segunda-feira, 11 de maio de 2009

GOLAZO, CARAJO!

Por Andreas Müller


D’Alessandro não está numa tarde inspirada. Assim mesmo, sem inspiração, é ele quem identifica Nilmar a meia-cancha de distância, lá adiante, correndo solitário em meio ao pequeno exército alvinegro de Mano Menezes. Sem inspiração, quase de mal com a vida, D’Alessandro se converte num quarterback e desfere um daqueles lançamentos secos e retilíneos que, pelo menos até hoje, só costumavam ser vistos nas edições anuais do superbowl americano – mas nunca, jamais numa abertura do Campeonato Brasileiro. A bola corta 50 jardas do gramado do Pacaembu como um projétil, mas cai nos pés de Nilmar mansa e aveludada, quase como se tivesse sido agarrada com as mãos e largada no chão. Pronto: começa ali o espetáculo que tornará todo o resto da primeira rodada do Brasileirão irrelevante.

Nilmar recebe a bola e se projeta contra a defesa corintiana sozinho, desamparado. Aos pés de um jogador comum, a manobra seria de uma estupidez irritante. Mas Nilmar, meus amigos, Nilmar é incomum. E assim ele avança, extraordinário, sobre as linhas de defesa do Corinthians, deixando pelo gramado um rastro de camisetas brancas – de pavor e inveja. Diego, coitado, não consegue nem se aproximar. Depois vem Welligton Saci, que ergue a perna num golpe de força, mas fica pelo caminho como se tivesse chutado o ar. Surgem Boquita e Cristian, mas Nilmar sequer se dá ao trabalho de driblá-los: apenas passa reto, zunindo como um jaguar vermelho atrás de sua presa derradeira. Eis que chega Jean para dar um basta na correria. Joga-se no chão e desfere uma tesourada no tornozelo de Nilmar. Este acusa o golpe, desequilibra-se e quase cai. Mas os heróis sempre se levantam e quem está no chão, agora, não é Nilmar: é o próprio Jean, com a tesoura desfeita e o olhar embasbacado no atacante do Inter, este de pé, inteiro no seu caminho rumo à glória desta tarde.

Jucilei se aproxima, mas fica para trás antes mesmo de descobrir por que começou a correr. Diogo intervém em seguida, mas é como se tentasse interromper uma ventania com a ponta das chuteiras – inútil, nada menos do que inútil. Nilmar dá o arranque final em direção ao gol, mas exagera na dose. Parece claro que sairá com bola-e-tudo ou, na melhor das hipóteses, cavará um pênalti em cima de Renato, seu oitavo e último marcador. Mas Renato, pobrezinho, não é mais um jogador de futebol. Na frente de Nilmar, ele é apenas uma camiseta branca largada no chão. Uma camiseta branca vencida com um toque de letra, tão milimétrico que mal aparece nas câmeras da Globo. E antes mesmo que tenha tempo de se desequilibrar, Nilmar chuta a bola para as redes de Felipe e cai no gramado. Quando o Brasil inteiro finalmente percebe o que acabou de ocorrer, Nilmar já está de pé novamente, correndo faceiro e inalcançável em outra direção – a da história do futebol brasileiro.

D’Alessandro corre e agarra o amigo pela gola da camiseta. Não consegue abraçá-lo, não consegue segurá-lo, não consegue nem sorrir. D’Alessandro está assombrado, perturbado demais com o que acabou de presenciar. Sua alegria é tão grande e irreprimível que já não aparece em sorrisos ou afagos, mas em desaforos. Só o que ele consegue é agarrar a camiseta da Nilmar e berrar, cuspindo-lhe a cara: golazo, carajo! Golazo! O bolinho de jogadores se forma, alguns dão tapinhas e cascudos na cabeça de Nilmar. Mas D’Ale apenas se afasta com o semblante grave, como se pensasse, em pleno Dia das Mães, que grande hijo de puta é esse Nilmar.

Termina, assim, o espetáculo do Rolo Compressor. Um espetáculo de apenas 10 segundos, mas que nenhum outro time conseguiu reproduzir em 90 minutos. Um espetáculo que resultou em vitória fora de casa num dia em que o Inter esteve “mal” e D’Alessandro jogou sem inspiração. Uma pequena demonstração, em suma, do que o Inter é capaz de fazer quando joga o que sabe.

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