quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Eu sou a lenda.

Por Marcelo Benvenutti


"Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis."
Bertolt Brecht

Desde quando chegou ao Beira-Rio, depois de muita luta pela direçãocolorada em trazê-lo a Porto Alegre, Guiñazu já se destacava nostreinamentos. Por conta da injuriada janela de agosto, o gringo destruía no campo suplementar e a torcida, inquieta, se aglomerava para antever o que seria aquele sujeito com cara de índio que tanto tinha chamado a atenção quando os colorados tinham enfrentado, e vencido, o Libertad um ano antes.

As histórias de Guiñazu no Inter já servem para balizar um romance. Desde jogar com um furo no joelho, fechado a tempo pelo departamento médico colorado, até tenta continuar em campo com o braço quebrado, Guiñazu só supera a um mesmo jogador: Guiñazu. Quando tudo está no chão, o time cabisbaixo, os olhares reduzidos a bolitas escuras no breu da desesperança, Guiñazu mexe os braços pra cima, gesticula escandolamente, se irrita, corre para uma bola inalcançável, rouba ou perde, não interessa, reflete alguns centésimos de segundos, o necessário para buscar oxigênio em Marte, que seja, e sai correndo para o embate a outro adversário.

Quando os outros jogadores se lesionam e o médico dá o diagnóstico de "recuperação em um mês", etc. Guiñazu se revolta ao ouvir o seu e responde, limpidamente: "Semana que vem já vou jogar", com seu sotaque carregado do interior da Argentina. E volta mesmo. Os preparadores físicos não sabem o que dizer. O que dizer de alguém que treina de moletom sob o sol inclemente de fevereiro em Porto Alegre? Nada. Fenômeno, diria o próprio, usando uma de suas expressões características.

Quando uma proposta miliardária dos príncipes arábes adentrou o fax do Píffero, a torcida inteira entrou em pane. Guiñazu não poderai ir embora. El Cholo tremeu na base. Era muito dinheiro até mesmo para suas convicções. O estádio em pé ovacionou o jogador. Seu filho pediu para ficar. Desde D.Pedro I não foi tão esperado o Dia do Fico de alguém. E Guiñazu ficou. Músicas em seu louvor são cantadas por todos no Gigante. Quando Guiñazu desembarca no aeroporto, hordas de fãs o seguem, à distância, com reverência, aplaudindo o ídolo.

Dentro de campo, para ele, nada muda. Não interessa o campeonato ou o adversário. A disposição é a mesma. Sempre. Muitas vezes sobra disposição. A chegada é mais ríspida, como naquela entrada no Verón na final contra o Estudiantes ano passado. Outras vezes Guiñazu sai tanto pra marcar que termina o campo e ele tem que voltar correndo para cobrir o rastro que deixou pelo caminho. Guiñazu é assim. Quando entra em campo deixa um rastro de embatedores por onde passa. Uns vencem, outros sucumbem. Guiñazu, hoje, é o maior ladrão de bolas do futebol brasileiro. Não sou eu quem diz. São os números. Ainda por cima começou a chutar em gol. E fazer gols.

O Internacional de hoje não tem um herói. Não tem um salvador da pátria. Não tem um homem que decide tudo sozinho. o Internacional não precisa de heróis. Como a frase de Brecht nos diz. Miserável o povo que precisa de heróis. Os heróis nascem na adversidade, que também muitos chamam de injustiça. Ou desorganização. Ou caos. Guiñazu não é um herói. É um jogador comum, que sabe roubar bolas e sair tabelando com quem joga à frente. Tem a resistência de um camelo no Saara e a disposição selvagem de uma leoa faminta em torno dos filhotres. Mas não é um herói.

É uma lenda.

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