quarta-feira, 1 de julho de 2009

Nós faremos acontecer.

Por Gustavo Foster


Esqueça de tudo. Hoje nada importa, pois o destino já está traçado. Só o que existe são onze jogadores de vermelho dentro de um templo e milhões deles, fora. Alguns, privilegiados, assistirão de camarote o futuro ser desenhado pelas entidades espirituais do futebol.

Foram elas que traçaram esse caminho. Tudo planejado: time consagrado como melhor do país, algumas derrotas, medo, mais derrotas, crise e o três a zero redentor de Bolaños. E é ele, Bolaños, que, com três pontapés certeiros, profetizou a redenção colorada de hoje.

É fim de tarde. Há mais de três horas que você não pensa em nada que não seja vermelho. Abre o armário, procura a camisa vermelha. Alecsandro domina a bola, olha para a direita. Você veste a camisa e desce em direção à parada de ônibus. Na hora exata. O camisa nove visualiza um equatoriano esguio correndo para dentro da área. Passa. Na hora exata. Você já está dentro do ônibus. É possível ver o Gigante há alguns milhares de metros. Você desce. E ouve, ou imagina ouvir, gritos insandecidos de dentro daquele gigante. O passe sai errado, mas Bolaños é rápido. Aproveita-se do erro infantil do zagueiro e chuta. Você para a caminhada.

É hoje, você pensa. Sim. É hoje.

Os gritos parecem agora mais fortes. Você começa a sentir um nervosismo, que se confunde com a tensão, a ansiedade e, principalmente, com a vontade de entrar logo no Beira-Rio. Alecsandro, de novo, vem como uma flecha. Agora você já sabe o que está acontecendo. Compra uma cerveja e sorri. O estreante, vestido com a sete, corre, dessa vez mais rápido. Um gole. O centroavante faz o passe. Você olha para o lado: um ônibus parece conduzir o triplo de sua capacidade. E o canto é ensurdecedor. A bola atravessa o campo como que intocável. Passa pelo goleiro. Por um zagueiro. Dois. E para nos pés do profeta, que, novamente, dá apenas um toque.

Você começa a cantar. Não podemos perder. Você daria a vida por um campeonato, uma taça a mais. O resultado é esse. Dois a zero. Já me serve, você pensa.Uma cerveja nunca pareceu tão boa.

E agora o cenário é cinematográfico. Tudo parece arquitetado para o final que você imagina. Buzinas, brigadianos, cachorro-quente, cambistas, ônibus, o Mac Áurio à frente. Tudo envolto por uma massa densa vermelha. Os cantos são plenamente audíveis. Muitos. Todos eles, ao mesmo tempo, gritados, urrados. E uma cena, como que projetada nos muros do Beira-Rio, começa a ser vista. E você definitivamente pode enxergá-la acontecendo. Giuliano cruza, desajeitado. Você já está correndo em direção ao Beira-Rio. A bola cruza a área. Você se posiciona na fila, ofegante (por cansaço e por ansiedade). O zagueiro corta e a bola, ordinária enviada pelos deuses do futebol, procura Bolaños. Você entra no estádio e olha para a grama: a cena parece ocorrer ali, à sua frente. O equatoriano chuta, a bola entra, três a zero.

Você nunca viu o estádio assim. A fumaça é inacreditável. A altura dos gritos é impossível. O número de pessoas é estupidamente grande. Três a zero. Bolaños já havia feito a profecia. Você, agora, mais do que acredita. Você não tem dúvidas.

Começa o jogo.

Nenhum comentário: