segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O PAÍS DO ANTIFUTEBOL.

Por Andreas Müller


Seja bem-vindo ao Brasil, o país do antifutebol.
Aqui os árbitros são gênios criativos. São protagonistas do espetáculo: apitam tudo, decidem os jogos e atraem a maioria dos olhares. Pois já não há, no Brasil, ninguém interessado em ver o simples, módico futebol. Não: o que deslumbra, o que realmente fascina o brasileiro desta década é o apito intermitente dos juízes. É esse tremular fúnebre, fatal, das bandeirinhas que os auxiliares erguem à beira do gramado toda vez que um zagueiro ousa dar com os ombros no atacante adversário.

Gols? Só acontecem com autorização dos árbitros. Autorização expressa, assinada e lavrada em cartório. Pois são eles, os árbitros, que determinam a maioria dos lances capazes de estufar as redes no país do antifutebol – isto é, os lances de bola-parada. Pênalti, escanteio, falta frontal, na risca da área, não importa. No Brasil de Edilsons, Zveiters e Márcios Rezendes, a bola anda a maior parte do tempo na marca da cal ou no círculo de spray borrifado no chão. Os gols são um capricho. São concessões poéticas dos ases do apito aos jogadores de futebol – estes coadjuvantes, quase dispensáveis jogadores de futebol.

Não! Não adianta reclamar, amigo. Caiu, é falta, amém. Cartão amarelo pra você. Ah, quer dizer que não foi falta? Azar o seu, cartão amarelo mesmo assim. Por simulação. Ou por reclamação. Ou por qualquer um dos motivos absurdos que cintilam no cérebro dos senhores árbitros. O que importa é dar brilho ao espetáculo do apito. Ninguém liga para o fato de que as partidas são interrompidas a cada 20 segundos. Que há cada vez menos jogo jogado. Que cada disputa de bola é um tombo e cada tombo, uma falta. Quem reclama é neurótico. Quem se revolta, então, é mau perdedor. Cartão vermelho pra você, chorão.

Assim tem sido no Brasil.
Já não há disputa aguerrida nem jogo de corpo que reste impune. Aqui, no país do antifutebol, os jogadores são forjados para entrar em pelejas afrescalhadas e fazer bom uso do não-me-toque institucionalizado. Daí que raramente dão sangue e suor pela bola. Na maioria das vezes, atiram-se no chão e urram com falsas lesões. Pois é mais fácil cavar uma falta na risca da grande área do que suportar a marcação adversária. O juiz brasileiro, que tudo vê e tudo apita, está sempre pronto para mostrar quem é que manda. É mais prudente não contrariá-lo. Senão, é capaz de ele marcar – veja só – falta de ataque. Falta de ataque! Nada pode ser mais surreal do que uma falta de ataque. Nada.

Enquanto isso, vai morrendo o futebol brasileiro. Morre o drible desconcertante, morre a tabela rápida, o lançamento em profundidade e o contra-ataque fulminante. Pois não há drible, tabela, lançamento ou contra-ataque que sobreviva num país em que o cai-cai é lei. Os puristas ingênuos exultam: “estamos evoluindo!”. Acreditam que o rigor da arbitragem abre espaço para o verdadeiro futebol-arte aflorar nos gramados. Até querem proibir o carrinho! Pois eu digo: são todos uns débeis mentais. Todos!

A realidade nua e crua é que o futebol brasileiro sempre perde o brilho quando os árbitros interferem nas partidas. Pense: qual terá sido o último representante legítimo do futebol-arte no Brasil? Terá sido o Internacional dos anos 70? O Flamengo dos anos 80? Pelé e Garrincha na Copa do Chile? Falcão e Zico na maldita Seleção de 1982? Muitas são as opiniões e saudosismos. O certo é que o futebol-arte brasileiro já não existe mais. Ficou perdido numa época distante; uma época em que os árbitros tinham a função de apitar as partidas em vez de decidi-las.

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