terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O COLORADO CHATO

Por Daniel Ricci Araújo


Assim como para Euclides da Cunha o sertanejo é antes de tudo um forte, há alguns colorados que são antes de tudo uns chatos, e ponto. Uns sacrossantos, gloriosos e empolgantes chatos, é verdade, mas ainda assim chatos. De galocha.

O Inter estraçalha a Sapucaiense e os quatro gols estão para esse nosso personagem como o prenúncio da tragédia. Quatro gols, contra a Sapucaiense? É o fim. A alegria descompromissada surgida da vitória menor é, para ele, quase um desrespeito à sua magnífica e soturna visão de conjunto da obra. O seu mister de todas as horas é a projeção das dificuldades, e isso é verdade: o colorado chato vive no futuro, vive arquitetando. Sua existência reside em pensar no que ainda não ocorreu. O colorado chato, esse imprescindível pessimista, nada mais é do que um mártir da precaução. Num dezembro qualquer destes é ele quem sai do Estádio de Yokohama e diz, entre lágrimas: “ótimo, mas esse Pato ainda não dá ”. O colorado chato não erra nunca porque só opina sobre o imponderável.

Atormentado pela sua nebulosa projeção de futuro, anteontem o homem em questão não hesitou: distribuiu trovoadas de desânimo às massas, e esteve assim a segunda-feira toda, incessante em sua pedagogia do caos. Após o último gol de Nilmar, o colorado chato quase não suporta a acanhada festa que fazia o estádio em sua volta. Ressabiado, ele ali já esperneava e debitava à vitória fácil o gérmen da irresponsabilidade popular que, se não domada, seguramente nos levará à segunda divisão ou coisa pior. Semana que vem, no Gre-Nal, vamos com Magrão de primeiro homem? Quatro gols, sem volante? Quatro gols, faceirinho? É o fim. É a morte. Uma goleada como essa no Gauchão enjoa-lhe o estômago, e o homem sente então uma azia secular.

Quando confrontado com um torcedor comum, o colorado chato é mais chato do que nunca. Nesse momento, premido pela análise própria e que imagina mais obrigatória do que a mordida anual do Imposto de Renda, o colorado chato e sua razão avançam com uma fúria assassina e incendiária rumo ao alvo eufórico, como o cálice de Nero nas mãos do tirano. O colorado chato, não nos enganemos, é antes de tudo dono de um imenso ego. Tal fanatismo pelo método é a amostra definitiva do seu mais profundo orgulho íntimo. Mesmo que os outros não desconheçam a necessidade de criticar de vez em quando, o colorado chato tem para si a propriedade do ceticismo como se ele fosse uma concessão estatal feita a sua pessoa. Falem bem, pois o direito de esculachar é meu e ninguém tasca.

Nesta semana, o colorado chato viverá o seu calvário particular e só uma coisa o fará mudar de humor: um tropeço contra a Ulbra, quinta-feira. Aí, sim. Com a viga-mestra de uma derrota ou empate a sustentar-lhe as projeções, o nosso homem estará feliz e maquiavelicamente satisfeito. E verá, no revés improvável, um alerta que justificará a sua inteligência superior em detrimento da criminosa empolgação da massa. Ah, meus caros, como o percalço fará o colorado chato feliz!

Mas isso, só até o Gre-Nal. Aí, o nosso personagem voltará, durante noventa minutos, a estar no meio de todos nós como um irrepreensível e secular jatobá. Só mesmo algo como um clássico pode fazer o colorado chato estar entre os irmãos de fé, no cimento duro da arquibancada. Aí, ele celebrará gols, xingará o juiz e gritará o nome de todos os jogadores, sejam eles quais forem. E a vitória dar-lhe-á um ar nostálgico, feliz, como se não precisasse voltar a pensar em maneiras de sabotar sua própria felicidade por pelo menos uma meia hora. Mas essa sensação não há de surtir maior efeito, pelo menos não no cerebelo do colorado chato.

Após o jogo dirá ele, com sua adorável empáfia, na volta para casa: “ganhamos outra, mas Marcão não dá mais”.

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