sexta-feira, 17 de abril de 2009

ROTINA.

Por Marcelo Benvenutti


Dias de semana costumo deixar um cedê tocando sem tirar enquanto carrego meu parco 1.0 pelas ruas de Porto Alegre, Menino Deus, Goethe, Zona Norte. Quase sempre o mesmo trajeto. As mesmas sinaleiras, Os mesmos buracos. Os mesmos mendigos nas esquinas de sempre. A rotina tomando conta do meu tédio urbano. Quebro a rotina viajando no som que é o que me resta. Essa semana tasquei uma coletânea MP3 da vida do Velevt Undergound e Lou Reed. Só as clássicas. Quem não conhece VU ou Lou Reed, a princípio, acha repetitivo e insosso. Depois de um tempo sentindo o som e perdendo-se na sordidez sombria das músicas de Lou Reed, descobre-se que ali vive um gênio de uma jogada única. Única, mas fatal. Assim também acontece com o AC/DC. Ou os Ramones. Mesmos acordes. Mesma rotina. Mesmos caminhos. Mas sempre cru. Direto. Mortal. Lou Reed, se jogasse futebol, seria ponta. Seria louco. É louco. Seria 7. Sempre 7.

A história da camisa 7 no Internacional tem seus mais impressionantes astros. Carlitos, o homem dos grenais. Maior goleador da história colorada. O homem do gol do plano inclinado. Um goleador simples. Seco. Direto. Quinze temporadas de glórias e títulos. Depois, ou quase simultaneamente, se inicia a de outro gênio. Tesourinha. Que também vestiu a 7. Tesourinha, o homem que faltava na Copa de 1950. Garrincha de seu tempo. Mirrado. Pequeno. Um ponta que movimenta o imaginário de Porto Alegre até os dias de hoje. O Lupicínio Rodrigues do futebol gaúcho. Gênio admirado até mesmo fora do país em uma época que somente o vento minuano e Getúlio Vargas entravam ou saiam do Rio Grande do Sul.

Nos malfadados anos 1960, anos de obras, de sonhos postergados, Sapiranga reluziu com a 7 no único título que conquistamos em longas e insalubres 13 temporadas. Sapiranga continuava a saga da 7 em seu caminho centenário. Na era Beira-Rio, um homem só, solitário, entrava em campo abaixo de vaias. Xingado pela torcida e pela crítica. Espoliado. Somente encontrava sossego no lar ao lado da mulher. Treinava mais que os outros. Se exercitava mais que todos. Este homem, de jogada pontiaguda, quase rotineira, mas mortal, tão mortal quanto a jogada de um camisa 7 deve ser, sempre atirava-se para a frente e cruzava certeiro na cabeça do centroavante ou chutava direto, uma pancada certeira. Este homem chama-se Valdomiro Vaz Franco e seu nome se confunde com o próprio nome do Sport Club Internacional.

A saga ressurgiu das cinzas em 1996, quando um ponta esquecido em uma época em que os pontas já estavam em extinção, entrou em um jogo contra o Flamengo, no Maracanã, fez dois gols e simplesmente abismou o país. O que depois seria o ensandecido camisa 7 do título tão festejado do Gauchão de 1997 e de um dos melhores times que o Inter montou antes dos anos 2000. Fabiano não só reviveu a legendária camisa 7 como trouxe de volta a jogada única, as pernas tortas, gambetão, enviesado. As entrevistas de fala rápida e confusa. A noite. O peso excessivo. Enfim, um ícone transgredindo o mundo pós queda do Muro de Berlim enjoado e chato de tanta gente politicamente correta. Um acorde só de Lou Reed atravessando os tempos e fazendo jogadas impensáveis de tão simples e fantásticas.

E seguindo a rotina de uma Sister Ray quase no final dos anos zero do século 21, apresenta-se um guri chamado Taison. No princípio, vaiado pela torcida. Correria doida pelos lados e incompetência nas conclusões. Taison segurou as críticas e treinou. Com a benção de Fernando Carvalho e a amizade de D'Alessandro, Taison cresceu. Taison transformou seu acorde único em um acorde fatal. Os adversários até sabem o que ele vai fazer. Mas é quase impossível controlá-lo. Ele toca a bola na frente e corre. Corre. Run run run run run, Taison, é contigo. A parede repetitiva repercutindo pelo Beira-Rio. Taison é o fato que faltava para dar continuidade a lendária camisa 7 do Internacional.

Domingo. Quatro da tarde. Quando adentrar o gramado com esta camisa, Taison, repetirá seus acordes mortais de Angous Young vermelho. Dará entrevistas rápidas e confusas. Dedicará seus gols à mãe. Pedirá que a trilha sonora dos melhores lances seja um rap desconhecido. Será incompreendido. E, talvez também por isso, terá seu nome impresso na história não escrita da camisa 7 colorada. História de heróis. Loucos. Geniais. Colorados.

Minha rotina voltará a ser a mesma na segunda-feira. Espero eu que mais pesada por ter que carregar mais uma faixa de campeão no peito. Talvez daí toque no som do carro uma música em lembrança aos adversários colorados.

Highway to Hell.

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