quinta-feira, 4 de junho de 2009

DESCASQUEM AS BATATAS.

Por Marcelo Benvenutti

Dizem que homem não chora. Diziam antigamente. O sofrimento da dor, certa vez me disseram, é relativo. Dei um chute nas canelas do frasista e ele respondeu que não era bem assim. Não foi isso que eu quis dizer. A dor pode ser controlada. Se controlarmos a dor poderemos confrontar nossos medos. Claro que era um papo de auto-ajuda em uma época que nem existia auto-ajuda. E a canela dele realmente ficou roxa depois de meu chute.

Na sinaleira, parado no trânsito, uma mulher vem me entregar um panfleto de um desses falastrões que fazem palestras para empresários e funcionários de grandes corporações. Como ser um vencedor, me dizia o papel. Como ser? Certamente não explicaram isso para a mulher que distribui a propaganda de tal falcatrua. Se existem vencedores, diria um óbvio Machado de Assis da vida, ele que fique com as batatas. Os outros? Que distribuam papéis coloridas em esquinas movimentadas.

Li outro dia que antes da final da Champions League foi passado um vídeo baseado em cima do filme O Gladiador para os atletas do Barcelona. Motivação. Determinação. Garra. Certamente seriam os sentimentos que o filme deveria passar ao espírito dos jogadores catalães. O Barça foi lá e deu um baile na turma do metrossexual português. Acredito que daria um baile mesmo que o próprio Russel Crowe surgisse do outro lado do campo com um batalhão do exército imperial de Roma.

Ouvi na rádio ontem o motivador colorado dizendo que o exemplo de superação para os atletas antes da partida foi o da cantora Susan Boyle, o tribufu escocês que da noite pro dia virou estrela de YouTube. Era a favorita do programa de calouros britânico e, na final, perdeu. Parabenizou os vencedores e internou-se em uma clínica com grande desgaste emocional. Não estava preparada para a vitória. De tanto dizerem que venceria, perdeu, diria o Sun Tzu do Couto Pereira, Renê Simões. No caso do treinador coxa-branca, o troféu abacaxi ficou de bom tamanho. Falador passa mal, Renê, já dizia o Trio Mocotó.

A entregadora de panfletos, que não vai ganhar de ninguém na concepção moderna de vencedores como pregam os gurus empresariais, continuará sorrindo. Susan Boyle poderá ser uma grande intérprete se realmente cantar e lembrar que a vida não é um concurso. É vida. Quem canta, vive quando solta a voz. Os vencedores ganham as batatas e o ônus de descascá-las. A historinha repetida a esmo se perde na memória. Tal qual um Goebbels, os publicitários multiplicam as possibilidades e fecham as alternativas. As vitórias, cretinos, também nascem da dor. Tite sabe disso. Nos faz entender na carne. Se era desnecessário sofrer, Tite nos ensina. Sofram! Descasquem as batatas!

Perguntado como queimava a própria mão sem mexer um músculo em reação, Lawrence da Arábia, no filme homônimo, respondia: É simples. Eu não me importo. Guiñazu ao responder como suporta a dor após correr 90 minutos ou mais defendendo o Inter, responde: Eu esqueço. Depois me atiro quebrado para me recuperar para a próxima partida. São exceções à regra. Assim como a dor da perda só se esvai com o sofrimento explícito, a conquista arrancada à força, com sacrifícios, com superação, só se completa com a catarse coletiva da vitória extenuante.O choro dos vencedores.

Ao final do jogo, D'Alessandro chorou.

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