo com os amigos. Não. O corneteiro só é feliz na desgraça. O corneteito, amigos, é botafoguense. Torce pro Inter por descuido. Afinal, apesar de gostar de sofrer, mesmo o corneteiro admite, é muito melhor ser colorado.

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