quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Naipe de metais.

Por Marcelo Benvenutti

Eu entendo tanto de jogar futebol quanto tocar um instrumento musical. Se tivesse fôlego e paciência teria sido um pouco mais que esforçado zagueiro que se perderia em um campo de interior qualquer. Se tivesse paciência tentaria aprender a tocar bateria como se deve e pelo menos poderia me divertir sem destruir os ouvidos alheios fazendo isso. Tanto em uma atividade quanto na outra não seria mais que mediano. Mas nada me impede de divagar tanto sobre música quanto sobre futebol.

Numa equipe de futebol os volantes e os zagueiros funcionam como a bateria. Os zagueiros fazem a parede por trás para que os volantes estabeleçam o ritmo. O ritmo é importante, óbvio, e quando o baterista atrasa ou adianta a música até mesmo os ouvidos menos sensíveis notam a diferença. Se atravessarem a música, o erro é escancarado, todos gritam. O baterista não é de nada. O volante saiu na hora errada. O zagueiro estava atrasado. Adiantado. Deu o lado. Marcou a bola e esqueceu o avante adversário. Todos sentem o ritmo. Todos dançam. Mas se o baterista, o zagueiro ou os volantes errarem, a falha é evidente e grotesca.

O goleiro e os atacantes, tanto um quanto os outros, trabalham como vocalistas, ensimesmados com suas entonações próprias, trejeitos e loucuras. Atacante e goleiro são o começo e o fim. Não existe meio termo. São heróis ou bandidos. O resto da banda pode dar um instrumental de fundo maravilhoso, mas se o vocalista sair com uma vozinha esganiçada, fora de ritmo, desafinada, todos irão notar. Ao contrário, se o vocalista conquista o público, nem mesmo as desafinadas são notadas. Ele é o herói. o que faz o gol decisivo aos 45 do segundo tempo depois de ficar a partida inteira sem tocar na bola ou defende a bola indefensável que salva o time mesmo depois de levar dois perus.

O guitarrista, assim como o armador, ou o meia de ligação, que pode ser o guitarra-base, esse nem tão notado, mas muitas vezes essencial, são os que floreiam o meio campo. Os que conduzem o ritmo, dão a deixa para as entradas do vocal e quando sobra uma brecha inserem seus solos que podem ser intermináveis e brochantes como também épicos e virtuosos. Uma equipe pode muito bem atuar sem um guitarrista solo de grandes virtudes. Pode se contentar apenas coma base pesada e determinada para dar sustentação à música. É o de menos. O erro do guitarrista só é explícito quando ele sola. Se ele não se arrisca, não erra. Por isso muitas vezes é mais fácil admirar aquele que só toca pros lados.

Pensei sobre quem seria o baixista e notadamente o baixista é aquele sujeito esquisito que fica perto do baterista e nem aparece. Aliás, a maioria das pessoas nem nota que ele toca. Ou nem nota que existe o som contrabaixo. Mas existe. O jogador que faz a ligação, seja ele lateral, meio campo ou atacante. Ele não erra. Parece fácil o que ele faz. Só parece. Assim como parece ser fácil ser o Paul McCartney. Só parece. Talvez seja a função fácil mais difícil de todas. A mais inglória e menos glamourosa. E o baixista se perde nas funções emparedado entre os agudos da guitarra e o peso das baquetas nos ouvidos alheios.

Claro que estamos falando de uma formação clássica de um conjunto musical de rock. Mas quando a formação torna-se extra-classe, quando ela necessita de algo a mais. Quando ela precisa de uma evidente alteração em suas bases e aceleração nos batimentos cardíacos e dançantes de seus ouvintes, ela necessita de um naipe de metais. Trompete, sax e trombone. Aquela quebrada certa no momento certo que faz o povo se levantar. Que abre as defesas mais fechadas. Introduza um naipe na maioria das bandas, as que tocam algo que preste, obviamente, e escutarão o salto de qualidade em seus ouvidos. Ao vivo, então, torna-se covardia. O público, embasbacado, muitas vezes até paralisa, vidrado, com o som que dança em volta dos cabelos, da cabeça, das pernas. Um naipe de metais, me arrisco, é capaz de salvar uma música ruim. Basta que seja bem executado.

O Internacional se descobriu nos últimos jogos exatamente porque abriu a caixa de instrumentos e liberou o naipe. O naipe estava fechado, guardado na lateral-esquerda, sem chances de entrar em qualquer brecha das músicas, até que o compositor vislumbrou que ali, naquela brecha, cabia um som. Naquela brecha, também conhecida como lateral do campo, linha de fundo ou infiltração pelas pontas, cabia um naipe de metais. O naipe libera os outros setores e faz a música engrenar. O compositor, ou maestro, que seja aquele que concebeu a música, também conhecido como o treinador, tem o crédito de ter melhorado o desempenho do show e agradado a platéia. Portanto, não é lógico que depois de lançado o single ele nos prive de escutar o álbum completo. Tite, libera o Kleber!

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