terça-feira, 1 de setembro de 2009

A doce covardia da massa.

Por Daniel Ricci Araújo


No último domingo, a torcida do Inter demonstrou que a covardia pode ser de uma beleza sublime.

Fernandão voltava ao Beira-Rio e, ora, lembremos o episódio. Entra o vulto vivo em campo junto com o Goiás, perfila-se para cumprimentar a sua escassa torcida presente ao Gigante, ergue os braços para saudá-la e trota pelo meio do campo, aparentando um anonimato insuportável e falso. Aos primeiros movimentos do alviverde, ouve-se aquela protocolar e uníssona vaia utilizada para melhor receber o visitante.

A bola está no centro do gramado e a partida vai começar. Do outro lado do campo está Fernandão, escandalosamente vestido de verde. O juiz apita e o jogo inicia. O visitante maneja a bola com alguma clareza, nada desconfiado do proverbial banho de bola do qual terá sido vítima ao final dos noventa minutos. Ainda se escutam as vaias normais ao jogo do adversário: um passe cá, outro acolá e a bola, até que a sensitiva bola sobra nos pés de Fernandão. O grande ídolo a conduz sem sucesso, com algum alívio interno, sem dúvidas. Pobre dele. Está prestes a dar-se o grande momento.

De um instante para outro, questão de segundos, talvez milésimos, a voz crítica da torcida cala. Estava para iniciar o maior constrangimento em forma de carinho, a machadada canina e irreversível nos nervos de Fernandão, o golpe certo para sua morte anímica no jogo. O coro agora é alto e claro, e mudara repentinamente de tom como a direção das ondas em um dia de tempestade, rompendo limites em uma só voz: “Uh, terror, Fernandão é matador”. Uma bomba moral, sem dúvidas. Emocionado, comovido, Fernandão está agora mais prostrado perante a massa do que o presidente do Senado Federal.

A torcida foi fria, calculista. Esperou a bola rolar para aplicar o definitivo golpe anímico de misericórdia. Desorientado com essa torrente de amor que emanava das arquibancadas, o grande referente da nossa história, sem meias medidas, acertou no primeiro jogador do Inter que pressentiu chegar perto de si um tabefe explícito. Somado ao fato algum rigor excessivo do juiz, voilá: tivemos a expulsão mais apaixonada da história do Gigante. O grande Fernandão das duras jornadas, das taças ao alto, o símbolo maior da época dourada do clube desapareceu pelo túnel como um agressor inesperado, porém sentindo cinco oceanos de afeto pelo caminho. Uma cena memorável.

Mas mesmo assim, vejam só, a incompreensão peçonhenta deu jeito de vicejar pela crítica especializada que se debruçou sobre o fato. Nesta segunda-feira, por exemplo, o aborrecido colunista da contracapa de Zero Hora, dotado de um senso de humor peculiar, já resfolegava sua chatice endêmica sobre a situação, sem nada entender. O homem não vê o caráter lírico da coisa e delineia, com pouca ou nenhuma capacidade de persuasão, uma incompreensível negociata de gols, animado talvez pelo conhecido caráter de perseguição que sua origem clubística tem inscrita no próprio DNA. Quanto revanchismo e recalque: aí está a sua verdadeira “pilastra dialética”, que no seu caso não é pilastra, e sim uma coluna da altura da hipotética Torre de babel. Pena, pena. Que pena! Mas pior para ele.

Não é qualquer um que entende um ídolo desses, e muito menos consegue vibrar com sua expulsão em um jogo de futebol.

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