terça-feira, 24 de março de 2009

VINTE E DOIS REAIS POR MÊS

Por Daniel Ricci Araújo

Esta crônica é para quem não faz. É para os inertes, os parados, os descuidados de toda ordem.

Essas porcas e mal traçadas linhas são para você, meu caro colorado não sócio. Para você que não dá ao Inter a quantia módica e singela de vinte e dois reais por mês. Sim, meu caro, que coisa triste: o Inter abarrota as suas coronárias de alegrias mil, mas você, meu caro econômico de mão torta, você acha que o Clube do Povo não vale no mínimo vinte e dois reais por mês. Meu senhor, minha senhora, convenhamos: o seu caso é de análise. Quando você vai curar essa enfermidade lamentável do pão-durismo clubístico? Bom, se depender da minha ajuda, hoje mesmo. Ah, não? Então ora, vejamos só.

Com vinte e dois reais, você vai ao cinema com o amor da sua vida, e falta dinheiro. Você chega ao cinema, compra dois ingressos, um balde de refrigerante, um pacote de gordura saturada em forma de pipoca e vai para dentro da sala, feliz e realizado. Junto com o preço do estacionamento, você já jogou quase duas mensalidades do Inter fora, ou seja: comparando esse gasto com o que o Inter retorna em alegrias, esse precisa ser, no mínimo, o melhor filme que você assistiu na vida. Mas não é. Na verdade, é uma droga. Ou você vê uma comédia na qual se dá uma risadinha caricata a cada quarenta minutos, ou um mamão com açúcar insuportavelmente prolixo – daqueles que só os especialistas veem algum sentido artístico, e ainda assim muito questionável. Veja a tragédia, meu caro: você gastou quase quarenta reais e não obteve um por cento do contentamento trazido pelo Inter à sua vida. A desproporção é evidente.

Mas continuemos. Agora é a vez de sair para jantar. De novo, você e o par perfeito. A churrascaria está lotada, muito bem. Vem o primeiro pedaço de costela com espuma grudada no osso: pimba, a carne é de ontem. O garçom ouve a reclamação e solta um protocolar e quase desaforado "o senhor quer visitar nossa cozinha?". Surge-lhe aquela indignação inútil de quem sabe estar falando com as paredes. A picanha está com a ponta queimada, a salada de maionese não tem cenoura nem ovo, a Coca-Cola está um pouco morna, mas todo o resto está ótimo. Você gastou cinquenta reais, por aí, e, desiludido, saiu do restaurante cogitando a titularidade de Alecsandro. Você pensou no Inter, mas não pôs as mãos no bolso para ajudá-lo. Valeu a pena? Eu acho que não.

Para completar a travessia, agora é a hora de pagar a conta do bar na Cidade Baixa. Você e seus amigos tomaram uma quantidade, digamos, entre algumas e todas e, claro, a discussão principal é o futebol. Você riu com alguns amigos e zoou outros. Ah, sim: agora você se comporta como um torcedor vitorioso, ou seja, um fanático colorado. Você dá risada, e nosso time é isso, e nosso time é aquilo, e que imortal é esse que só morre, e esse ano é tudo nosso, e por aí vai. Agora, meu adorável colorado, você chega às raias do cinismo involuntário: nosso time só contrata craques! Mas como assim, cara-pálida? Nós pagamos a folha e você é quem conta vantagem no bar? Onde está seu pingo de suor, sua cota de sacrifício? Que coisa: você gastou vinte e cinco reais, deu uma risada atrás da outra mas ajudar o Inter que é bom, necas. E a consciência, como vai? Assim não pode ser, meu caro.

Aí você me responde a frase categórica e estúpida: o Inter não paga as minhas contas. Ora, o seu filho paga as suas contas? O seu sogro paga as suas contas? Não, de regra não pagam. Mas você não gosta deles menos por causa disso (nem do sogro), e mesmo assim, claro, nunca deixaria de acudir seu amado parente caso ele precisasse. Assim, sejamos claros: o que lhe falta não é afeto. Não. O que você precisa é de consciência de classe. De ver que sua parte, no Inter, é imprescindível. O sujeito pode até não ajudar, pode não pegar junto, mas nesse caso será cobrado, mais cedo ou mais tarde, pela pessoa mais chata de todas: ele mesmo. E essa dívida, meu caro, é tão inevitável como o gol do Gabiru. Estará sempre lá, escondida em algum canto da caixola, para você lembrar dela e dizer em voz baixa e lamentavelmente "ah, outra hora vejo isso".

O que um cinema, um restaurante e um punhado de cervejas têm em comum? São coisas divertidas mas que não fazem parte de você. Quer um investimento duradouro? Ajude o Inter. Nada melhor do que sair do Beira-Rio sabendo que, mais do que nunca, você tem parte naquilo. E esse sentimento é barato, não precisa arcar com consumação nem dez por cento de serviço de mesa. É como se você pagasse por uma perninha, um fio de cabelo, por uma unha da sua própria paz de espírito. Trata-se, sem dúvida, do melhor investimento do mundo. E sabe qual o preço simbólico disso? No meio de tantas besteiras a poluir a fatura do seu cartão de crédito, pedimos por uma mixaria que você tem a coragem de não pagar. Míseros e malditos vinte e dois reais por mês.

Pois então, lembra da primeira frase dessa crônica? Espero sinceramente que, daqui em diante, ela já não sirva mais para você.

Nenhum comentário: