terça-feira, 26 de maio de 2009

A JUSTIÇA DE ANDREZINHO.

Por Daniel Ricci Araújo

Enquanto Andrezinho corria, D’Alessandro estava pronto para entrar.

Era um dos doze mil Gre-Nais que o Inter venceu esse ano. O ilustre argentino voltava de uma complicada lesão (aqui, aspas: no craque, não há lesões simples - até uma unha encravada merece um boletim e um staff médicos de erradicar epidemias). Mas como eu dizia, então, do nada, Tite manda El Cabezón aquecer, e a massa estrepita como só ela sabe estrepitar, sonora, trepidante, emitindo aquele som fanático de excitação que deve dar, ao jogador de futebol, a certeza de ter escolhido a profissão certa.

E então seguimos. D’Alessandro entra em campo e, desferindo um passe de sinuca, decide o jogo. Todos estão felizes e recompensados. O grande e providencial jogador havia escancarado sua marca, sua grife de diferenciado mais uma vez, com um tapa milimétrico, destruidor de defesas, quase cínico de tão despudorado. Levantadinha com a cavada do pé. Craque, D’Alessandro: que jogador! Todos estão felizes e recompensados. Menos um.

Menos Andrezinho.

Voltemos ao lance. Andrezinho, um dos melhores décimo-segundo jogadores da era recente do Inter, está sendo substituído, e seu semblante é cabisbaixo, é taciturno – o meia acusa a prostração corporal de um beduíno à procura de água no deserto. O rosto está claro, evidente, como se soubesse por "a" mais "b" estar dando seu lugar a um jogador de categoria superior. Andrezinho, o cumpridor e abnegado Andrezinho, o mais titular dos reservas, sai de campo esquecido e afundado na sombra de D'Alessandro, do qual a torcida espera a obra circense e maravilhosa que supostamente Andrezinho não pode ofertar. Crueldade: o bom jogador está tão desprotegido perante o craque quando a madame está diante do assaltante na sinaleira.

Mas o futebol, tantas vezes injusto, resolve reparar seu erro.

Quarenta e três passados do segundo tempo. Inter e Flamengo engalfinhavam-se no Beira-Rio por uma vaga na semifinal da Copa do Brasil. Andrezinho entrara em campo como uma tentativa desesperadora de reverter a tragédia iminente. Falta. A bola está parada à frente da área carioca como um prédio encontra-se em chamas e ocupado: há uma clara necessidade no ar da ocorrência de algum acontecimento salvador. Andrezinho, o cumpridor, o sério jogador de grupo pressente um instante de craqueza própria, pessoal e intransferível, como diria o mestre Nelson Rodrigues. E o que faz? Pede para bater. D'Alessandro, um iluminado não só na hora de jogar mas também na de reconhecer os melindres da psicologia humana, mentaliza o gol de Andrezinho e, sublimemente, abdica da cobrança. É uma santa omissão, a do castelhano. E então Andrezinho prepara-se.

E bate.

Andrezinho mais que chuta – impulsiona a bola. Ela sai rápida, decidida, não exatamente com precisão milimétrica se alguém exige não menos que o ângulo da goleira. Ora, não é preciso tanto. A bola passa da barreira e cai. E cai. E cai. Bruno dá um passo em falso – inútil. A bola agita o fundo da rede como se fizesse um estrondo numa onda do mar, entra com força no gol, exigindo a classificação. É gol. O jogo acaba. O Gigante urra como se descobrisse o Santo Graal.

De dez, ele acerta oito, diz Fernando Carvalho. Nosso personagem está radiante. É a vitória improvável da força de vontade ante o puro talento – o imprescindível D'Alessandro o carrega nos braços, o Beira-Rio grita o nome do jogador esforçado, e este jogador esforçado, nesta noite singular, é o craque vital, é a base da vitória, é a primeira e mais alta foto da capa do jornal. Andrezinho marca o gol e protagoniza, por uma noite, o triunfo moral do jogador mediano.

O ótimo jogador de grupo, merecidamente, está alçado à categoria de estrela maior. O futebol se corrige e recompensa o metodismo, que a essas alturas transparece algo de mais poético do que o maior dos lances de um gênio em qualquer Maracanã lotado. Pronto. Na obscura substituição do Gre-Nal, Andrezinho não se dera por vencido. Nunca, depois disso, um coadjuvante tornara-se tão protagonista. O Inter vai à semifinal.

E está feita a justiça de Andrezinho.

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