terça-feira, 10 de março de 2009

HABEMUS CENTROAVANTE.

Por Daniel Ricci Araújo


Qual a diferença entra a equipe que sofreu tremendamente para eliminar o União Rondonópolis e a do último sábado, responsável por um atropelamento brutal ao bom time do Veranópolis? Claro, uma diferença só não há – como diria o filósofo, tudo é uma série de coisas. Mas se pudéssemos falar de uma única mudança, qual seria? Para mim, é fácil.

No sábado, o Inter jogou com centroavante, e aí está a verdade e mais um pouco. Sim, meus nobres leitores, aqui lhes fala um “centroavantista” de carteirinha. E agora sim, habemus centroavante! No sábado, o melhor elenco do Brasil foi, pela primeira vez, um time de futebol completo. Pela primeira vez, um cruzamento encontrou um camisa nove pronto para cabecear a bola rede adentro. Pela primeira vez, um atacante colorado deu as costas para o marcador, girou e chutou a gol com mínima força e possibilidade de marcar. Pela primeira vez, o zagueiro teve de preocupar-se com um matador que não saía quase nunca de dentro de sua própria casa, como diria Figueroa. E não querendo ser repetitivo mas já o sendo, só assim, pela primeira vez, o Inter jogou um futebol à altura do que esse maravilhoso elenco pode nos proporcionar.

Sim, é claro, nos entendamos: Taison e Nilmar são muito bons jogadores, nada contra. Avaliados por si só, qualquer um dos dois têm voz e vez em praticamente todos os times do Brasil e da América Latina. Mas juntos, e ainda mais se somarmos a eles D'Alessandro, o que temos é uma reunião de compleições de jogador de pife, magrinhos, habilidosos mas sem força física. Assim sobra velocidade mas falta torque, e o equilíbrio “titeano” esvai-se pelos ares. Alecsandro e Walter trazem ao time justamente o inverso disso, e a escalação de um deles ao lado de um velocista parece ser a medida mais correta a ser tomada.

Além do mais é um direito canônico, quase sagrado do futebol que o time com centroavante faça gols abençoados de uma pura casualidade. E claro, aqui façamos uma observação necessária: o gol de rebotalho! Ah, feliz é o torcedor que já gritou um gol de rebotalho. Existe algo de muito futebolístico nos entreveros de uma área lotada, aquele bate e rebate empolgante, a bola vai e volta, sobe e desce, ricocheteia na canela, desvia no umbigo, bate no joelho, no nariz, na sobrancelha ou na unha do pé e morre no fundo do gol. Com dois jogadores velozes que só entram a dribles na área, todo gol ou é uma pequena obra de arte, ou não é nada. E aí se acomete o espetáculo de uma pobreza lírica e indisfarçável. É o tédio da virtude, como diria Nelson Rodrigues.

Lembrem do gol do título da Sul-Americana, aqueles segundos fenomenais de bate-rebate, lágrimas e prenúncios de desmaios pelo Rio Grande afora. E no último sábado, recordemos o seguinte lance: vem um cruzamento da esquerda e Alecsandro, mortalmente postado entre a marca da cal e o risca da grande área, prepara o bote. A bola ziguezagueia, ricocheteia, vai e vem – Alecsandro sobe o mais alto possível, e nada. A bola passa. Então, traído pelo próprio reflexo, o defensor do Veranópolis mete os pés pelas mãos, ou melhor, mete mesmo é o pé na bola para tirá-la dali. O que faz a danada em resposta? Ora, em um mísero instante comete uma obra-prima, não menos do que isso.


Vai a bola, rasteira e devagar, anda um ou dois metros, no máximo. Oferece-se para um toquezinho maroto no pé do adversário e, então, envenenada, rola com uma fluidez queridinha e assassina rumo ao seu grande mérito dramático, o gol contra do desafortunado zagueiro. No meio do caminho, entretanto, muda de idéia: resvala num tacho de grama e agora decide sair mansa pela linha de fundo. Alívio para o defensor, que no afã de salvar a própria zaga quase é vítima do insubstituível lance de rebotalho. A emoção súbita do lance, meus caros, é intrínseca. O abafa, o ai-meu-Deus, o tira-daí-duma-vez, como viver sem essa verdadeira instituição do futebol? Para mim, impossível. E tudo isso começou por uma cabeçada furada de Alecsandro. É a beleza desajeitada do gol de rebotalho a enfeitar o futebol.

E é por essas e por outras que quero saudar os centroavantes colorados e esperar que Tite dê a eles muito mais chances. De vez em quando, eu gosto de um bico pra dentro da área, um chuta-pra-cima-que-dá, uma vez que outra admiro mais o lance torto e feio resultante em gol do que a bicicleta certeira no ângulo. E com um nove de origem plantado na área, o rebotalho está sempre à espreita para atacar com seu veneno. E é muito bom que seja assim.

Nada contra os gols de placa, mas convenhamos: uma bucha daquelas bem suadas tem o seu valor.

E como!

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