sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

LÁGRIMAS DE BIGORNA.

Por Marcelo Benvenutti


Uma das minhas primeiras lembranças de assistir a um jogo do Colorado, assim eu chamava quando era criança, foi num domingo em 1979, ano de nosso último título nacional, o imbatível título conquistado de forma invicta, em um jogo do Gauchão. O Inter terminaria o campeonato em terceiro, atrás do Esportivo, vergonha suprema daquela época, 10 pontos atrás "deles", quando a vitória por três pontos era coisa de inglês e a gente achava absurdo. Naqueles anos, um 0x0 bem tramado valia bem mais que hoje, é verdade. E os clubes do interior se aproveitavam disso para tirarem suas lasquinhas da Dupla no Regional.

Não era o caso daquele domingo. O Inter enfrentava o São Borja. Estava encaminhado para a fase final. O jogo não valia muito, portanto. Maneira de dizer. Os jogos por pontos corridos sempre valem. Sempre. Mas, naquele domingo, meu pai levou a mim, meu irmão e um primo meu, gremista, que sofria feito um condenado torcendo pelos Betos Fuscãos da vida, um dos maiores goleadores contra da história dos Grenais, com a única finalidade de ver Claudiomiro jogar. Claudiomiro, o Bigorna, como insistia em frisar meu pai toda vez que falava no seu nome.

Claudiomiro surgiu no Inter quase com a mesma idade de um Pelé no Santos. Não era um Pelé, obviamente, mas era uma máquina, literalmente, de amontoar gols. Tantos que em poucos anos de carreira até hoje se sustenta como um dos maiores goleadores da história do Internacional, do Beira-Rio e dos Grenais. O apelido "bigorna" vinha dessa força de romper defesas adversárias com a força física em uma época que os zagueiros estilo Irmãos Pontes despontavam no Rio Grande. Mas toda essa explosão aliada a uma certa tendência genética a engordar e ao mau trato dos inimigos lhe valeram o encerramento da carreira numa idade em que hoje os jogadores estão no auge. Aos 29 anos de idade, Claudiomiro terminava sua luta nos gramados no Novo Hamburgo, nosso adversário de hoje à noite.

Pois nesse domingo, quando Claudiomiro, depois de perambular pelo Rio de Janeiro e por clubes do interior, depois de sair do Colorado após a conquista do hexacampeonato sem nenhum ponto perdido, outro feito inédito entre tantos do centenário time vermelho, voltou ao time de origem. Naquele domingo ele era o centroavante colorado. O camisa nove. Foi por essa razão que meu pai levou os filhos ao estádio, e um sobrinho gremista pra aprender vendo como era ser grande. O Inter venceu por 5 x 0. Era o óbvio naqueles tempos. Menos que isso era vaia.

Claudiomiro, na minha mente de criança, era um gigante, mesmo, até porque estava mais gordo que o Fenômeno hoje, mas a certa altura do jogo, não lembro direito como, o "velho" atacante adentrou a área e fuzilou o goleiro sãoborjense. Olhei para o lado e meu pai não falava nada. Ele simplesmente chorava. As lágrimas escorriam pelo rosto. Muitas lágrimas. Eu, criança, perguntei: Que foi, pai? Ele não falou nada. Chorou mais um pouco e me abraçou. Meu pai não era de se abrir. De abraçar. Mas ali eu senti que aquele cara simbolizava "algo".

Hoje eu sei o que ele simbolizava. E ainda simboliza. Simboliza o espírito que habita em torno daquelas antes turvas águas do balneário do lago Guaíba. Aquelas lágrimas ainda escorrem hoje quando o Inter entra em campo. Aquelas lágrimas deveriam escorrer sempre, todas às vezes, antes do time entrar em campo, pra sentirem na alma que para nós, colorados, não existe jogo ganho. Não existe jogo jogado. Aquelas lágrimas escorrem pelas arquibancadas e inundam o gramado e alimentam as raízes daquele campo sagrado. Aquelas lágrimas, do meu pai, que hoje são minhas, que são a de todos os colorados que realmente compreendem o SER colorado, são as lágrimas de suor que sangram nas camisetas rubras nos dias de grandes jogos e conquistas. Aquelas lágrimas, jogadores colorados, são as que fazem a história de uma alma pulsante. Pensem nisso antes de entra em campo, seja contra o Novo Hamburgo, União de Rondonópolis ou Barcelona. Respeitem as lágrimas dos colorados. São elas que alimentam seus sonhos de "independência financeira". Respeitem. Ou danem-se!

Para as lágrimas não existem concessões!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

QUINZE PERGUNTAS PARA O GRÊMIO

Por Daniel Ricci Araújo

Por que na semana passada o Grêmio poupou titulares contra o Veranópolis se, depois de perder o clássico, os seus dirigentes passaram duas horas afirmando que importante mesmo é a Libertadores, que só começa dia 25? Se o foco era e é "La Copa", não seria melhor ter poupado anteontem também?

Por que ninguém do Grêmio fala sobre o lance no qual Réver deveria ter sido expulso?

Por que o Souza aproveitou uma dividida eventual para dar um chutezinho maroto na boca do D'Alessandro, mas mesmo assim ninguém por lá diz nada sobre isso?

Por que todo mudo menciona a ampla e real dominação do Grêmio no primeiro tempo mas sem se dar conta de que, com dois jogadores velozes na frente, na segunda etapa, o Inter nunca deixou de ter pelo menos a possibilidade do contra-ataque, e foi assim que matou o jogo?

Se está tão enfastiado com o Gauchão e quer tanto se preparar para a Libertadores, por que o presidente do Grêmio não pediu para jogar o Clausura da Argentina? Parte da torcida ia a-mar de pai-xão!

Por que todo mundo diz que o Inter só ganha porque tem jogadores diferenciados, como se isso fosse demérito?

Quando o Grêmio tinha Marcelinho Paraíba e Ronaldinho Gaúcho, entre outros, nunca ganhava graças a eles?

Por que o Grêmio vende sua imagem atual como um clube sem dinheiro e que sobrevive pelo peso da camiseta, e por isso zomba o Inter e o chama de "riquinho" pelo seus atuais craques se, na época da ISL, no Olímpico montou-se um time quase só de astros?

Naquela época gastar dinheiro – mesmo que fosse o dos outros - era uma coisa muito "copeira", é isso?

Por que o Grêmio, como já na época da ISL e agora na da Arena, entrega na mão do capital estrangeiro o que sozinho não conseguiria implementar e depois, se algo dá errado, passa cinco anos fazendo muxoxo?

Ah, não esqueçamos os desmerecimentos. Por que o Grêmio, obsessivamente, fala mais na Sul-Americana de 2008 do que o Inter?

Por que o Grêmio esnobou a Dubai Cup colorada mas deu volta olímpica com Troféu Caravela em pleno Olímpico na década de 90?

Afinal de contas, vamos e venhamos: alguém sabe precisar qual foi a última vez que o Grêmio perdeu um jogo sem que fosse ou por um resultado roubado, ou injusto, ou por ter sido vítima de um complô?

E por último:Por que será que toda vez que o Nilmar arranca rumo ao gol do Grêmio eu ouço um grito de horror do meu vizinho tricolor do andar de baixo, como se ele estivesse prestes a testemunhar um crime?

É, que coisa. Muitas questões a gente, por mais que viva, nunca acha a resposta.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

ATÉ A PÉ CHORAREMOS.

Por Andreas Müller

Está oficialmente decretado o Estado de Chororô na República da Azenha.
Preparem os lenços, mangas de camisa e caixinhas de Kleenex: todo esforço será pouco para conter o tsunami de lágrimas deflagrado pelos gremistas em Erechim. A Defesa Civil já prevê afogamentos e mortes por desidratação. No centro do país, órgãos de imprensa, artistas e atores de Rede Globo prometem uma megacampanha de solidariedade em prol da nação tricolor. Aliás, o primeiro avião com mantimentos já pousou no Aeroporto Salgado Filho nesta manhã. Trazia 100 toneladas de Lexotan, 250 mil sachês de água-com-açúcar e quase três mil engradados de cerveja – “para que afoguem suas mágoas”, explicou o comandante da operação.

Lula fez um pronunciamento de última hora em cadeia nacional. Referindo-se à República da Azenha, foi enfático: “Nunca antes na história daquele país se viu tamanho chororô”. Generoso, o presidente prometeu incluir nas obras do PAC a reconstrução da autoestima tricolor. Mas fez uma ressalva: não será nada fácil. Afinal, depois de quase uma década sendo bombardeada incessantemente pelos sucessos do Internacional, a República da Azenha está em pandarecos. O estádio, por exemplo, será dado a uma tal de OAS – que é uma espécie de FMI da nação azenhense. Já as reservas internacionais de títulos estão quase esgotadas, muitas delas com o prazo de validade vencido. A boa notícia é que a República da Azenha conseguiu, ao menos, conter a fuga de capitais: desde 2006, quando se livrou das agruras da Segunda Divisão, só foge das capitais em partidas válidas pelo Gauchão.

Os meteorologistas ainda buscam explicações para o fenômeno que desencadeou o chororô gremista. Depois de muitos cálculos, simulações e consultas ao babalorixá Paulo Sant’Anna, chegaram a uma conclusão bombástica: foram eles, os dirigentes do Grêmio, os grandes responsáveis por transformar a República da Azenha em um vale de lágrimas.

Celso Roth, por exemplo, passou a semana inteira afirmando que o Grêmio quer a Libertadores, que o Grêmio respira a Libertadores, que o Grêmio deseja ardentemente a Libertadores, que o Grêmio manda flores, escreve bilhetes, ensaia serenatas e espera debaixo da chuva só para ver a Libertadores aparecer na janela. Em condições normais de temperatura e pressão, essas declarações de Roth teriam um claro significado: o Grêmio não estava nem aí para o Gre-Nal. Poderia até perdê-lo – como sempre – que ficaria numa boa, não ia doer nada. Mas bastou a partida terminar em Erechim para que todo o discurso de desprezo ao Gre-Nal fosse pelo ralo. As reclamações exageradas contra Carlos Simon, a choradeira na análise da partida, a necessidade de autoafirmação, como quem se olha no espelho e repete: “nós fomos melhores! Perdemos, mas fomos melhores!” – tudo isso apenas denuncia o óbvio: a República da Azenha não aguenta, simplesmente não suporta mais perder Gre-Nais.

O fenômeno poderia ter parado aí, mas adquiriu contornos de tragédia quando Duda Kroeff assaltou os microfones das rádios com um ultimato: caso os problemas de arbitragem continuem acontecendo, o Grêmio vai “largar o Gauchão” e jogá-lo somente com reservas. Vejam a mágoa, a dor estampada em cada palavra do presidente da República da Azenha! Quer dizer que o Grêmio copeiro e peleador, multicampeão e dono da torcida mais vibrante, guerreira e original da Via Láctea não é capaz de suportar os inconvenientes de uma arbitragem atrapalhada? Quanto chororô, francamente!

O engraçado é que o Grêmio quer ser tricampeão da América em 2009... Mas bastou enfrentar o primeiro contratempo do ano para que seu presidente viesse a público dizer, com beiço e lágrimas nos olhos: “Não brinco mais!”. Fico até pensando, cá com minhas abotoaduras: e se Kroeff fosse presidente do Inter em 2005? Seria, no mínimo, interessante. O Inter reverteria o canetaço de Luís Zveiter e anularia o histórico pênalti não-marcado sobre Tinga, tudo isso de uma forma simples e inovadora: nós “largaríamos” não só o Gauchão, mas o Brasileiro, a CBF, o Clube dos 13, a Conmebol, a Fifa e talvez o próprio futebol. Tchanã! Teríamos aí uma desistência à altura de todas as injustiças que cometeram contra nós naquele ano.

Genial, não?

Sejamos justos: reclamar é um direito de todos. Mas daí a protagonizar essa épica choradeira vai um salto enorme. Carlos Simon errou, sim. Mas errou em lances capitais para ambos os lados. De resto, não foi Simon que determinou que as inúmeras chances do Grêmio acabassem na linha de fundo ou na trave. Não foi Simon que colocou aquele chute solitário de Nilmar na gaveta de Vitor. Não foi Simon que manteve o Grêmio invariavelmente na condição de freguês do Inter por quase toda esta década.

A dor da derrota é indisfarçável e só há uma maneira de atenuá-la: reconhecendo que ela dói. Roth e Kroeff sairiam muito melhor da derrota deste domingo se simplesmente adotassem uma postura mais digna e assumissem suas falhas. Mas não: em vez disso, preferiram submergir a República da Azenha em lágrimas mornas e graúdas, daquelas capazes de fazer inveja ao mais sofrido torcedor do Botafogo. O pobre Botafogo, que depois de ter se consagrado como o “clube do chororô” parece ter encontrado um rival à altura. Um rival que já chega com uma vantagem: seu chororô é especial – é um chororô imortal.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

OPORTUNIDADES.

Por Thiago Marimon

"Treinar para que, se eu já sei o que fazer?!" Esta frase é do baixinho Romário. Na verdade dizem que é dele, tal qual atribuem crônicas das mais diversas a Luis Fernando Veríssimo. Uma dessas crônicas mais conhecidas que circula pela internet, atribuída à Veríssimo, chama-se "Quase", e, embora o título sugira, não se trata de uma crônica sobre um time qualquer de Porto Alegre que há anos não ganha nada e comemora os seus "quase títulos". A crônica "Quase", de autoria de Sarah Westphal, versa, entre outras coisas sobre oportunidades. A forma como elas surgem e passam, são aproveitadas ou escorrem por entre os dedos. Trata do que poderia ser e não foi. Dos momentos que surgem diariamente e que tem o condão de mudar o rumo de nossas vidas, mas que, na maioria das vezes, sequer notamos. Ou pior, percebemos que estamos diante de uma grande oportunidade de mudar algo, mas por covardia, acomodação ou inércia/preguiça, apenas contemplamos a chance, pedindo aos deuses que um dia nos concedam o privilégio de ter outra oportunidade daquelas. É mais fácil, mais cômodo e tranqüilo o sonho. Agir são outros quinhentos. Na prática, a teoria é outra.

O ano é 2007. O Celeiro de Ases acaba de parir sua nova promessa. Surge para o futebol profissional, já devidamente aliciado, digo, empresariado, um garoto de cabelo black-power, o qual atende pelo nome de Roger. Em seu primeiro embarque junto aos profissionais o garoto se atrasa e perde o ônibus que partiria rumo à pré-temporada em Bento. A diretoria, seguindo sua cartilha linha-dura, prontamente o devolve as categorias de base, postergando sua ascensão por mais um tempo, como forma de dar uma lição no garoto. Os críticos diziam, consternados, que desta forma, ao punir-se o jovem jogador, punia-se também o Clube, que não poderia contar com sua mais nova promessa. A oportunidade sonhada por nove em cada dez guris surgira para Roger. A chance de tornar-se um jogador de futebol profissional. Fama, reconhecimento, dinheiro e demais prazeres da carne. Roger, não percebeu sua deixa. E se percebeu, não a aproveitou. Tentou ingressar no futebol alemão, sem sucesso. E após uma passagem pelo náutico, onde disputou o nacional do ano passado, foi liberado pelo Inter. Mês passado, em uma mesa de boteco de São Paulo um amigo me recordou da existência deste jogador, ora esquecido nos gramados do nordeste, afirmando que o mesmo pairava nos campos de várzea do entorno de Porto Alegre. Vencido pela maldição do extra-campo, Roger se viu obrigado a postergar, ou quem sabe desistir do futebol profissional.

Chega então 2008, e o Celeiro não pára. Mais um guri de Pelotas percorre o caminho traçado por Perivaldo, Émerson, entre outros. Advindo das escolinhas xavantes, com vinte anos, franzino e com nome americanóide, o Inter apresenta TAISON. Apenas mais um dentre centenas de milhares de guris em busca do sonho de ganhar a vida correndo atrás da bola. "– O guri é bom, pena que não sabe chutar." Diziam alguns.

"– Que nada, tem potencial para ser o novo Tinga." Retrucavam outros.

E assim, entre mais um ciscador e o novo Tinga o guri foi galgando seu espaço em meio aos medalhões colorados. Fernandão, Alex, Nilmar, Guina, e um argentino chegado depois, de nome esquisito, que tornou-se um dos seus melhores amigos. D’Alessandro, que entre outros ensinamentos, deu dicas como aprender a marcar e não ficar brabo nunca (imagino a cena do D’ale dizendo isso). Taison certamente inspirou-se no já ídolo portenho, sonhando o mesmo sonho do outro garoto aquele, também negro, também de família humilde, vencido, ainda que temporariamente, pela maldição do extra-campo. Taison não. O garoto comedor de orelhas venceu a fase do "quase". A fé não move montanhas, desculpem. Paciência não é o elixir capaz de resolver todos os problemas. Taison é hoje o que Roger poderia ter sido, mas não foi. O garoto da zona sul do estado agarrou sua chance. O tempo nem sempre é o melhor dos remédios, tampouco a paciência é a cura para todos os males. Não me agrada este discurso conformista. Frase pronta por frase pronta eu ataco pela ponta direita de Chico Buarque na veia: "Aja duas vezes antes de pensar". Taison, conhecedor de seus problemas, batalha as suas soluções. A sua fé pode servir como combustível, mas ela não move montanhas coisa nenhuma, desculpem, sou cético. A sua fé não chuta da entrada da área, não coloca de "chapa" no canto do goleiro, não dribla três zagueiros antes de guardar a pelota nas redes. O que faz isso é o treinamento.

E assim, enquanto não alcança o patamar de um Romário, o garoto de pelotas segue treinando, indiferente às dificuldades, aprimora o seu ganha pão, percorrendo o campo inteiro, na correria dos loucos, loucos desconfiados do destino, crentes apenas em si mesmos, em sua capacidade, abnegação e perseverança. Taison é hoje o que ele buscou. Deslumbrado por ser, nada mais que o artilheiro do campeonato, com cinco gols nos últimos três jogos. Eu, pseudo-cronista e colorado, só posso lhe agradecer por não ter permitido que seu medo o tenha impedido de tentar, que a rotina de jogar num clube da grandeza do Sport Club Internacional não o tenha acomodado, que ele tenha utilizado seu tempo mais fazendo do que planejando.

Obrigado!

Saudações Coloradas...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O BOM É SER DO CONTRA.

Por Marcelo Benvenutti

Acredito eu que o calor pode ser o culpado de tanta gente estressada nesse começo de 2009. Vejam um caso que conhecemos bem por já ter convivido por aqui. O Muricy. Sempre nervoso, irritado com as perguntas mais banais, Muricy perdeu a noção da boa educação e relacionamento com a imprensa no final de semana. Depois de conquistar o tricampeonato brasileiro, ser cotado 800 vezes para ser técnico da Seleção, 22 jogos invicto, o cara perde as estribeiras e detona tudo e todos numa coletiva?

Pois bem, Fernando Carvalho, o líder que jamais será esquecido, mas não é perfeito, teve seu chilique domingo e logo contra o sempre atencioso e afável Tite. Tite de fala baixa, amigo de todos, um sujeito que ninguém jamais imaginaria iniciando uma discussão. Pois bem, Carvalho se destemperou porque o Inter teve a ousadia de jogar contra o Sapucaiense em casa com DOIS volantes. Alguns anos atrás, se o time entrasse com mais de UM volante seria massacrado pela turma da vaia das sociais. Agora o Tite, logo o Tite, afamado retranqueiro, coloca dois volantes, sendo que eram eles Magrão e Guiñazu, ou seja, não eram Maycon e Rosinei, e o Carvalho enlouquece e critica essa insanidade ofensivista do nosso campeão sulamericano?

Muita calma nessa hora.

Sei. Nem todos nós estamos preparados para lidar com a imprensa ou com a contrariedade o tempo todo. Eu mesmo, ao me relacionar com outros escritores, muitas vezes perdi a noção de bons costumes. Não, não maltratei ninguém como o Muricy. Ou critiquei alguém por fazer aquilo que se espera que um treinador de um grande clube faça numa partida contra uma equipe pequena da Região Metropolitana de Porto Alegre. Não. Mas, digamos, me encasquetei tal qual um D'Alessandro que vira as costas e não responde nada quando não está a fim. Muricy e Carvalho se perderam. E por isso se desculparam.

D'Alessandro jamais se perdeu. Assim como acredito, eu. Se ele não quer dar entrevistas, que não fale. Se não tem nada de interessante para falar, que se cale. É uma decisão sábia. Assim como eu me calo. Não participo dos saraus que me convidam (me convidavam). Não vou a lançamentos de livros ou rococós e bate-papos forçados com escritores e intelectuais de diversos gêneros (talvez agradeçam por isso). No começo tentei ser afável, talvez D'Ale tenha tentado, mas não era a minha. Depois de algum tempo, minha personalidade ultrapassava a falsidade do bom tom e eu deixava transparecer minha opinião, obviamente na maioria das vezes contrária a tudo e a todos que me rodeavam. Para não causar mais desembaraço, sumia. De tanto sumir, sumiram comigo.

Não é o caso de D'Alessandro. Talvez de tanto tentar não falar, a imprensa queira sumir com ele. Por isso se atiram como urubus e hienas famintas numa carniça sangrenta de búfalo quando D'Ale dá uma bobeada. Por isso já o condenam a 120 dias antes de um julgamento como o de ontem. Sim, a fogueira das vaidades arde sobre um emaranhado de cadernos de esportes e jornais populares. Mas D'Ale tem uma vantagem. Ele é craque. Então o craque joga e cala a boca de seus críticos. Seguindo o exemplo do portenho, só falo quando tenho algo a dizer. Como hoje. No resto do tempo, me calo. Falo o necessário. Confesso minhas opiniões e contrariedades aos amigos mais próximos. Resta-me escrever e demonstrar que também sou um craque na minha grama. Como D'Alessandro. Que mostrou a que veio no River Plate. Perdeu-se na Europa como tantos outros. E veio encontrar seu lugar ao sol no Internacional.

Muricy e Fernando Carvalho são grandes em suas áreas. Mas tentam conviver com a diversidade. São líderes. D'Alessandro é um libertário. Como ele mesmo declarou após o jogo contra o Zequinha que adora quando tudo incendeia no gramado. Não esconde sua personalidade. Não que com isso esteja eu dizendo que os outros são falsos. Não. Mas quando eu crescer quero ser D'Alessandro.

Ou talvez eu acredite nas palavras de Rodrigo Cambará reverberando perdidas na minha memória de leituras infantis: "O BOM É SER DO CONTRA".

Ps.: Só espero que o mistão colorado não faça como outros por aí e desande a maionese. Se bem que o nosso adversário de hoje, pelo que falaram na Globo, nem existe. É um tal de Canoas.

Vocês conhecem? Eu não. Só conheço o Sport Club Ulbra.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

DEIXA O MENINO JOGAR

Por Gustavo Foster


Não gosto de me antecipar, de afirmar antes de confirmado, mas é flagrante: Taison tem futuro.

Futebol é um dos esportes mais complexos existentes - esquemas táticos, dribles mirabolantes, alas fixos, pontos de equilíbrio -, mas pode ser resumido em um só simples fator: o jeito de tocar na bola. Taison domina, leva, passa, chuta a bola de tal maneira que é perceptível sua intimidade com a pelota. Esse é o diferencial.

Reitero: é cedo. O atacante - ou seria meia? Aí mais uma pista de quanto chão há de se percorrer - pouco jogou com o time profissional, sempre foi deixado no banco de reservas, pra "pegar o espírito". Entra de vez em quando, guri, mostra lá teu futebol. É o jeito certo de tratar os que sobem das categorias de base, dizem. Concordo. Mas agora é a hora.

Gauchão, aquele início de ano sempre igual: empate - crise! -, goleadas, janelas de transferência, times mais fracos, técnico testando todo mundo do elenco. É aí que entra o guri com nome de lutador de boxe gringo (e escrito errado, ainda, que é pra dar uma chinfra), num jogo como qualquer outro e simplesemente resolve a parada. Dois gols, demonstrações daquelas clássicas de um começo promissor. Tipo filme: se começa assim, o final não tem como ser diferente. Mais um jogo, mais um gol, e dos bonitos.

Prezo pela racionalidade, mas não há como negar que o lado passional pesa também na conta de Taison como promessa. É difícil não preferir as comemorações do pelotense, se comparadas a de jogadores que, seja defendendo Time A ou Time B, jogam com corpo no Brasil e mente na Europa (né, Nilmar?). Não acho que "amor à camisa" seja essencial, nunca pedi isso de ninguém. Os torcedores colorados precisam estar nas arquibancadas, não necessariamente em campo. Mas é no mínimo afudê tu ver um cara comemorando um gol da maneira que tu comemoraria. Daquele jeito que tu sonhava, quando tinha 14 anos. Quase dá pra ver o Taison em pé, na Inferior, xingando o Michel. "Ô Abel, bota eu no lugar desse cara."

Desde o ano passado já dava pra perceber que ali estava alguém que tinha a manha. Imagine-se subindo das categorias de base para os profissionais. Saindo dum grupo de jovens e adentrando o mundo dos profissionais, e de um time com muitas estrelas. O mais fácil seria procurar algum ex-colega de juvenil, ou alguém de alguma cidade perto da tua, ou alguém que tu já tivesse conversado antes, andando pelo Beira-Rio, certo? Errado. Taison se amigou logo com Andres D'Alessandro, a estrela. Diga-me com quem andas que te direi quem és. Ou serás.

A base já tá construída, isso pode ser dito. Bastante tempo nas categorias anteriores, algum tempo na reserva, minutos em jogos pouco importantes, partidas resolvidas sozinho, gols importantes saindo do banco de reservas. Agora é lembrar daquela fase em que tu ouvia Natiruts: "Deixa o menino jogar". Ô iá-iá.

Aliás, sobre isso, eu já dou minha opinião: pra mim ele é segundo atacante. Aquilo que querem fazer o Alex ser. Se ainda colocassem número nos jogadores pela posição: camisa 7. Daqueles dribladores, rápidos, que entram área a dentro tabelando com o centroavante.

Esse é o ano de Taison. Lá pelo meio da temporada, espero ver o projeto de craque - e ídolo, escrevam - com a camisa titular do Internacional, ao lado de Nilmares, Alexes (?), Alecsandros, Guiñazus. E D'Alessandros, como não?

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O COLORADO CHATO

Por Daniel Ricci Araújo


Assim como para Euclides da Cunha o sertanejo é antes de tudo um forte, há alguns colorados que são antes de tudo uns chatos, e ponto. Uns sacrossantos, gloriosos e empolgantes chatos, é verdade, mas ainda assim chatos. De galocha.

O Inter estraçalha a Sapucaiense e os quatro gols estão para esse nosso personagem como o prenúncio da tragédia. Quatro gols, contra a Sapucaiense? É o fim. A alegria descompromissada surgida da vitória menor é, para ele, quase um desrespeito à sua magnífica e soturna visão de conjunto da obra. O seu mister de todas as horas é a projeção das dificuldades, e isso é verdade: o colorado chato vive no futuro, vive arquitetando. Sua existência reside em pensar no que ainda não ocorreu. O colorado chato, esse imprescindível pessimista, nada mais é do que um mártir da precaução. Num dezembro qualquer destes é ele quem sai do Estádio de Yokohama e diz, entre lágrimas: “ótimo, mas esse Pato ainda não dá ”. O colorado chato não erra nunca porque só opina sobre o imponderável.

Atormentado pela sua nebulosa projeção de futuro, anteontem o homem em questão não hesitou: distribuiu trovoadas de desânimo às massas, e esteve assim a segunda-feira toda, incessante em sua pedagogia do caos. Após o último gol de Nilmar, o colorado chato quase não suporta a acanhada festa que fazia o estádio em sua volta. Ressabiado, ele ali já esperneava e debitava à vitória fácil o gérmen da irresponsabilidade popular que, se não domada, seguramente nos levará à segunda divisão ou coisa pior. Semana que vem, no Gre-Nal, vamos com Magrão de primeiro homem? Quatro gols, sem volante? Quatro gols, faceirinho? É o fim. É a morte. Uma goleada como essa no Gauchão enjoa-lhe o estômago, e o homem sente então uma azia secular.

Quando confrontado com um torcedor comum, o colorado chato é mais chato do que nunca. Nesse momento, premido pela análise própria e que imagina mais obrigatória do que a mordida anual do Imposto de Renda, o colorado chato e sua razão avançam com uma fúria assassina e incendiária rumo ao alvo eufórico, como o cálice de Nero nas mãos do tirano. O colorado chato, não nos enganemos, é antes de tudo dono de um imenso ego. Tal fanatismo pelo método é a amostra definitiva do seu mais profundo orgulho íntimo. Mesmo que os outros não desconheçam a necessidade de criticar de vez em quando, o colorado chato tem para si a propriedade do ceticismo como se ele fosse uma concessão estatal feita a sua pessoa. Falem bem, pois o direito de esculachar é meu e ninguém tasca.

Nesta semana, o colorado chato viverá o seu calvário particular e só uma coisa o fará mudar de humor: um tropeço contra a Ulbra, quinta-feira. Aí, sim. Com a viga-mestra de uma derrota ou empate a sustentar-lhe as projeções, o nosso homem estará feliz e maquiavelicamente satisfeito. E verá, no revés improvável, um alerta que justificará a sua inteligência superior em detrimento da criminosa empolgação da massa. Ah, meus caros, como o percalço fará o colorado chato feliz!

Mas isso, só até o Gre-Nal. Aí, o nosso personagem voltará, durante noventa minutos, a estar no meio de todos nós como um irrepreensível e secular jatobá. Só mesmo algo como um clássico pode fazer o colorado chato estar entre os irmãos de fé, no cimento duro da arquibancada. Aí, ele celebrará gols, xingará o juiz e gritará o nome de todos os jogadores, sejam eles quais forem. E a vitória dar-lhe-á um ar nostálgico, feliz, como se não precisasse voltar a pensar em maneiras de sabotar sua própria felicidade por pelo menos uma meia hora. Mas essa sensação não há de surtir maior efeito, pelo menos não no cerebelo do colorado chato.

Após o jogo dirá ele, com sua adorável empáfia, na volta para casa: “ganhamos outra, mas Marcão não dá mais”.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O PAÍS DO ANTIFUTEBOL.

Por Andreas Müller


Seja bem-vindo ao Brasil, o país do antifutebol.
Aqui os árbitros são gênios criativos. São protagonistas do espetáculo: apitam tudo, decidem os jogos e atraem a maioria dos olhares. Pois já não há, no Brasil, ninguém interessado em ver o simples, módico futebol. Não: o que deslumbra, o que realmente fascina o brasileiro desta década é o apito intermitente dos juízes. É esse tremular fúnebre, fatal, das bandeirinhas que os auxiliares erguem à beira do gramado toda vez que um zagueiro ousa dar com os ombros no atacante adversário.

Gols? Só acontecem com autorização dos árbitros. Autorização expressa, assinada e lavrada em cartório. Pois são eles, os árbitros, que determinam a maioria dos lances capazes de estufar as redes no país do antifutebol – isto é, os lances de bola-parada. Pênalti, escanteio, falta frontal, na risca da área, não importa. No Brasil de Edilsons, Zveiters e Márcios Rezendes, a bola anda a maior parte do tempo na marca da cal ou no círculo de spray borrifado no chão. Os gols são um capricho. São concessões poéticas dos ases do apito aos jogadores de futebol – estes coadjuvantes, quase dispensáveis jogadores de futebol.

Não! Não adianta reclamar, amigo. Caiu, é falta, amém. Cartão amarelo pra você. Ah, quer dizer que não foi falta? Azar o seu, cartão amarelo mesmo assim. Por simulação. Ou por reclamação. Ou por qualquer um dos motivos absurdos que cintilam no cérebro dos senhores árbitros. O que importa é dar brilho ao espetáculo do apito. Ninguém liga para o fato de que as partidas são interrompidas a cada 20 segundos. Que há cada vez menos jogo jogado. Que cada disputa de bola é um tombo e cada tombo, uma falta. Quem reclama é neurótico. Quem se revolta, então, é mau perdedor. Cartão vermelho pra você, chorão.

Assim tem sido no Brasil.
Já não há disputa aguerrida nem jogo de corpo que reste impune. Aqui, no país do antifutebol, os jogadores são forjados para entrar em pelejas afrescalhadas e fazer bom uso do não-me-toque institucionalizado. Daí que raramente dão sangue e suor pela bola. Na maioria das vezes, atiram-se no chão e urram com falsas lesões. Pois é mais fácil cavar uma falta na risca da grande área do que suportar a marcação adversária. O juiz brasileiro, que tudo vê e tudo apita, está sempre pronto para mostrar quem é que manda. É mais prudente não contrariá-lo. Senão, é capaz de ele marcar – veja só – falta de ataque. Falta de ataque! Nada pode ser mais surreal do que uma falta de ataque. Nada.

Enquanto isso, vai morrendo o futebol brasileiro. Morre o drible desconcertante, morre a tabela rápida, o lançamento em profundidade e o contra-ataque fulminante. Pois não há drible, tabela, lançamento ou contra-ataque que sobreviva num país em que o cai-cai é lei. Os puristas ingênuos exultam: “estamos evoluindo!”. Acreditam que o rigor da arbitragem abre espaço para o verdadeiro futebol-arte aflorar nos gramados. Até querem proibir o carrinho! Pois eu digo: são todos uns débeis mentais. Todos!

A realidade nua e crua é que o futebol brasileiro sempre perde o brilho quando os árbitros interferem nas partidas. Pense: qual terá sido o último representante legítimo do futebol-arte no Brasil? Terá sido o Internacional dos anos 70? O Flamengo dos anos 80? Pelé e Garrincha na Copa do Chile? Falcão e Zico na maldita Seleção de 1982? Muitas são as opiniões e saudosismos. O certo é que o futebol-arte brasileiro já não existe mais. Ficou perdido numa época distante; uma época em que os árbitros tinham a função de apitar as partidas em vez de decidi-las.