terça-feira, 30 de dezembro de 2008

COPA PRA QUEM?

Por Marcelo Benvenutti

Esta semana, foram aprovados os projetos de Inter e Grêmio na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Projetos para a Copa de 2014, promulgam os noticiários. Na verdade, cada cidade candidata a ser uma das sedes da Copa do Mundo apresenta um estádio como sendo o que vai sediar os jogos da Copa. No caso de Porto Alegre, está lá na proposta: Beira-Rio. Não que eu queira azedar o delírio tricolor. Ele é justo e justificado. A imprensa gaúcha, sempre afoita em relacionar cada partícula do Universo ao pretenso "gaucho way of life", chegou a propagar aos quatro ventos, mais o minuano pra dar um empurrãozinho, que, sim, seria possível Porto Alegre ter dois estádios em uma sede. Doce delírio.

Conforme entrevista recentemente publicada no Jornal do Comércio, um dos advogados do Grêmio que tratou do contrato com a OAS declarou sabiamente que ao projeto "Arena" tampouco importa se será sede da Copa ou não, desde que faça parte do caderno apresentado à Fifa pelas autoridades para que, aí sim, tenha o referido projeto direito a benefícios fiscais criados especialmente para a Copa 2014. Não digo que o Inter também não aguarde tais benefícios. Aguarda, obviamente. Mas assim como na Arena, outros estádio estão entrando nessa, legalmente, claro, porque ninguém assina conta de trouxa nesse lance de Copa. Só que nem tudo que é legal deveria ser bovinamente aceito. Pelo menos deveríamos mugir em protesto.

Em um ano que a crise internacional nos assombra com sua aproximação, onde o presidente nos manda gastar e a governadora corta salários da educação ao mesmo tempo que assina leis e mais leis de isenções fiscais para a "salvadora" Copa 2014, nada mais justo do que os vereadores aprovarem a construção de prédios de mais de 70 metros de altura em meio a condomínios de quatro e cinco andares. Que ao lado de residências e pequenos edifícios ergam-se monólitos de mais de 30 metros na área dos Eucaliptos. Nem seria injusto deixar que a OAS construa um bairro pós-moderno no alagadiço Humaitá. Seria uma injustiça com a história da cidade. Ou vocês imaginam os vereadores aprovando nos dias de hoje o aterro de dezenas de hectares de orla do Guaíba como foi feito nos anos 1960? Claro que não. Mas, em nome da Copa 2014, tudo vale.

Desculpem-me aqueles mais sonhadores ou com a viseira fechada, eu odeio a época de Natal e Ano Novo. Não existe nada de novo. O governo não esquece do IPTU, do IPVA, o lixeiro quer Natal enquanto pago absurdos pela taxa do lixo, os pedágios das estradas esburacadas e mal sinalizadas aumentam, a temperatura para quem fica em Porto Alegre à noite beira os 30 graus e o tédio profundo se estabelece em seus sobreviventes. Obviamente, o trânsito esmorece na sua truculência. Enquanto espero a cerveja tentar gelar no congelador e zelo pelo sono do Lorenzo, que os mosquitos não ataquem meu filho, a cara de pau campeia pelos microfones de rádio e tevê e páginas de jornal.

Sim, teremos dois belos estádios de futebol. Cadeiras estofadas. Restaurantes panorâmicos. Telões tridimensionais. Hotéis muitas estrelas. Estacionamentos lunares. Enfim, seremos um Estado de Primeiro Mundo. Como sempre fomos, nós, gaúchos. Cordatos. Politicamente corretos. Os "europeus" do Brasil. Nesses dias, esquecerei de pagar meu IPTU, jogarei a conta do IPVA pela janela, mandarei os lixeiros catar coquinho no mato. Sim, afinal é Copa. Tomarei meus benefícios fiscais de assalto. Comprarei meu ingresso para o jogo inaugural da Copa no Beira-Rio com um cambista que venderá on-line, vestirei minha camiseta canarinho Nike falsificada que comprarei no Camelódromo do Centro e me sentarei confortavelmente no restaurante do estádio para assistir ao jogo em uma campo holográfico projetado na minha mesa. O garçom, educado como todos os garçons porto-alegrenses, virá prontamente me atender. Uma Heineken, pedirei. Afinal, agora que somos europeus, nada mais natural pedir uma garrafa da cerveja que patrocina a Champions League, não é? Ele me trará uma lata de Pepsi. Light. Quente. Beberei com gosto.
Como é bom pertencer ao Primeiro Mundo.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

CARTA DE NATAL

Por Gustavo Foster

Querido Papai Noel,

Amanhã é Natal e, através desta carta, eu gostaria de pedir algumas coisinhas ao senhor.
Em 2008, apesar de umas e outras, acho que me comportei e fui uma boa pessoa.
Admito que fiz o meu amigo de Caxias passar vergonha, mandei ele pra casa com oito nas costas e ainda humilhei-o na frente de milhares, com um gol do nosso bom velhinho. Mas eu sei que o senhor entende a minha irritacao.

O meu co-irmão sofreu um pouco também. Quatro não é fácil. Além disso, tive um surto de irritação com uns sulamericanos, mas espero que o senhor compreenda tudo isso. Afinal, o senhor sabe. Podíamos ter sido bem piores, não?

Minha lista de pedidos de Natal não é longa. Também não é muito difícil, nada impossível. Não imagino que todos os meus pedidos sejam atendidos, mas são desejos meus e – tenho certeza – de muitos dos meus semelhantes:

-"Desejo que, diferentemente dos dois anos anteriores, mostremos do que somos capazes. E sabemos que somos".

-"Continuemos comemorando duas, três vezes por ano. Comemorar é bom: o senhor, como símbolo de uma das maiores festas do mundo, deve saber".

-"Fiquemos, não com todos – sei que é impossível –, mas com alguns ídolos".

-"Sejamos constantes. De preferência, constantemente em cima".

-"Desejo, por fim, que o atacante de renome seja bom, que a linha defensiva se mantenha firme, que os volantes joguem como sempre, que o ataque tenha mais companhia e que 2009 seja um baita ano. Tem tudo pra ser".

-"Sei que o senhor deve receber cartas muito mais importantes. Paz mundial, um prato de comida, um pai presente, um carrinho de controle remoto: são pedidos muito mais importantes. Mas, se sobrar um tempo nesse final de ano, pense em nós, aqui no sul do Brasil, na beira do Guaíba. Não temos chaminé, mas garanto que o seu trenó não terá problemas em estacionar, há bastante espaço".

-"E, sejamos francos: esse seu uniforme não me deixa mentir, o senhor deve admitir que sente uma simpatia pelo vermelho e branco".

Abraços e feliz Natal,

De um Torcedor Colorado.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

CHECK-UP

Por Thiago Marimon


Nunca esperei tanto um confronto contra o Santa Cruz. Dia 20 de janeiro de 2009, enquanto prepararei minhas trouxas para rumar em definitivo à Porto Alegre, o colorado finalmente entrará em campo, dando início à sua participação no regional. Até lá, enquanto os vermelhos da rainha aguardam o momento de dar boas-festas aos equatorianos da LDU, e entrar para o seleto rol de Campeões Mundiais, aqui na aldeia só nos resta esperar.

Inter, por enquanto, só o Sub20, onde, no Zequinha Stadium, com mais empresários do que torcedores nas arquibancadas, disputaremos hoje à noite, em partida única, a vaga nas semifinais contra o tradicional rival. É greNAL e é mata-mata. Alguém tem alguma dúvida do resultado?

Obviedades à parte, enquanto o novo ano não chega, como forma de tentar driblar minha crise de abstinência futebolística, entre discoméis e outras pílulas banais, me atrevo a fazer um check-up geral da situação colorada neste ano que se encerra:

É teu passado alvi-rubro...

O ano começou bem. Mas custou caro. O título da Copa Dubai contra a Inter de Materazzi, com direito a gol de bicicleta de Nilmar, nos perseguiu o ano inteiro. Não obstante o feito histórico da maior goleada já vista em finais, com sonoros 8x1 no Juventude, com direito a gol de goleiro – que, aliás, não foi o único este ano em terras gaudérias - a antecipação e, principalmente, a fragmentação da pré-temporada, somada ao fato de, pelo segundo ano consecutivo, mudarmos time e técnico em meios às competições, fez com que o ajuste do time ocorresse em meados de outubro, quando o título da Copa do Brasil, atalho mais curto à Libertadores, estava definido e o Brasieirão já era um sonho distante. Nossa única alternativa passou a ser a Copa Sul-americana. A qual vencemos com louvor, encerrando assim o ano Colorado. Três taças no armário, muitas festas e algumas decepções. Porém, fora os estaduais, apenas Sport, São Paulo, Inter e até mesmo Corinthians - sim, Corinthians porque não?! Afinal, há tempos ouço que é muito melhor vencer a segunda que ser vice na primeira – tiveram o prazer erguer um troféu.

No balanço geral o ano foi bom, mas, tendo em vista o capital despendido para montar esta equipe, poderia e deveria ter sido melhor.

O teu presente diz tudo...

Encerradas as competições, quem mais atua no Beira-Rio são os empresários. A direção trabalha no sentido de conter o assédio dos clubes europeus - hoje com o freio de mão puxado em função da crise econômica - buscando manter o time base, admitindo a saída de apenas um jogador.

Nossas perspectivas são boas, estamos prestes a contratar Marcelo Cordeiro para compor a esquerda, flertamos com o garoto Giuliano do Paraná para a meia e seguimos trabalhando na contratação do argentino, hoje já não tão misterioso, para o ataque. Além disso, Sorondo provavelmente cantará o hino nacional em portunhol, abrindo assim mais uma vaga para estrangeiros. Também preparamos os festejos para o ano do Centenário do Clube, orgulhosos de completar 100 anos podendo comemorar o fato de termos vencido tudo que é hoje possível. Quem, assim como eu, cresceu na década de 90, pode-se dizer hoje satisfeito, embora muito mais exigente.

Correm os anos, surge o amanhã...

“Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”, já dizia Rosa Luxemburgo, em 1800 e bolinha. Mal sabia ela que em 2008, os “guris da internet” resolveriam se movimentar, e, com o perdão da redundância, montar o movimento INTERnet/BV, o qual elegeu sábado passado, de forma histórica, 23 novos conselheiros. Os quais terão a difícil tarefa de romper a amarras e trazer o novo para dentro do clube. Muito já foi dito esta semana sobre este feito. A mim, só cabe dar os parabéns aos amigos. Certamente este tipo de articulação de torcedores será o exemplo a ser seguido nos demais clubes do cenário nacional. Este é inegavelmente o futuro do clube.

Dos clubes. Ainda no campo da política, os homens do futebol colorado, frente à força dos movimentos de oposição, através de uma jogada política, com uma tacada só atenderam dois desejos de grande parte da torcida colorada. Afastaram Giovanni Luigi e adiaram os planos de The King encabeçar o Clube dos 13, garantindo a presença de Fernando Carvalho como figura atuante no futebol colorado. Em 2009 o Vice de Futebol será o homem que foi o principal responsável por trazer à torcida as mais alegres emoções já vividas.

Enfim, que venha o Ano Novo, que as expectativas se confirmem, que as Noites de Copa se repitam e que o Rio Grande continue Vermelho, para que sigamos a nossa Senda de Vitórias, do Colorado das Glórias, Orgulho do Brasil.

Feliz Natal a todos. Saudações Coloradas.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

INTERVALO

Por Marcelo Benvenutti


Sábado de manhã. Eleições no Beira-Rio. Sábado de manhã não existe pra mim. Ainda mais depois da festa de fim de ano do trabalho. Aquele churras. Aquelas, muitas, cevas. A ressaca batendo depois de seis horas mal dormidas. Mas, tudo bem, tenho que sair de casa e buscar meu filho Lorenzo na vó. Sim, eu, ainda, cumpro a lei. Deixei o carro na minha mãe e saí de táxi para a festa. Na rua, nos lugares de festa, muitos carros. Obviamente, muitos bêbados. Os motoras tomam só guaraná? Ah, sim. E o Inter vai contratar o Palácio pro centenário, então. Bem capaz, né, meu?

Pois bem, lá vou eu a pé, debaixo de uma lua, Gatorade na mão, depois água com gás, meditando sobre a vida, direto ao Complexo Beira-Rio para votar nas eleições. Exercer meus direitos de cidadão colorado, carajo! Movimento mesmo só próximo ao portão de entrada norte. Os carros de som explodem indo e vindo na Padre Cacique. Não entendo de qual chapa é um ou outro. Tanto faz. Minha cabeça fervilha com o nada que agora vive dentro dela.

Perto da entrada dos eleitores no Gigantinho, um corredor polonês me espera. Decido esperar um pouco antes de entrar. Terminar minha água com gás. Um rapaz que vagamente lembro conhecer me cumprimenta. Sim, eu o conheço. Sou bom em fisionomias e péssimo com daonde elas vêm. Memória queimada é assim. Lembra por etapas. É da chapa 3. O coordenador. Guilherme, o nome dele. Noto a ansiedade em seu rosto. A ressaca ressalta minhas percepções. Muitos leigos acreditam no velho papo do escritor bêbado descascando palavras na tela de um computador. Mas, bêbado, não sai quase nada que preste. O melhor sempre sai na ressaca. A percepção está no auge. Entendi o sistema depois que assisti a uma entrevista de um cientista que disse que as melhores idéias lhe ocorriam logo depois de acordar de um bebedeira. O cérebro, zerado, elimina todo o lixo e resta apenas o que interessa. No caso de um cientista, descobertas. No meu caso, a percepção. Histórias perdidas que se encontram no amanhecer da mente.

Voltando ao Guilherme. Ele me conta que as rádios dizem que a Chapa 3 tá com 14% nas pesquisas informais que eles fazem. Eu não me surpreendo. A Internet une as pessoas. Não estou eu aqui escrevendo e vocês me lendo? Sim, respondo eu, acredito que vocês vão conseguir ultrapassar a cláusula de barreira. 15% na veia. Pensa bem, Guilherme, continuo, os eleitores da Chapa 3 têm o perfil parecido com o meu. Os votos tendem a aumentar na tarde. Hoje é sábado. O povo tá de ressaca. Ele se vai, atendendo um celular, a ansiedade refletindo no andar. Imagino que ele quer acreditar que conseguirão, mas, tal como nós no intervalo do jogo com o Barcelona, estávamos calmos até momento que nos demos conta que, porra, nós estávamos com grandes chances de sermos campeões mundiais! Eu confesso. Foi no intervalo que me flagrei. Foram longos quinze minutos. Assim como o Guilherme pressentia a eleição da Chapa 3, mas relutava em acreditar, o que lhe causava ansiedade, minha mente relutava em crer que o sonho era real, Nós seríamos campeões mundiais. E fomos.

Deixei que o corredor polonês se dissolvesse. Hora do almoço. Não era necessário eu apertar a mão do Píffero. Ia ser chato. Me sentiria apertando a mão do diretor de disciplina do colégio quando eu tinha 13 anos. Deprimente. Ou a do Mano Changes. Mão de deputado. Eu, hein? Tinha terminado minha água. Hora de votar. Concordo que a atual direção não acolheu minhas expectativas. Demoraram para descobrir onde estavam os maus caminhos tomados. Mas quando vi os números, não me contive. Votei em branco para presidente. Píffero já estava eleito mesmo. Mas não com meu voto. Que faça no segundo mandato o que não fez no primeiro. Menos arrogância. Mais obsessão. O que me interessava era o voto no conselho. Não sei quantos movimentos existem por lá. Imagino que na chapa 3 também devem ter pessoas que se eu conhecesse talvez não votasse. Mas, fazer o quê? Para comer um bom peixe muitas vezes vem uma ou outra espinha junto. Que venha. Tasquei 3.

Passeei pelo campo, tirei uma foto que duas amigas me pediram, sentei e quase cochilei nas cadeiras das casamatas. O sol pedia um cochilo naquela ressaca seca e inebriante. As modelos da chapa 2 rebolavam para lá e para cá. A chapa 1 dominava o meio ambiente. O Píffero continuava lá no corredor, tal qual a Rainha da Inglaterra cumprimentando os súditos. Liguei para o Andreas. Ligaria para o Emanuel se tivesse guardado no celular o número dele. Cumprimentei-o pela eleição. O pessoal na volta do quiosque da chapa 3 falava em 12, 13, 14%. Nunca nos fatídicos 15%.

O Andreas não acreditava. Se fossem mais de 500 votos, já seria uma vitória. É assim. A massa não sabe a força que tem. Se com a eleição da chapa 3 algo se alterará na forma como os clubes lidam com suas torcidas representadas em seus associados? Não sei. Mas certamente um algo novo aconteceu. Se dará certo na prática? Só o tempo dirá. Mas as relações no futebol precisam ser menos nobiliárquicas. Como se os clubes, que são o que são porque o capital que possuem são seus torcedores, fossem feudos de famílias, capitanias hereditárias de fulanos e beltranos. Podem ter sido nos primórdios do futebol. Mas para serem grandes devem pagar um preço. A pluralidade.

Fui embora e esqueci do assunto enquanto passava a tarde com meu filho. Somente à noite li na Internet que o povo da chapa 3 tinha conhecido os limítrofes 15%. As imagens da festa no YouTube foram vibrantes como a explosão da torcida naquele gol chorado do Nilmar contra o Estudiantes. Foi na prorrogação. Eu não me dei o direito de vibrar assim. Fiquei feliz. Aprendi a conviver diariamente, nem que fosse só por emails, com dois dos novos conselheiros, Emanuel e Andreas. Fiquei feliz. Mas continuo no intervalo da partida. Podemos ser vencedores. Ou não. Mas devemos sempre ter em mente que um clube grande como o Internacional se alimenta de sonhos. Os sonhos de uma grande torcida. Nada mais justo que a torcida decida seu destino.

Assim seja.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

PRATICIDADE AMERICANA

Por Gustavo Foster

Como são diferentes esses americanos. Celebram um tal de Dia de Ação de Graças, coisa que ninguém mais celebra, como se fosse a festa mais importante do ano. Medem a temperatura por fahrenheit, a distância por milhas, a altura por pés. Param na rua, te ajudam, ligam para o táxi, procuram o endereço no Google Maps do Iphone (Iphone é banal aqui...) e acham, do jeito que for, o que tu precisa. Sem nunca terem te visto antes. Até começar a achar isso normal, leva um tempo. Assim como os jornais vendidos na rua. Uma caixinha e um cofrinho. Mas sem vendedor. Eles simplesmente confiam na honestidade. Estranhos, esses americanos...

Mas, se tem algo que impressiona, aqui, é a praticidade. A simplicidade, facilidade, inteligência. Tudo é planejado para ser o mais simples. Tudo ou é explicado ou se deduz. Olhe o mapa da cidade de Nova Iorque: em dois dias, parece que aquela é a cidade natal de qualquer criança de 12 anos mais ou menos atenta. De oeste para leste, avenidas número um, dois, três e por aí vai.. Do sul para o norte, ruas, aumentando do um ao cento e pouco. Tudo quadradinho, tudo reto, tudo organizado. Podem ser arrogantes, podem se achar os donos do mundo, podem ser ignorantes (coisa que não são), podem ser gordos, belicosos, o que seja. Mas uma qualidade não se pode tirar, a praticidade.E, se existe uma característica principal da atual – e eleita nova – direção, essa é a praticidade. Podem não fazer as escolhas certas, mas as tentativas são sempre na direção certa.

Vejam, por exemplo, esse início de temporada 2009. Passamos o ano dizendo que tínhamos um bom grupo, que havia demorado para engrenar e que precisávamos apenas de peças em locais específicos. Acabam-se os campeonatos e – diferentemente da maioria dos profissionais do futebol – a direção colorada anuncia fazer o óbvio. Como ninguém tinha pensado nisso antes? “Precisamos de laterais”, bradam torcedores, comentaristas, porteiros, cobradores, corneteiros, sócios, todos! A primeira ação do Píffero foi qual? Procurar – e praticamente anunciar – laterais: esquerdo e direito. E isso não só na questão laterais. “O Nilmar ta sozinho”, “se o Tite ganhar a Sulamericana, merece ficar”, “o time só precisa ser mantido, precisa de tempo”. Atacantes são procurados, Tite é mantido, Guinazu é mantido, a base fica. É disso que precisamos. Talvez, nada disso dê certo. Talvez, os dois laterais contratados fracassem. Talvez, Tite não seja o técnico perfeito para o Centenário. Mas eu duvido que alguém reclame hoje, realmente achando que isso não vá funcionar. A probabilidade de acertar fazendo óbvio é muito maior do que acertar inventando. Mas a maioria dos que trabalham com futebol parece não entender isso. Os nova-iorquinos entendem.

PS: Realmente foi impossível escrever o texto para a semana passada. Agradeço ao literato Balakka pelo texto substituto. É um orgulho ter uma falta suprida com tanta maestria.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O AMIGO PORTUGUÊS

Por Raphael Castro

São danados, os portugueses. A língua por eles falada é tão rica, tão diferente da nossa, tão cheia de sonoridades e maneirismos, que é virtualmente impossível ficar indiferente a algumas expressões – que, no nosso “idioma”, às vezes têm usos, digamos, diferentes (basta ver como eles chamam “fila” e “guris” para saber do que estou falando).

Mas o mais bacana é, segundo um amigo meu de Lisboa, a expressão que eles usam para demonstrar admiração e boa sorte - por exemplo, quando alguém lá diz “pô, comprei um carro novo...”, o outro olha e logo responde que...tá bom, só um suspensezinho, prometo que revelo no fim do texto...

Seguindo

Na verdade, este intróito um tanto “luso” vem a propósito do desmerecimento mútuo entre colorados e aflitos das conquistas de cada um: os vermelhos glorificaram uma Copa que, segundo os amigos azulados, é uma “vovó”, um título meio infeccioso, coisa que ninguém quereria em sã consciência; já os gremistas louvam o seu Mundial, que juram legítimo, e que é avacalhado pelos colorados como uma contrafação paraguaia, taça de meia pataca, de um mundo bizarro com apenas dois continentes.

A propósito disso já se falou muita coisa e se escreveram quilômetros de linhas, sem que ninguém ao final conseguisse convencer o outro lado de seu ponto: tem quem queira barrar o aviãozinho, tem quem engraçadamente se arroube dons de visualizar desejos de transmutação de um clube em outro, enfim, maluquices pra todo gosto...

Breve

Bem, já concluindo, porque também não faz sentido dar mais pano pra manga nessa discussão, digo apenas que cada um viva e se sinta bem com o que tem. Gostei da Sul-Americana? Gostei, disse isso semana passada; quem não quer ganhar, não a ganhe, ué: qual é o sentido de, não tendo dado o devido crédito à competição, ficar desdenhando a conquista dos outros? Sim, se eles dizem que têm um Mundial, que tenho eu com isso? É verdade e nós também temos o nosso, não vejo porque discutir isso com quem quer que seja (sei é que não preciso explicar o meu Mundial pra ninguém, pois este é o título mais gloriosamente autoexplicativo que o Inter tem). Enfim, que convivamos pacificamente com nossos títulos, sabendo respeitar as glórias uns dos outros...

Desfecho

Por fim, prometi que revelaria o que os portugueses dizem quando querem denotar contentamento ou alvíssaras a quem lhes conta uma novidade: eles dizem “f...-se”; simples, direto, limpo e sincero. Portanto, com toda a carga etimológica e cultural de nossos antepassados, pra quem me disser “já tínhamos Mundial bem antes de vocês”, eu, autorizada e lusitanamente, retorquirei: “f...-se”, com um grande sorriso no rosto; ouvirei “ah, mas essa tal de ‘Sula’ eu já tinha desde os tempos da Copa Miguelito que a Conmebol organizava em mil novecentos e bolinha”, ao que responderei simplesmente “f...-se”, com elegância camoniana; “ok, mas vocês querem ser a gente”, e lá irei eu, candidamente, “ah, é?”, fazendo pausa entre cada uma das sílabas de “f...-se”. Vê-se então que toda uma celeuma tem solução prática e eficiente (como diria o meu conciso, direto, objetivo e resumido avô, S.Assis P.Ererê, “mais rápido que cocô de ovelha...”).

Tópicas: competência

Com a eleição, por favor, mantenha-se a competência do final do ano no futebol colorado, pois não?

Bem, caros leitores, por enquanto é só isso – e ponto final.

Fui (e não a pé).

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O MEU GURI

Por Marcelo Benvenutti


Diversas vezes, quando perguntado sobre a liberdade que encontrava como jogador para criar no meio campo colorado no timaço dos anos 70, Falcão não titubeia e admite que se não existisse na frente da área um roçador chamado Caçapava, ficaria muito mais difícil ele ter liberdade para atuar. No Colorado do começo dos 80, quando eu já ia ao estádio regularmente, existia um volante, um alemão que veio do Paraná e que segurava as pontas na frente da área daquele time que foi tetracampeão gaúcho e, entre outros torneios, venceu o Joan Gamper no Nou Camp lotado para ver a estréia da estrela argentina, um tal de Maradona. Pois esse alemão, Ademir Kaefer, segurava a bronca na frente área até mesmo do Dunga, que nessa época no Inter jogava com a 8 e deixava a 10 para o craque Rubén Paz. Era uma época em que os meio-campos se definiam pelos números 5-8-10. Centromédio, não era volante, meia-direita e meia-esquerda. Aquele grupo da primeira metade dos anos 80 não era ruim, mas era uma época em que já se vislumbrava a Idade Média da recente história vermelha.

Nos tenebrosos anos 90, que até começaram bem com uma conquista de Copa do Brasil e a primeira visita deles no andar de baixo, vulgo Segundona, surgiu na final contra o Fluminense um volante, quase uma cópia do Kaefer, vigoroso e que surgia como uma grande promessa. Durante os seis ou sete anos seguintes, tornou-se um símbolo, junto com o zagueiro Argel, daquele Inter que brigava para passar de fase e remava até mesmo em Gauchões. Eu chamava ele de Anderson choradeira, pois cada vez que o Inter era eliminado, e não eram poucas essas vezes, ele, envergonhado, chorava copiosamente. Muitos depois o conheceriam pelo famoso caso do pão com papoula que quase lhe custou uma suspensão por doping.

Pois o conheci por outro nome certa vez. Era um jogo qualquer da extinta Copa Sul – que depois virou Sul-Minas. Eu era sócio duma daquelas épocas que o Inter de Asmuz sorteava ingressos em raspadinhas. A torcida do Inter, mesmo que com um time miserável, depois de duas vitórias seguidas, no terceiro jogo já quase lotava o estádio. Numa dessas seqüências, me acomodei nas sociais, aonde tinha bancos, quase embaixo das cabines de rádio, e esperei pelo começo da partida. Ao meu lado, sentou-se um casal. Casais não eram presenças freqüentes nos estádios.

Diz a lenda que estádio era lugar para se levar a amante. Pois logo depois sentou do outro lado do banco um daqueles clássicos bebuns azucrinadores. Daqueles que "subornavam" o vendedor de cerveja para conseguir comprar cigarro do lado de fora do estádio. Enquanto não secava a bunda da namorada do cara do outro lado, tanto até o casal trocar de lugar, o bebum só se detinha quando Anderson tocava na bola. A torcida da social, sempre cruel e vingativa, vaiava o Anderson até em cobrança de lateral. Era o Edinho da vez. O bebum do lado, cada vez mais irado, discutia com os outros torcedores e apoiava o Anderson. Até que num lance, daquelas divididas no meio-campo, Anderson roubou a bola do adversário e deu um passe certeiro para um contra-ataque. O silêncio nas sociais só foi rompido pelas palmas do bebum, exaltado, de pé, quase em êxtase, berrando e olhando para todos à sua volta, incluindo eu que tinha virado seu "amigo" do momento:
- É o meu guri! Esse é o meu guri!

Semana passada, depois de, graças à falta de álcool no sangue, eu quase ter um troço atrás da goleira do Estudiantes na hora do gol do Nilmar e vencermos a nossa primeira Sul-Americana, me lembrei desse dia, na Copa Sul, ou Sul-Minas, quando vi o Edinho, volante, xingado, estropiado, uma camiseta feita à caneta na última hora homenageando sua cidade de origem – e eu sempre louvo aqueles que não esquecem as origens – o estereótipo do tosco num time de craques como Alex, Nilmar e D'Alessandro, levantando a taça como capitão guerreiro de um time, que apesar de não ter jogado bem o tempo todo, buscou a vitória na raça, na luta, como se fosse uma divida daquelas toscas, de Casçapava, de Ademir Kaefer, de Anderson. Naquele momento, um bebum em algum lugar do estádio deve ter se levantado, olhado para os lados, orgulhoso, e dito, vibrante e feliz:
- Esse, colorados, esse é o meu guri!

E saiu correndo do estádio porque a sede era grande.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

QUEM QUER SER QUEM?

Por Carlos Balakka (interino)


- Cena 1: Aviãozinho sobrevoando o Olímpico com a frase: ”Inter Campeão de Tudo”;
- Cena 2: Churrasco entre amigos colorados e gremistas. Alfredo chega ostentando a camiseta com a frase: ”Inter Campeão de Tudo”.

Qual a diferença entra a cena 1 e a cena 2?

É que na cena 1 aparece um imbecil dizendo que a brincadeira “incita” a violência. Violência???? Esse mesmo retardado-ex-guri-de-apartamento (são dois, na verdade) não está preocupado com o bem-estar da sociedade ou com a paz entre os maiores clubes rivais do Brasil. Está com brios feridos. Os mesmos brios feridos nos anos 90 por ofensas do tipo: “macaco, tu nunca vais ganhar de ninguém”. Ofensas estas ditas entre risadas até entre amigos. E tudo bem...Não é que um dia os macacos vão lá e ganham de todo mundo?

Pois é, a vida é assim: corneta vai, corneta vem. Títulos vão e voltam. A sofrida torcida que agüentou flauta atrás de flauta na década passada tira o instrumento da boca do adversário eterno e goza de reconhecimento mundial, apesar das esfaceladas e recalcadas opiniões gremistas. A banda agora quem rege é a macacada! E falando em banda, quem disse que queremos imitar a Geral? Não senhores! O que é isso?! Queremos distância do modelo de torcida que vocês implementaram no Rio Grande. Líderes de classe média-alta que viviam apanhando em Gre-Nal e um dia se rebelam formando uma grande torcida. Sim, admito, uma grande torcida. Mas para enfrentar a macacada necessitam de armas e um quórum muito maior de pessoas em tocaias espalhadas por Porto Alegre afora. Trinta contra um; trezentos contra trinta. Racismo e simpatizantes do nazismo. O próprio líder se rende e passa a integrar uma torcida antiga do Grêmio, com tradição e sem armas, sem preconceitos.

Nosso alvo não é o Grêmio. Nosso sonho não é ser o Grêmio. Isso porque não queremos ser rebaixados. Sonhar em ser o Grêmio é olhar para baixo, é se atirar na lama e comer a bosta dos cachorros na rua. É ter o pesadelo de qualquer clube grande, o rebaixamento, e fazer DVD da volta à primeira divisão. Ah, sim, foi com quatro a menos? Não interessa: bater em bêbado, até de mão amarrada.

Mesmo quando estávamos abaixo em títulos, nosso alvo não era alcançar o Grêmio. Nossa meta é ser o maior clube da América Latina. É muito maior. Sonhar em ser o Grêmio é se satisfazer com a mediocridade. Hoje, para alcançar o rival, é preciso cavar um buraco bem fundo e se atirar de cabeça - de preferência, com os olhos bem abertos para cegar de vez.

A corneta é livre, meus amigos. Mas quem rege a banda hoje somos nós.

Para acabar, aí vai uma historinha para pensar: O macaco se depara com a banana. Em uma situação dessas, quem quer ser quem? O macaco quer ser a banana ou a banana quer ser o macaco?

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

QUINZE SEGUNDOS

Por Daniel Ricci Araújo


Vive-se uma vida em um minuto.
Mais de metade de La Plata encontra-se aferrada à goleira de Figueroa, defendendo-a com unhas e dentes. Trinta e oito anos após sua última conquista, milhares de fanáticos do Estudiantes, vivos, mortos e recém-nascidos acotovelam-se perante a meta do raio de sol de 1975 com a tenacidade de uma falange espartana. Sua presença nos desesperançava e já ofendia aquela entidade lendária do Inter: não haveria rastro de luz a nos guiar na escuridão da noite? Os argentinos estão firmes. Duríssima, a coisa. Calma! A bola sabe de si. Ah, sabe sim. Olha lá, vai ser agora.

O Inter respingava todas as gotas de suor, de sangue e de tudo mais que se pudesse esguichar pelo poros. O clima era quente e úmido, e a massa estrepitava. Agonia. De não mais acabar. De desesperar. De cada vez mais fazer morrer, a cada minuto que passava, pela ponta das chuteiras argentinas, a esperança da taça aos pés da goleira de Figueroa. Drama: Taison cava um escanteio maroto. D'Alessandro, o argentino fundamental e inesgotável, acena para a área, coloca-se e cobra.

A bola viaja.
Empurrada pelo pé esquerdo do castelhano, a bola faz-se esperança pelo ar. Da marca de escanteio até a glória do grito de gol e o choro de emoção, lá vai ela. Vá junto, colorado. Pelo mesmo ar que Valdomiro remeteu ao Capitão dos Andes a cabeçada do primeiro de tantos títulos, lá vai a bola pelo caminhos aéreos do Beira-Rio: santos lugares, esses todos. E lá vai ela. E vai. Levitando. Planando. Sobrevoando o bico da área com a singeleza de quem espera encontrar uma cabeça colorada para arremessá-la com fúria rumo ao gol. O estádio vibra e sofre, mas a bola quer entregar-se à massa. A bola parece já saber seu destino. E, por isso, levita. Plana. Voa. Passa pela ponta da social e chega às primeiras barras da Guarda, e por ali começa a cair: santos lugares, esses todos. E lá vai ela. Acelera. Oscila. E pára. E desce. E pede a rede, o gol, o grito da massa.

A bola está na área.
E dentro de seu habitat, ela já está decidida. Em poucos segundos, Nilmar fará o gol responsável por fazer como que explodir o Beira-Rio em um som celestial e abafado, que se iniciará na Padre Cacique e irá transcorrendo as ruas e bairros da cidade anunciando a boa nova, o agônico gol do Inter, o único campeonato que faltava. E como eu dizia, ainda voando, a bola começa a desejar descer. E desce. E cai. E despenca. E aterrissa intencionalmente na cabeça de Danny Moraes, que desfere com a testa uma patada quase cósmica e seguramente já lendária, abrindo com aquele seu gesto quase a mesma página do álbum no qual Figueroa escrevera, com a tinta eterna do solitário raio de luz, o primeiro grande verso da vida do Inter. A bola arremessa-se rumo ao gol. O goleiro argentino, atento. Vai na bola, voa nela. Defende a danada. Que calor. Bola marota, mas decidida, sempre ela, rápida e teimosa, o estádio inteiro tem sede, não dá nem tempo de respirar. A retina petrificada, a garganta seca como que de supetão. Noite quente, falta pouco, pára relógio, cadê o gol que não sai? Cinqüenta mil gargantas secas e cansadas já não separam mais as vírgulas dos pontos, a gana do desespero. Dá no goleiro, dá na trave, volta, tudo é rápido, muito rápido, quase não se vê, Nery bate, o goleiro defende de novo, mas que barbaridade, e a massa sofrida sofre e xinga, e resmunga, entra essa bola pelo amor de Deus! Olha lá aquele senhor chorando, parece que vai morrer! Entra, bola. Entra duma vez. Marota. Danada. Pica na linha. Sobra na grama. Chuta, chuta, pelo amor de Deus. O estádio agora congela. Santos lugares, esses todos. Um choque. Câmera lenta. Engole a saliva. É agora. E então a bola cai no pé de Nilmar.

Entre a perna do grande atacante e a felicidade da massa, uma bola, dez centímetros e quinze canelas falando espanhol entre si. Durante todo o jogo, as armadilhas do Estudiantes tinham dado resultado. Carrinho, catimba, como joga esse Verón, foi pênalti pra nós ali, seu juiz, não viu? Marca, marca Bolívar. Olha que esse gol anulado deles, não sei, não... Deixaram o argentino livre e ele estufou a rede. Tchê, como gritam os castelhanos – não tá na hora de entrar o Taison? Era tanta coisa entre nós e a taça que alguns já implicavam: não ia dar. Rebobina, passa tudo pela cabeça. Câmera lenta. É agora. E se for pra pênalti, como vai ser? O Lauro é bom de pênalti, pai? Que nada, meu filho, olha o escanteio, é agora. O estádio inteiro olha para o mesmo ponto e pensa várias coisas ao mesmo tempo. A bola está no pé de Nilmar, que pensa uma só: é gol. O gol é fácil, impossível errar: irônico. Ironias do futebol: todas as dificuldades do jogo acabam com dois argentinos deitados sobre a linha da meta, Nilmar de pé com a bola e a rede escancarada, pedindo o chute. Bate, Nilmar. Só escora. Não é hora de brincar. Só escora. Pé esquerdo nela. Toquezinho: lindo! A bola viaja. Bem pouquinho, chutezinho de brincar com criança. A bola viaja. É gol do Inter. O estádio explode: se ouve na Bento, na Borges, no Morro da TV, no Campus do Vale, na Sertório, em La Plata, em Uruguaiana, em Tramandaí. Que barulho é esse, pai? É gol do Inter, guri!

A bola, agora, descansa dentro do gol. Nilmar corre, o mundo corre atrás dele. O Beira-Rio está iluminado como uma estrela reluzente no firmamento mais distante. O Beira-Rio resplandece e a torcida é feliz, sonora e emotivamente feliz. Quanto tempo se passou, alguém sabe? O urro seco da massa é ouvido pela América inteira, em bom português. Orgulho! A bola já sabia de tudo. Quietinha, dentro da rede, ela também assiste à festa. Vive-se uma vida em um minuto? Até mais. Mas para ser feliz, esses quinze segundos bastam. Quanto falta pra acabar? Acho que agora ele pede a bola. Câmera lenta. Engole a saliva. É agora. Terminou! A massa precipita-se em festa, o concreto do Beira-Rio parece que fala. A calmaria da grama, daqui em diante, guarda o silêncio da partida vencida. A alegria estalava pelo ar: santos lugares, esses todos. E a bola, agora esquecida, olhava tudo. De soslaio. Quieta e feliz.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

MORTO NA PRAIA

Por Andreas Müller

Que os queridos leitores me perdoem pela falta de originalidade. Mas desde o final do primeiro turno eu vinha desejando escrever uma coluna exatamente assim, com o título acima e o texto abaixo:

Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável.
Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável.
Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável.
Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável.
Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável.
Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável.
Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável.
Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável. Inacreditável.

Ina... Ina... Ina... Ina... Ina... Ina... Ina... Ina... Ina... Inacreditável!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

RUMO A MARTE

Por Thiago Marimon

Não foi Nilmar quem botou aquela bola para dentro aos oito minutos do segundo tempo da prorrogação. Fui eu. Eu e tu. É bem verdade que esta Sula começou tímida. O início da competição foi tranqüilo, contra times de menor expressão. Apenas a partir do empate sem gols contra os universitários chilenos que realmente a coisa esquentou. Era chegado o momento de separar os homens dos aflitos, a hora da verdade. O adversário não poderia ser melhor. O temido – e outrora idolatrado – Boca Juniors. Porém, sem muitas delongas atropelamos os xeneizes, com duas vitórias e uma festa em plena Bombonera, avançamos às semifinais. Surgiram então as Cabritas. Ainda no México, mostramos para a torcida que se intitula a segunda maior do mundo, a força do Sport Club Internacional. Após bater os mexicanos por 2x0, o jogo de volta foi apenas para cumprir tabela. Bem cumprida, aliás. Quatro gols e um vareio contra o Chivas. É chegada a final. A primeira final brasileira da competição. Mais um confronto entre o Rio Grande e a Argentina. Primeiro jogo em La Plata, contra o Estudiantes. Clube que se vangloriava de não perder em seus domínios há 43 jogos. Pois é, perdeu. Com um gol de vantagem, e aquele gosto de que cabia mais, deixamos as terras portenhas e desembarcamos em Porto Alegre, quarta feira, 03 de dezembro de 2008.

O adversário honrou sua tradição. Sabíamos que um time Campeão Intercontinental jamais tomaria cinco gols em uma final de torneio sul-americano. O jogo não seria fácil. O rival em momento algum jogou a toalha frente ao placar desfavorável, bem pelo contrário, demonstrou um legítimo futebol argentino. Não foi um jogo bonito, vimos um futebol aguerrido, de força, catimba e, principalmente, paciência. E foi assim, com paciência, que orquestrados por La Bruja os hermanos abriram o placar. Aos 20 minutos do segundo tempo o mar vermelho transbordava de angústia e esperança. Nós sabíamos que o título era nosso, só não sabíamos quando chegaria.

Vem então a prorrogação. A hora de definitivamente entrarmos em campo. O Edinho já disse que a taça é dele, Lauro já afirmou que aquele seria seu cartão de visitas. Temos então que fazer a nossa parte. Quando Danny Morais cabeceou e o goleiro Andújar fez o segundo milagre da noite, a bola sobrou nos pés de Gustavo Nery, que chutou para o gol. Após nova defesa do goleiro a bola sobrou exatamente onde nós estávamos, para, através dos pés de Nilmar, empurramos aquela bola para o fundo das redes, e fazer do Colorado o clube mais Internacional do Brasil. A força do futebol argentino foi suplantada pelo poder do Gigante. Seja através do telão da churrascaria, da telinha do blog, ou das arquibancadas do melhor lugar do mundo para se estar na quarta à noite, nós empurramos aquela bola para dentro.

Ao levantar a Taça, Edinho encerrou um ciclo de conquistas. O quinto título internacional em três anos. Libertadores, Mundial, Recopa, Dubai e Sul-americana. Quem tiver um cartel desses que se apresente. Pelo terceiro ano consecutivo, a única conquista internacional trazida para terras tupiniquins vem através do clube que ganhou tudo que aqueles que se dizem grandes devem conquistar.

Campeões comemoram títulos. Flanelinhas comemoram vagas. Cada louco com a sua mania. E eu, ainda embriagado desta loucura, lhes desejo uma boa viagem.

Nos vemos em Marte, aqui na Terra não temos mais o que conquistar.Nunca me esquecerei dos dias que passei contigo, Inter. CAMPEÃO DE TUDO...

Saudações Coloradas!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

EU NASCI HÁ QUASE CEM ANOS ATRÁS

Por Marcelo Benvenutti

Composição: Paulo Coelho / Raul Seixas - Marcelo Benvenutti Reloaded

– "Um dia, numa rua da cidade
Eu vi um velhinho
Sentado na calçada
Com uma camiseta vermelha surrada
E uma viola na mão
O povo parou pra ouvir
Ele agradeceu as moedas
E cantou essa música
Que contava uma história
Que era mais ou menos assim:

"Eu nasci!
Há quase cem anos atrás
Sou campeão desse mundo
E de muito mais ...(2x)

Eu vi Edinho ser crucificado
E renascer pra ficar eternizadado
Eu vi os otomanos pegando fogo
Prá pagarem seus pecados
Eu vi!...

Eu vi Pedro Iarley
Cruzar o Mar Vermelho
Vi D'Alessandro
Cair na terra de joelhos
Eu vi Tite negar ser gremista
Por três vezes
Diante do espelho
Eu vi!...

Eu nasci! (Eu nasci!)
Há quase cem anos atrás
(Eu nasci há quase cem anos!)
Sou campeão desse mundo
E de muito mais...(2x)

Eu vi o Inter
Estraçalhar o Barça
Vi o Boca Juniors
Ser riscado no mapa
Vi o grande Álvaro
Sugando sangue novo
E se escondendo atrás da taça
Eu vi!...

Eu vi os pés de Alex
Driblando calcanhares
Vi Fernandão cabecear
Seus gols pelos ares
Eu vi Índio invadir
Muitas áreas pra fazer festa
No lombo dos adversários
Eu vi!...

Eu nasci! (Eu nasci!)
Há quase cem anos atrás
(Eu nasci há quase cem anos!)
Sou campeão desse mundo
E de muito mais...(2x)

Eu vi a torcida
Que cantava com muita garra
Quando o Inter
Ganhou os jogos na marra
Vi o colorado
Que sonhava com mais taças
Estourando outra champanha
Eu vi!

Eu vi os eternos gols
Sagrados de Valdomiro
Eu fui Carlitos pra
Poder golear os pijamas
Quando todos
Praguejavam contra o Inter
Eu vibrei com mais façanhas...

Eu nasci! (Eu nasci!)
Há quase cem anos atrás
(Eu nasci há quase cem anos atrás!)
Sou campeão desse mundo
E de muito mais...(2x)

Não! Não!
Eu tava junto
Com os malucos na Popular
Eu bebi vinho
Com as mulheres lá do bar
E quando a bola
Estourou na goleira
Eu quase quebrei a perna
De tanto pular
Eu também...

Eu fui testemunha
Das defesas de Taffarel
Eu vi a estrela colorada
Brilhar no céu
E praquele que provar
Que eu tô mentindo
Eu dou o meu troféu...

Eu nasci! (Eu nasci!)
Há quase cem anos atrás
(Eu nasci há quase cem anos atrás!)
Sou campeão desse mundo
E de muito mais ...(3x)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

NADA ME IMPORTA

Por Gustavo Foster

Às vezes eu gosto de pensar no passado. Não que o meu passado seja muito longínquo (hoje vi crianças jogando bola, e elas tinham nascido depois do atentado às torres gêmeas - nada mais me abala), mas algumas coisas mudaram. Me refiro a dez, onze anos atrás. Anos 90, essa é a minha época. Sessão da Tarde passava Esqueceram de Mim, o Gugu levava os Mamonas Assassinas no Sabadão, o Edílson e o Paulo Nunes faziam todo mundo assistir um clássico que hoje não tem já mais muita graça e o Inter planejava sempre o Gauchão do próximo ano.

Fase feia, aquela. E eu ali, tendo que escolher. Família inteira colorada. No aniversário era camiseta, bola, meião, lençol, toalha do Inter. O time em campo só piorava: passei minha primeira década futebolística sem ganhar absolutamente nada além de Gauchão. Lembro uma vez que ganhamos um torneio internacional com zero de expressão e eu tinha aula na manhã seguinte. O jogo rolou na madrugada e eu fiquei escondido, só no radinho. "Esse jogo não serve pra nada, vai dormir que amanhã tem aula". Quando acabou, deixei escapar um grito de felicidade, que se juntou a outro, vindo do quarto dos meus pais. Não servia pra nada, mas era o que a gente tinha.

Mas nunca me forçaram – ao menos não diretamente – a torcer pra ninguém. Me falavam do Falcão, me falavam das glórias de 70, me falavam de Minelli, Ênio Andrade e Tesourinha e eu não fazia idéia do que era aquilo. Nem da Copa do Brasil de 92 eu lembrava. Mas eu continuava indo no Beira-Rio com o meu pai – obrigado, pai –, via o Inter ganhar algumas, perder mais várias. Lembro de dois fatos que marcaram meu coloradismo infantil. Quem nunca fez escolinha de futebol? Eu fiz. Digamos que fossem 20 crianças, ali: cinco eram coloradas e quinze gremistas. Um dia aconteceu o grande derby estudantil – Grenal na escolinha de futebol – e não tinha gente pra jogar no Inter. A Azenha praticamente se instalou no campo de grama sintética. Nós não tínhamos nem quatro na linha, que fosse. Eles contavam com massagista mirim, roupeiro fraldinha, psicológico precoce e terceiros reservas de 7 anos. O Grenal aconteceu. Chamamos até o caixa do bar da esquina pro nosso time, mas aconteceu. Cheguei no carro, contei isso e admito: foi a vez que balancei. Falei que tava difícil, no colégio era só piadinha, por que a gente tá tão mal? Lembro que a resposta tinha algo a ver com "futuro".

Por isso, muitos colorados atuais passaram, internamente. Separados, solitários, tentaram negar o amor. Amaldiçoaram o coração irreversivelmente vermelho. Praguejaram contra a alma, tentaram desvencilhar-se, mas a luta contra si mesmo foi inútil. Mas passamos por mais: lembro da noite 1999, final do Campeonato Brasileiro, luta contra a praga do rebaixamento. Tomávamos um laço em casa, iríamos para a segundona, eu não podia acreditar. Tinha nove anos e chorava, pela primeira vez, na arquibancada do Gigante da Beira-Rio. Sempre que me lembro dessa noite, penso que estava na Inferior, mas agora lembrei da imagem, e me pareceu ser a Superior. O certo é que, abraçado com meu pai – sempre ele -, eu chorava. Já havia comemorado, dormido, xingado, gritado, mas chorar era algo que eu nunca havia feito. Naquela noite, o fiz.

Rebaixamento não era a nossa cara, aquilo não podia estar acontecendo. Foi quando Celso – e como eu odiava aquele Celso! – bateu aquela falta na cabeça do mestre absoluto Dunga. Durante uns bons 5 segundos, não entendi o que acontecia. Impedimento? Gol do Celso? Quê, anularam o gol? Deu pênalti? Estávamos escapando. Ainda teve aquele lance do Pena, mas alguém quer lembrar daquilo? Gosto sempre de me certificar que, de fato, o jogo já acabou: 1999 já passou.
E agora querem me dizer que a Sulamericana não vale nada.

Nunca na minha vida não vou sentir orgulho de ganhar um título. Pra mim nada do que dizem importa: não me importa que o Inter seja o primeiro brasileiro a ganhar o campeonato. Não me importa que estejamos chegando ao topo da América, sendo o único a ganhar tudo possível. Não me importa que ganhemos de Verón, Riquelme, Astrada, Palermo, Tcheco e Perea. Isso é que o menos interessa. Menos ainda me interessam as provocações. Segundona da América, competição que não leva a nada, jogos que ninguém leva a sério, só times reservas, o Boca não queria ganhar, Paulo Odone comemorou a desclassificação. Tudo só mostra que ninguém é indiferente. Quem pode ganhar, valoriza. Quem já não tem mais chances, desdenha. Previsível, nada impressionante. Como eu disse no começo, gosto de pensar no passado. Gosto de evoluir, gosto de crescer. Todos os fatores que nos fazem aparecer em quatrocentos mil países, trezentos e quinze jornais e duzentos e catorze sites apenas mostram como crescemos como time, como clube, como torcida. Olhando para trás, lembro de Christian, André, Fabiano, Enciso, Fernando, Anderson, de todos aqueles que cogitaram trocar de time graças a provocações no colégio, que ficaram roucos seja xingando o Marcelo ou idolatrando o Lúgio, que ficaram roucos seja xingando o Marcelo ou idolatrando o Lingando o Marcelo, vibraram quando o Lgiuube, como torcida. Vcio, que levaram o cinco a dois de 97 como argumento-mór para discussões e que, na década seguinte, viram o jogo virar.

Então não me digam que ganhar a Copa Sulamericana não vale nada. Amanhã, caso o Edinho levante a taça, eu vou comemorar lembrando do passado. E feliz, muito feliz, por um presente que todos nós ajudamos a acontecer, no qual reclamamos do uniforme com muitas estrelas e consideramos um ano em que botamos três faixas no peito mediano. Nada me importa: comemorarei, e muito.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

MEU CARO RENATO GAÚCHO

Por Daniel Ricci Araújo

Meu caro Renato Gaúcho,
veja bem: meu intuito é de paz. Sabendo de sua midiática fama de briguento-fiasquento-marrento-mor, não seria minha intenção provocá-lo sorrateiramente no melhor estilo "sai-daí-seu-gaúcho-frustrado-que-queria-ser-carioca" (ops, escapuliu). Não, de maneira alguma, meu caro Renato Gaúcho: o momento é de decisão em todas as instâncias, quarta e domingo, e decisões requerem seriedade e diálogo. Meu apelo ao senhor é meramente pragmático (estou chamando-o protocolarmente de "senhor", seu... ops, quase escapuliu de novo) e baseado em fatos comprovados.

Então, vamos lá. Caro Renato Gaúcho, aqui vai a verdade absoluta: na quarta e no domingo próximos, o senhor precisa de novo torcer contra o Inter. Precisa. De qualquer jeito, como a planta precisa d'água, o Inter precisa do seu mau agouro. E explico o porquê, claro.
Ora, o mundo conhece sua declaração no fim de 2006, referindo o fato de que torceria para o Barcelona na notável decisão do único e inigualável Mundial FIFA. E óbvio, tão óbvio quanto dois mais dois são quatro, o resultado final da sua torcida (e a dos outros secadores da província) todos sabemos. Assim, queremos manter intacta a mística, a cabala, a ressonância da sua trompeta, que no mais simbolizará outra vez a torcida de todos os seus contra nós. Seque muito, seque em quantidades industriais, seque cavalarmente o Inter nesta quarta-feira, Renato.

Seque como em dezembro de 2006, eu suplico. A histórica vitória em La Plata, com um a menos, é pouco perto do estrago que o senhor poderia fazer ao mudar de idéia e torcer por nós, disfarçado talvez por alguma falsa e premeditada ânsia de ver o "futebol brasileiro" vencer. Nada disso, senhor Renato, nada de "futebol brasileiro". Quarta, quero vê-lo dizendo "sou Estudiantes desde criancinha". Temos um acordo? Bom, muito bom, meu caro Renato.

Mas vamos e venhamos. Não é só por causa da sua secação espontânea e mal acabada de 2006 que eu lhe peço este favor. Não. Note, note bem, com a necessária humildade (o significado da palavra "humildade" está no dicionário, meu caro Renato, caso o senhor não se lembre) – todas as suas incursões no mundo do futebol neste ano da graça de 2008 acabaram em tragédia. Sim, ó tragicômico Renato Gaúcho: o senhor está atualmente vestido como uma espécie de Genghis Khan futebolístico às avessas – por onde passa, não sobra nem a grama, e sendo assim eu naturalmente não o quero a meu lado.

Qualquer treinador, após proporcionar um Maracanazo clubístico como o patrocinado pelo seu Fluminense contra a LDU, certamente entraria em recesso moral e espiritual por, no mínimo, duas reencarnações. Mas o senhor, não. Ah, não! Após o seu trabalho, o Tricolor carioca precisou de dois técnicos para restabelecer-se, mas mesmo assim, com a fibra própria dos audazes e o ego mais espalhafatoso do que os óculos de sol que usa nas entrevistas, as suas loucas aventuras no Brasileirão (nomeemos assim) continuaram animadas e emocionantes, mas agora pilotando o leme do malfadado Vasco da Gama. Resultado? Um quase-rebaixamento às portas.

Impressionante, ó grande satírico Renato Gaúcho. Em menos de doze meses, o senhor construiu um currículo abissal, apocalíptico e empolgante, apto a derrubar de inveja qualquer ex-treinador do Íbis solto por aí.

Mas vejamos agora o ponto nodal, o "ground zero" de tudo. De quem o senhor mais precisará no próximo domingo para evitar o referido descenso cruzmaltino? Do seu Flamengo de outras eras? Talvez. Do Fluminense, do título improvável com gol de barriga em 95? Do Botafogo? Do Cruzeiro? Não. O senhor, desgraçadamente, injustamente, lamentavelmente estará nas mãos do Sport Club Internacional, aquele pelo qual o senhor disse na televisão, em 2006, que torceria contra para fazer média – legitimamente, confesso – com os seus.

E sendo assim, se quando o senhor torce contra o Inter temos vencido rotunda e gloriosamente, o que posso dizer? Simples: se mudar agora, o seu rebaixamento já está decretado. O senhor precisará preservar sua vontade de sempre: quarta, ponha a camisa do Estudiantes; domingo, por mais paradoxal que seja, vista a do Figueirense. Só assim há esperança para o Vasco. E não tente nos enganar, senhor Renato... Torça por duas derrotas coloradas, sim ou sim! Faça como estamos dizendo, ou as conseqüências serão terríveis! Terríveis!

E para isso, o senhor está já obrigado a vestir desde a quarta de manhã o traje do Estudiantes, o qual estou mandando-lhe junto com esta carta. Insisto, use-o sem rodeios. E repito: não tente nos enganar, certo, meu caro Renato? Ou as conseqüências (o senhor e os seus já sabem, nunca é demais repetir) serão terríveis. Terríveis!

Vestiu, né? Viu só? Até que o senhor não fica tão mal assim de vermelho e branco! Mas nem pense em se acostumar, certo? Nada de virar casada nessa idade! Queremos o senhor sempre torcendo contra. Dessa vez é até para o seu próprio bem, seu Renato! Viu como somos bonzinhos?

É que o senhor talvez nem suspeite, mas o seu mau olhado nos dá uma sorte danada!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

FALCÃO TEM CORAÇÃO

Por Andreas Müller

A história que vou contar agora eu não vi. Foi-me relatada pelo Sérgio Bottini Jr., um grande amigo que teve o privilégio de estar no Ciudad de La Plata na última quarta-feira, quando o Internacional bateu o Estudiantes por 1 x 0.

O jogo já havia terminado. Nas arquibancadas, cerca de mil colorados esperavam pela liberação da polícia argentina para ir embora – coisa que só ocorreria depois que toda a torcida do Estudiantes se retirasse. A espera não foi muito longa. Todos faziam festa, tiravam fotos, falavam ao telefone e cantavam e se abraçavam depois de mais uma apresentação histórica do Inter nas distantes plagas da Argentina. Enquanto isso, as equipes de TV, incluindo-se aí as brasileiras, tratavam de desmontar seus aparatos e ir embora, sem qualquer tipo de restrição da polícia. Tudo como manda o script. Tudo nos conformes.

De repente, surgiram no corredor das equipes de TV duas personalidades conhecidíssimas da torcida colorada. Galvão Bueno, o narrador da Globo, e Falcão, o mito do Inter, caminhavam calma e tranqüilamente ao lado da torcida, conversando entre si, aparentemente alheios à algazarra colorada. É claro que suas presenças não passaram despercebidas. Imediatamente, a turba alvi-rubra entoou uma saudação já tradicional nos estádios do Brasil inteiro:
– Galvão, veado! Galvão, veado!...

Injustiça, é claro. Em língua portuguesa, ninguém narrou com mais emoção e potência o gol de Gabiru quanto Galvão “Olha o gol! Olha o gol!” Bueno. Ele próprio sabe disso. Tanto, que reagiu com bom-humor à ofensiva. Diante da multidão, ele ergueu os braços como se perguntasse: “Pô, mas por que isso?”. O recado foi entendido e a injustiça, desfeita. Sem demora, um pequeno grupo de colorados ensaiou uma reverência a Galvão Bueno. O resto silenciou. Até que, finalmente, alguém fez o óbvio: exaltou Falcão. Em poucos segundos, ecoava pelas arquibancadas do Ciudad de La Plata a velha canção que salva Bodinho, Dom Elias e também Falcão.

Falcão, convenhamos, sempre foi um herói meio blasé na história do Inter. É colorado, disso todos sabem, mas não faz o estilo torcedor apaixonado. Ao contrário: muitas vezes, parece ser um “neutro”, um craque sem cores clubísticas, sempre avesso a provocações, cornetas e, principalmente, a demonstrações de afeto à nação colorada. Verdade seja dita: Falcão, o gentleman colorado, é a antítese completa de Renato Gaúcho, o falastrão tricolor.

Mas desta vez Falcão não se conteve.

Ao ver a multidão evocando seu nome, o maior volante da história do futebol brasileiro parou. Abriu um sorriso emocionado, cerrou os punhos e começou a comemorar junto com os meros mortais que se espremiam a sua frente. Comemorou com devoção, as mãos fechadas sobre o peito, os tendões saltando-lhe dos braços, o olhar abalado pela alegria. Há quase 30 anos Falcão não se entregava tão vorazmente à paixão colorada. Ali, na frente de pouco mais de mil torcedores, foi como se ele comemorasse novamente aquele gol antológico contra o Atlético Mineiro – aquele das tabelinhas com Escurinho. Aliás, reveja a foto daquela comemoração: você perceberá que os pés da Falcão não tocam o gramado...

Entusiasmada, a torcida começou a jogar camisetas para o ídolo. As camisetas voavam de todos os lados e caíam no chão, algumas mais perto, outras mais longe. Galvão Bueno, numa demonstração tocante de humildade, encarregou-se de juntá-las, uma a uma. Tal como um assistente, o narrador da Globo foi entregando as camisetas para Falcão, que as autografava e as jogava de volta para a torcida.

A história que eu contei eu não vi. Mas ouçam o que eu digo: aparências à parte, Falcão é um colorado como todos nós. Um colorado que tem coração.

sábado, 29 de novembro de 2008

REVOLUÇÃO

Por Raphael Castro

É bom que se preste atenção: o Inter está mudando. Tudo leva a crer que está em andamento um plano meticuloso, contínuo e resoluto de inserção do clube no cenário mundial. Ainda lembro da estupenda "Síndrome do Mampituba", uma enormidade hoje tão fora de moda quanto gritar "é campeão" para nossos colegas lá dos aflitos; não há colorado atualmente que ainda duvide da capacidade do Inter de fazer bonito numa competição fora do Brasil – preservadas, evidentemente, certas premissas inevitáveis, como planejamento e boa gestão de futebol: este, aliás, é o binômio que faz a diferença em qualquer lugar, seja no Morumbi ou no Menino Deus...

Business

Pois é, a "coisificação" da paixão clubística não deixa mais qualquer espaço para erros gerenciais e administrações amadoras; hoje em dia, a auto-estima da torcida gera dividendos e garante o caixa do clube. Os títulos viram grana, que viram contratações, que viram títulos, que viram público, que vira mais grana, que vira mais contratações, que viram mais títulos, e assim por diante. Só que para isso o planejamento deve ser nipônico, cirúrgico, intransigente; um clube que permite a feudalização do vestiário, o desleixo na preparação física ou a inapetência da comissão técnica não vai absolutamente a lugar nenhum.

Por exemplo...

Vejam o São Paulo. Já falei aqui do São Paulo, como vem falando toda a imprensa ultimamente. Não é por acaso que eles vêm chegando na ponta nos últimos três anos, em que pese a freguesia para times do Sul (já disse a amigos que para ganhar deles é fácil, basta jogar de bombacha): o clube paulista simplesmente tem a melhor diretoria do país, Juvenal Juvêncio é quase um feiticeiro. O fato é que, a despeito de seu retrospecto meridional, os comandados de Muricy simplesmente tiraram 11 (!!) pontos de diferença do vice na classificação geral, livrando agora oceânicos 5 (!!) pontos de vantagem para o segundo lugar. Ou seja, inacreditáveis 16 (!!!!!!!) pontos; tá, tá, falei mesmo para rebater preventivamente os espertinhos que viessem me amolar com aquela história de "eles não ganham mata-mata". Tá bom, eles não ganham mata-mata, eles não usam black-tie, eles não usam bidê, grande coisa...na lógica negocial de hoje, a mera visibilidade vale quase tanto quanto o próprio título.

Adiante

O que eu disse é que, havendo uma "linha mestra" da condução do (futebol no) clube, como acho que só o São Paulo no Brasil atualmente tem, a coruja fica significativamente mais pelada. Os paulistas já perceberam de velhos que a Libertadores não vale apenas pelo título, ela é fundamental para manter o time nos holofotes e para, mercantilistamente, ganhar dinheiro. Para isso, eles se organizam enfaticamente, e talvez o único time que tenha lugar tão cativo na Copa quanto eles seja só o Boca – o que, convenhamos, não é pouco. Por isso é que, como já tive a oportunidade de dizer aqui, acho que um eventual título na Sul-Americana, mais até do que a própria taça, termina sendo importante: qual é o preço do retorno, em imagem, do D’Alessandro falando maravilhas do Inter na Argentina? Qual é o valor do Olé e da ESPN dizerem que os colorados isso, os colorados aquilo? O que valem as imagens dos torcedores fazendo festa viajando pelas TVs do mundo todo...?

Pontofinalizando

Por essas e por outras, quero e muito que ganhemos essa "Sula". Ela dá traquejo, dá cancha, dá liga, dá um certo prestígio e dá retorno. E isto tudo remete exatamente ao círculo virtuoso apontado lá em cima. Enquanto nos chamam de loucos por investir milhões em um jogador, digo que fazemos isso por um motivo muito simples: porque podemos. Uma dose de arrojo competente na escolha de uma "super figura" (ou duas) pode ser absolutamente lucrativo para o clube e para a torcida. Estamos – ou podemos estar - entrando numa era de sustentabilidade inédita para o clube: bons jogadores, títulos, público e sucesso, tudo devendo ser regiamente cimentado por uma diretoria inteligente, sempre. É, não se iludam, diletos(as) leitores(as), o Inter está mudando...

Tópicas: a propósito...

Tenho ouvido falar muito de "porta da frente" nos últimos dias: serve uma aberta pelo Inter lá na década de 90? (como diria o meu modesto, humilde, realista e sincero avô, S.Assis P.Ererê, "a porta da frente é a serventia dos bobos...").

Tópicas 2: perguntinha

Estando na mesma situação, não aceitariam por acaso os nossos amigos do lado de lá uma eventual vaga presenteada pela Conmebol? Se por hipótese ficarem em quinto lugar e lhes vier uma vaga em razão da exclusão dos peruanos, dirão eles "não" a tão abjeta situação? Trata-se de um novo paradigma ético, o "homo aflitus"...

Bem, caros leitores, por enquanto é só isso – e ponto final.

Fui (e não a pé).

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

ONDE NINGUÉM FOI

Por Thiago Marimon


Quando Guiña tomou aquele cartão bobo, logo aos cinco minutos de jogo, eu reclamei, "isso não se faz". Mas quando, vinte minutos mais tarde, ele foi expulso, eu apenas suspirei... "complicou, vão recuar". O árbitro exagerou, mas o Cholo abusou da sorte, e se deu mal. Sim, ele também erra, pois, mesmo que não pareça, ele é humano. Neste momento complicado do jogo a turma do desespero já aceitava perder por "apenas" 2x0. Eu só pedia que não esquecessem do Nilmar sozinho lá na frente.

Ainda estávamos no primeiro tempo e nosso solitário atacante já roubava bolas na defesa do Inter, chamando o jogo, buscando curar-se da depressão que o reiterado isolamento lhe causa. Ele precisa da bola, a bola precisa dele e nós precisamos de gols. Após um passe açucarado, Nilmar finalmente a encontra em seu habitat natural, o ataque. É quase uma covardia botá-lo para correr ao lado de Desábato... enquanto nosso querido ex-detento atropela Nilmar dentro da área, D’Ale cerra os punhos comemorando. É pênalti, é gol do Inter. Aliás, é duas vezes gol do Inter, e, se fosse necessário que Alex cobrasse a penalidade dez vezes, Porto Alegre ouviria dez comemorações, tamanha a frieza e categoria de nosso pop-star frente ao goleiro portenho.

Estava assim construído o placar que nos coloca a um passo de, pelo segundo ano consecutivo, ser o único clube brasileiro a conquistar um título internacional. Desta vez de forma invicta.
Tite acertou a defesa, se por escolha tática ou imposição das circunstâncias, não me importa. Embora tenha contado com a sorte de ver cair do céu um zagueiro da estirpe de Álvaro, além de, finalmente, poder contar com um goleiro discreto, a tranqüilidade de nosso sistema defensivo, é inegável mérito do criticado treinador. Esta solidez defensiva, somada a mais perfeita harmonia entre o trio Alex, Nilmar e D’Ale nos dão hoje a nítida proporção do que jogamos fora este ano.

Para sorte dos rivais, mais uma vez, o time se ajeita ao final da temporada. Deixamos a Batalha de La Plata com aquele gosto de "cabia mais", seja pela bola na trave de D’Ale, ou pelo impedimento escancaradamente mal marcado quando Nilmar pintava sozinho com o goleiro. Está acabada a seqüência do Estudiantes de 43 jogos sem derrota em seus domínios. Se um clube é feito de títulos, esse caneco cairá muito bem em nossa sala de troféus. E pensar que teve gente comemorando a desclassificação prematura.

Quarta feira será dia de festa na aldeia. Sim, o Rio Grande vai poder comemorar algo neste segundo semestre, o terceiro título do ano, o terceiro título do Inter. Seguimos flertando com a Sula, a um passo de ir onde ninguém foi.

Saudações Coloradas.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

UM TIME DO C******

Por Marcelo Benvenutti


Nos dias que antecederam a partida, Guiñazu declarou que o jogo seria uma guerra. Os jogadores colorados, depois das entrevistas na beirada do campo, esperavam o Estudiantes entrar em campo. Álvaro, tal como o gladiador de Russel Crowe, acrocado, arrancou pedaço da grama, espremeu e cheirou. Guiñazu estava certo. O Inter não estava entrando com 11 jogadores em campo. Eram 11 gladiadores numa arena vermelha de futebol e desejo. A noite senegalesca aproximava o ar de La Plata ao das arenas de homens contra bestas no mundo antigo. O que se veria dali em diante seria mais que uma partida de futebol. Seria a luta encarniçada entre peleadores de espada curta jogando as feras argentinas contra suas próprias redes.
Envenenando-as com seu próprio licor de ódio e purgando décadas de petulância castelhana.

Pois a partida começou como deveria ser. Como todos nós esperávamos que fosse. Encardida. Ranheta. Pegada. Os argentinos que tanto se gabam da garra, da raça, da luta, partiram para cima, mesmo que sem eficiência, do Internacional. A torcida do Estudiantes, que não assistia a seu time chegar a uma final continental desde 1971, apelava para mística copeira que entoa em seus delírios. Verón é um monstro querendo assombrar os brasileiros. Tudo na Argentina é sagrado. Estudiantes não perdeu os últimos 43 jogos em casa, dizem. Diziam isso do Boca. Diziam isso do São Paulo em 2006. Dizer é muito fácil. Quero ver é fazer. Aos 5 minutos de jogo, Guiñazu faz. Talvez o Cholo tenha visto alguns vídeos antigos, da década de 1970, do Internacional. Talvez tenha lido em algum recorte de jornal que lhe mostraram. Figueroa dizia que, pra mostrar força e mandar respeito, o marcador devia dar uma pancada logo nos 5 minutos iniciais. Sábias palavras, Figueroa. Mas não nos dias de hoje. Guiña mandou ver aos 5 e aos 25 minutos atropelou o fantasma Verón. A besta estava no chão. E o gladiador foi expulso de campo. Foi, como conta aquela velha piada gaudéria, daí que começou a briga.

Quando parecia que as bestas devorariam os peleadores colorados, foi que D'Alessandro, debochada, libertina, quase cariocamente, deixou uma bola quedar-se na área aos pés de Nilmar. Nilmar tocou a bola e deixou a natureza atuar. A besta platense, como tantas outras vezes ocorreria na partida, caiu no golpe. Pênalti. Indiscutível. Alex teve que mostrar, via satélite, duas vezes, como um craque cobra penalidades máximas. Tal qual Roberto, o atual presidente vascaíno, que dizem jamais ter errado um pênalti, dinamitou o goleiro argentino. Tite, um filósofo comandando guerreiros sedentos de sangue e glória, utilizou de suas artimanhas intelectuais e magnetizou a mística copeira dos pinchas com dois quadrados elétricos que simplesmente minaram o espírito de Verón e de todos os fantasmas que revoam sua careca. Lá atrás, Álvaro, a respeito de um outro desafogo mais afoito da zaga, franzia o semblante e encarava a tudo e a todos com o mesmo sorriso: Nenhum. Russel Crowe deve ter assistido à partida. Se não assistiu, deveria. Álvaro não atuou como um gladiador. Álvaro é o Gladiador. Maximus. O imperador rendeu-se. As bestas aplastaram-se na serragem. O circo calou-se. Nas arquibancadas ecoavam cânticos colorados. La Plata inteira silenciava para escutar os cantos de guerra da torcida colorada. Os guerreiros zulus saúdam o exército britânico. A batalha está vencida? Louvamos os nossos inimigos derrotados.

O segundo tempo vem como uma chuva quente na noite tépida. Nada aplaca a força do Internacional. Como se todos os jogadores gritassem aos céus. Estamos aqui. Somos todos Guiñazu. Jogaremos pela alma de nosso guerreiro abatido. Aquele que tantas batalhas lutou por nós. Quando estávamos destruídos, aniquilados, sem força ou tesão, Guiñazu não estava. O juiz enxerga um impedimento de Edinho tão inexistente quanto o que enxergou de Nilmar no primeiro tempo. Nilmar é um puma na savana caçando gazelas desnutridas. Edinho é uma leoa faminta protegendo suas crias. Os gladiadores é que são as bestas. O povo platense a tudo observa atônito. Reza para todos os orixás argentinos. Desenterram Evitas, Gardels e Guevaras. Nada e nem ninguém vai parar essa máquina de triturar tentativas de ataques do Estudiantes. Para que a festa fosse completa, faltou apenas que Magrão, o centurião da maloca, completasse para a rede o passe de Michel Platini, quer dizer, desculpem, D'Alessandro.

Abatidos, os jogadores do Estudiantes deixam o estádio aparvalhados. Os torcedores argentinos, músculos retesados de horror, se dirigem para casa com medo de sonhar com o que presenciaram. A guerra não está ganha, sabemos bem. Guiñazu também sabe. Mas com a certeza de pertencer a um grupo de peleadores, o Cholo não pensa duas vezes ao responder aos repórteres o que achou do poder de combatividade de seus companheiros de batalha: "os caras são do caralho".

Sim, Guiña. Parafraseando o velho e louco Júpiter Maçã, o Inter é um time do caralho.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

NOME NÃO JOGA BOLA

Por Gustavo Foster


Desde o início do ano, são saudadas as muitas – e ótimas, diga-se de passagem – contratações da Era Píffero. Dentre os nomes comumente citados estão Nilmar, Magrão, Sorondo, Bolívar, D’Alessandro, Daniel Carvalho. Jogadores renomados, todos trazidos do exterior, do glamour do futebol europeu para os buracos do Gauchão. A maioria satisfez a esperança que tínhamos. Nilmar provou que é craque, Magrão se adonou da posição que ocupa, Sorondo só não é titular absoluto porque não pode jogar, Bolívar passou por momentos ruins, mas se firmou na lateral, D’Alessandro é o nosso 10 que usa a 15 e... Daniel Carvalho.

O canhoto saiu do Beira-Rio novo, como muitos. Era ídolo, numa época em que jogadores bons se destacavam – e muito – em comparação à medíocre companhia que tinham em campo. O camisa 7 dava esperanças aos colorados que pouco comemoravam naquela época. Dribles, faltas preciosas, velocidade, passes primorosos. Frente à falta de títulos e vitórias, acontecimentos como Daniel Carvalho eram dignos de comemoração. O tempo passou, o jovem atacante seguiu o caminho da Europa e, depois de alguns anos, voltou ovacionado a Porto Alegre. Só que quem se diferenciava pela qualidade, hoje é notado pela falta dela. A diferença dele para o resto do time, mesmo que reserva, é gritante. O Daniel Carvalho de hoje não acerta UM passe, UMA jogada, UM drible. Impressiona. Negativamente.

A idéia para o texto vem de algum tempo, mas o auge foi o jogo contra o Fluminense. A falta de vontade, de interesse, de participação, era evidente. Era só alguém puxar um contra-ataque que o nosso segundo atacante se direcionava ao lado contrário do ataque, como quem foge da bola. No início, nos primeiros jogos, ele ainda tentava alguma jogada de efeito, algum passe de calcanhar, algum balãozinho humilhante. Depois de alguns fracassos, a solução foi se esconder do jogo. Quem não tenta, não erra.

E hoje a situação, que já era revoltante, tornou-se inadmissível. O ex "dos dribles Carvalho" foi à imprensa, um dia antes da final da Sulamericana e noticiou: "não jogo mais no Inter!", como quem se sente ofendido diante da incompreensão ante sua genialidade. O que tinha que ser dito, hoje, é o seguinte: Daniel Carvalho, tu vieste pra cá como ídolo, tu tinhas toda a oportunidade de se consagrar, o time tava fechadinho. Todo mundo te queria no ataque, com o Nilmar. Era só tu te esmerar, perder uns quilinhos, te puxar um pouquinho nos treinos. Não precisava ser o craque do campeonato, tu já tinhas crédito com a torcida. Mas, jogando com vontade, fazendo alguns golzinhos, dando alguns passezinhos, tu ficaria meio ano aqui e sairia como ídolo que era. Mas não, em seis meses, aquela que era tida como uma das "grandes contratações coloradas" decepcionou e, mais do que isso, desrespeitou a grandeza do Internacional. Por isso eu digo: se depender de mim, no Inter ele não joga mais.

Falta de oportunidade? Absurdo falar isso.

No mesmo elenco, temos um exemplo que mostra o quão esfarrapada é essa alegação: Andrezinho. Veio como jogador de grupo, nunca se esperou que ele fosse o camisa 10. Aliás, saiu mal-falado do Flamengo e chegou aqui sob desconfiança. Pela semelhança física, lembraram do Pinga. O carioca ficou na dele. Treinou, nunca falou nada na imprensa que não fosse apoio, elogio ou demonstração de felicidade. Jogava 15 minutos, no meio dos reservas, e não reclamava.
Pode não ser um craque, mas não dá pra dizer, hoje, que o Andrezinho não é um jogador importante para o Inter. Na minha opinião, é, junto com o Taison, o "reserva imediato". Aquela espécie de 12º jogador. Faz bem a função do Magrão, não compromete como substituto do Guiñazu e quebra o galho na armação, caso D’Alessandro ou Alex não possam jogar. È importante, sem dúvidas. E foi um jogador que recebeu mais oportunidades que o Daniel Carvalho para mostrar qualidade? Não. Aliás, o primeiro chegou com muito mais nome, mais prestígio, mais festejo.

Só que nome não faz gol, não dá passe e não ganha jogo. Pra pegar a camiseta, fardar, entrar em campo e se dizer titular, tem que mostrar, todo dia, que é digno de estar ali. Daniel Carvalho tinha tudo para ser, mas achou que o "tinha tudo" faria isso pra ele. Não fez, e hoje, se for embora, garanto que triste ninguém vai ficar.

No dia 05 de novembro deste ano, escrevi aqui no Final Sports uma coluna entitulada "Perdedores e Vencedores". No texto, eu fiz uma referência ao técnico Tite que pode ser interpretada de uma maneira ofensiva, o que não era a minha intenção. Algumas pessoas se sentiram ofendidas e eu peço desculpas, porque jamais tive a intenção de agredir ou tratar da vida pessoal de ninguém.

Espero que a situação fique resolvida, já que, a meu ver, tudo foi um grande mal ententido – talvez por má interpretação de quem lê, talvez por culpa minha, seja utilizando ironia de forma inapropriada, seja não deixando clara a intenção das palavras escritas.
E hoje o Tite vai queimar minha língua mais uma vez e vai trazer uma vitória da Argentina.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

OS DALLEGRAVES DAS NOSSAS VIDAS

Por Daniel Ricci Araújo

Nunca se vira um minuto de silêncio como aquele.
A noite estava como que clara e legível, apesar da escuridão a contrastar com a luminosidade artificial dos refletores. O Beira-Rio lotado anunciava o início de Inter x Chivas, pela semifinal de volta da Copa Sul-Americana. A luz advinda das torres que nascem acima da superior fazia com que, de lá de cima, pudéssemos quase ver as fisionomias, os braços, as mãos e os pulsos de todos os colorados presentes ao estádio. Postos os vinte e dois jogadores estaticamente em campo como se formassem as peças em um tabuleiro de xadrez, o juiz anunciou o minuto de silêncio. E, então, o estádio falou.

É verdade, e repita-se a verdade: nunca se vira – e tampouco se verá – minuto de homenagem como aquele. A despeito do silêncio obsequioso trazido pelo comum das referências fúnebres, Arthur Dallegrave, setenta e oito anos de uma vida colorada até as entranhas, recebeu um incontido e indevassável aplauso generalizado. Dispensada a dramaticidade do momento, o velho descendente de italianos obteve, após seu passamento, uma homenagem a seu estilo, alegre e até vibrante. Palmas, palmas, palmas. Pelo barulho como que orgulhoso e entusiasmado da multidão, o reconhecimento àquela trajetória que se despedia foi de um poder emotivo o qual a rigidez do maior silêncio possível só poderia invejar. Palmas, palmas, palmas. Bravo, Dallegrave!

Mas, afinal de contas, o que aplaudimos e reconhecemos naquela noite com um quê até de entusiasmo na voz? Reverenciamos somente a memória do grande dirigente perdido? De maneira alguma. Houve ali, naquele momento, e até de maneira inconsciente, o reconhecimento de uma geração a outra. As carmelitas que estudam o Evangelho conhecem a máxima sagrada e onipresente: "uma geração chega, e a outra passará". E os colorados, antes de se despedirem de um personagem, agradeceram a uma era. Eis a realidade profunda: nas olheiras e nos cabelos brancos de Arthur Dallegrave o Inter perdeu não só o homem. A velhice autoriza uma meditação infinita, uma autoridade inquestionável e todos nós, ao aplaudirmos aquele homem secular, reverenciamos o mistério da geração desaparecida. O Inter registrou ali, nos aplausos da massa, o agradecimento necessário e o passamento de uma época.

O antigo dirigente teve a sorte de ver o Inter dono do mundo, mas acrescentemos ainda à despedida o caráter lírico e dramático das ausências: quantos Dallegraves por aí perderam de ver essa glória? Quantos donos de tijolos hoje sepultos dentro do Gigante, quantos homens e mulheres que torceram nos Eucaliptos ou no campo da Rua Arlindo, quantos jovens da época dos bondes e fãs de Villalba e Carlitos não descansaram antes de Iarley e Adriano Gabiru? Ao meu avô faltou algo como uns poucos anos; a Dallegrave, sobrou tempo. Assim é a vida, e assim é também um pouco da morte. Uma geração chega e a outra passará. Os Dallegraves das nossas vidas foram todos recompensados. E a aclamação da última quarta-feira, de certo modo, também se destinou a eles.

As palmas foram estrepitosas, e não paravam: quem esteve no estádio lembra. Em dado instante, foi como se todos nós quiséssemos sim ou sim homenagear o falecido com o melhor de nossa expressão, numa torrente de orgulho tão aguda quanto rápida, porque silêncio só demonstraria talvez tristeza, conformidade – ou melhor, não daria ao episódio o tom de reconhecimento que as palmas sugerem. Barulho, barulho, barulho. Uma geração passou e a outra não a esquecerá. O belo momento iniciara despretensioso mas terminava emotivo à enésima potência. Não se tratava só de uma homenagem. Era a vida do Inter em pleno diálogo de gerações, estrepitando no seio da massa. Os mortos realmente governam os vivos, e está bom que seja assim.

Cada um de nós, naquele instante e talvez de maneira inconsciente aplaudiu a geração mais antiga, a construtora não só de um estádio mas, em suma, a edificadora da pedra fundamental do Internacional. Pela mão do agradecimento ao velho Arthur, um homem de olheiras fundas, fala mansa e cabelos brancos como a neve, uma geração reverenciou a outra, celebrou a outra, perenizou a outra. E para tanto orgulho e emoção, melhores porta-vozes são sempre a alegria e o assovio. Os Dallegraves já idos da nossa vida estiveram todos presentes no bonito momento.
Palmas, palmas, palmas. Melhor escolha não poderia haver. Uma geração vai passando e a outra fica, e que belo é ver todos estes nossos antecessores indo embora assim, sob uma torrente de aplausos. Hoje sentimos a falta dos que não viram as camisas brancas na manhã de Yokohama.

Amanhã, faltaremos nós nas conquistas dos nossos netos. E é por esse bonito equilíbrio da vida que o Inter, ao fim e ao cabo, continuará para sempre em sua senda eterna de vitórias. Palmas, palmas, palmas. Bravo, Dallegrave!

Os mortos realmente governam os vivos. E está bom, muito bom, que seja assim.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

ENSAIO SOBRE A CHIRIPA

Por Andreas Müller

Cá estamos, agora, atirados nas arquibancadas quase vazias do Beira Rio, alheios ao que se passa dentro de campo. Devo admitir que não estava muito empolgado com a idéia de caminhar até aqui só para ver o time B do Internacional enfrentar o time C do Fluminense – todos os times do Fluminense, você sabe, são times C. Mas a Carol, minha esposa, estava um tanto entediada, queria porque queria sair de casa, caminhar um pouco, fazer algo diferente e aí, basicamente, decretou que viéssemos até aqui para contemplar a noite cobrindo as marquises do Gigante. “OK, então vamos”, arrematei. Então fomos.

Geralmente, ficamos próximos do Portão 6, bem na frente do Bar 4, ali onde enxertaram recentemente uns banheiros de shopping-center, limpos e reluzentes. Ali onde combinei de encontrar o Marcelo Benvenutti no jogo contra o Chivas. Tenho que aprender a ser mais responsável. Talvez eu até escreva uma crônica institulada "Foi mal, Marcelo". Será que pegaria bem? De qualquer forma, hoje vamos variar, eu e a Carol. Vamos mais pra lá, pra depois da charanga da Camisa 12, perto da Popular, lugar em que os irmãos dela – cinco, no total – batem ponto. Sentamos quase no limite da muvuca, num ponto em que dá para ficar sentado e, ao mesmo tempo, sentir a vibração da Guarda. Imediatamente, passamos a nos preocupar com um assunto da mais alta importância: onde estaria o vendedor de picolés?

Estranho, mas o fato é que eu gosto de ver o Beira Rio assim, quase vazio. É como se fosse o pátio da minha casa. O jogo está em andamento, o placar é desfavorável, mas quem se importa? Me vê um Chicabon. Tem umas crianças brincando aqui em volta. Vieram trazidas pelos pais. Pulam, brincam, enrolam-se nas barras e de vez em quando se unem à cantoria da Popular, balançando os braços no ar, visivelmente emocionadas por estarem tão próximas de um espetáculo que costumam assistir de longe. É comovente. Eu e Carol até ficamos observando uma menina de olhos azuis que canta com devoção ao nosso lado. Queremos ter filhos até 2010, então é fácil imaginar que será uma criança parecida com esta, exceto pelos olhos azuis. Até tenho o impulso de censurá-la ao ouvi-la cantando, como se fosse adulta: “Não somos como los putos da Série B”. Sei lá, talvez eu esteja sendo retrógrado demais. Mas a agressividade da estrofe não combina com uma menina tão pequena. Muito menos com uma menina de olhos azuis.

E o Grêmio, hein? Prefiro não dizer nada. Sou azarado demais. Só vou ousar falar alguma coisa quando eles realmente estiverem fora do páreo. Mas, por diversão, acompanho a Popular na letra improvisada: “Paraguaio! Cavalo paraguaio!”. É divertido, embora perigoso. Vai que caia o avião do São Paulo e o Grêmio faça seis gols de chiripa – sempre de chiripa – no Ipatinga e no Atlético-MG... Por sinal, tenho uma nova teoria: tudo que o Grêmio conquistou na história foi de chiripa. Tudo. Talvez eu até escreva uma crônica intitulada "Ensaio Sobre a Chiripa". Penso nisso enquanto a menina de olhos azuis pergunta, ao meu lado: “Pai, o que é um cavalo paraguaio?”. Ah, como eu gostaria de poder explicar isso a ela! Quando meu primeiro filho nascer e me perguntar a respeito, eu terei uma resposta pronta para dar a ele. Aliás, terei respostas prontas para quase tudo. “Pai, o que é gol de chiripa?”. Responderei sorrindo.

Terminou o jogo, eu já mastiguei todo o palito do meu Chicabon e atirei o pau no Grêmio até cansar. Vamos indo, meu amor? Pit-stop no Praia de Belas pra jantar um Big Mac. O meu é sem cebola, por favor. E quarta-feira é dia de decisão. É a grande chance de conquistarmos um título condizente com o investimento feito nesse time aí. Mas, sabe, é tão boa essa sensação de voltar a ter perspectivas, de voltar a sonhar com títulos! É tão bom esse sentimento de que as coisas estão finalmente voltando ao seu lugar! É tudo tão bom, tudo tão saboroso que eu até me considero feliz, agora, por estar fora do Brasileiro. Irônico, não é? Mas vai dizer: como é bom ignorar tabelas, número de vitórias e saldo de gols. Como é bom pensar somente no jogo de ida e no jogo de volta! Ah, como é bom ser colorado! A propósito: me passa o ketchup, amor?

E aí a bola entra.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

FORMATURA

Por Marcelo Benvenutti


Hoje eu estava decidido. Deixei o Lorenzo para ficar na vó. Fica na vó, Lorenzo. Papai vai no jogo. Torce pelo pai na televisão. Deixei. Como moro no Menino Deus, fui a pé até o Beira. Primeira parada. Treiler do cachorro quente. Uma lata para apreciar a noite fria de novembro. Vento refrescando a mente. Cerveja gelada. Sempre chego em cima da hora e acabo indo na superior para não enfrentara fila da inferior. Mas hoje, não. Eu tenho tudo planejado. Vou chegar aos poucos, aproveitando a lei líquida do lado de fora do estádio, e entrar na arquibancada no clima.

Naquele clima. Afinal, aqui na Final (gostaram da repetição de sons?) os colorados quase nunca se encontram no estádio. Hoje já planejei. O Andreas disse que assiste ao jogo do lado do Bar 4. Esse é o meu bar. Bar da sorte. Desde sempre. Torcerei pelo Inter de lá.Normalmente eu acabo indo na perto da famosa "torcida da chaminé". Dizem que a torcida tem líder. Pouco me importa. Não respeito líderes. Assisto ao jogo de lá porque encontro meus amigos Cocó, Toscani, Sassá e outros. Gente boa. Colorada. Mas sempre acontece de ser uma alternativa ao Bar 4. Como é uma alternativa encontrar a Létis e suas amigas na social. Não gosto da social. Gosto do furdunço. Gosto do Bar 4. Que agora tem banheiro de shopping center. Um fenômeno, como diria Guiñazu.

Antes de encarar qualquer coisa, entro num dos bares do outro lado da Padre Cacique, faltam 30 minutos para começar o jogo, encaro uma extra, aquela que é boa, vocês sabem. Uma extra antes do jogo é certeza de ficar legal. Extra sempre cai bem. A partida? Não estou tão preocupado assim. Times mexicanos nasceram para serem goleados pelo Inter. É o que falo para um colorado na fila do Celeiros de Ases enquanto pago um tíquete para saborear um latão. Pronto. Estou pronto. A fila da inferior chega nas bilheterias da entrada sul do Beira. Bem capaz que vou encarar essas. Bebo o latão até faltarem 10 para as 10. Entro pela social. Entrar pela social e pedir passagem para a inferior é barbada. O contrário é quase impossível. Mas eu combinei com o Andreas. O cara não vai falhar. Acho eu. Hoje vamos golear. Tenho certeza. Quando atravessava a rua, eu escutei uma voz conhecida. Era a Polaca. Ultimamente quando chego perto do Beira e escuto a voz da Polaca, é batata! Ou chocolate! Como queiram.

Golearemos o adversário. Se a Polaca sabe, não sei. Mas deveria saber. É gente boa. Me lembra a Lancheria do Parque. E me recorda que estou bêbado. Afinal, um litro e meio em 45 minutos pesam na mente. Ficarei bêbado até o começo do segundo tempo. O colorado bêbado da fila do Celeiros também sabe disso.Pois eu atravesso a Popular pulando enquanto o Inter entra em campo. O Andreas esta lá. No Bar 4. Quem conhece o tamanho da Popular sabe o que enfrentei para chegar da social até o Bar 4. Mil duzentos e cinqüenta empurrões e quatrocentas e trinta e quatro baforadas de maconha na cara depois, cheguei no Bar 4. Olhei daqui. Olhei dali Nada de Andreas. Bom, vai ver o cara ta no meio do rolo. Encontro no intervalo. O jogo começa. O Inter faz um gol de pênalti. Eu vi que quem caiu foi o D'Ale. Quem cobrou? Não compreendo.

Compreendo que o D'Ale fez o segundo. Alex? Não, Alex tá na SeleDunga. Quando penso em mijar, um litro e meio apertam a bexiga, acham o que? Mais um gol do Inter. Cheguei agora em casa. Não vi quem fez. Interessa? Não sei. Sei que quase chorei quando a torcida aplaudiu o minuto e silêncio. Merecido.Três a zero. Intervalo. Quase fui embora. Em casa tem latas na geladeira. Aqui só tem cuspe sem álcool. Essas alturas do texto e vocês devem estar achando, o cara só fala em cerveja. Não. No estádio estão todos inebriados de felicidade. Ligo para o Andreas. A bebida emburrece. Deveria ter feito isso antes. O cara tá na superior. O pai veio assistir o jogo junto. O pai? Bah, isso é preza! Eu respeito. Se o cara sumiu do ponto por causa do pai, eu respeito. Seu ainda tivesse pai, faria o mesmo. Mas não. Aproveitei da companhia do meu velho enquanto deu. Hoje ele assiste e torce pelo Inter de outro lugar. Mas agora não é hora de recordações tristes. Fechamos 4x0. Estou feliz.

Na saída, caminhando, escuto uma voz. A Polaca! Esse boné é demais! Exclama ela. Eu uso um boné da Umbro. Sim, eu tenho um boné de quando o Inter era patrocinado pela Umbro. Nos cumprimentamos. Será mais uma goleada? Será que o Andreas deve assistir aos jogos da superior? Será que devo lavar minha velha camiseta da Adidas sem patrocínio? Quem será o próximo adversário? Argentinos? Nós ganhamos dos argentinos esse ano. Duas vezes. Numa precisamos só de uma partida para fazer quatro gols. Na outra, de duas. Estudiantes? Não sei. Mas se continuarmos jogando como hoje, o Filósofo pode ter certeza, não vão ser estudantes que derrotarão nossos formandos. Para a formatura, resta apenas mais um passo. O da faixa no peito.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

THE JON SPENCER BLUES EXPLOSION

Por Gustavo Foster


Lá nos idos dos anos 90, sem Youtube e praticamente sem mp3, um dos principais meios de ouvir música boa era a MTV. Além de Beavis and Butthead, a emissora passava clipes sensacionais, divididos em categorias de acordo com o programa. E foi num destes, à tarde, antes da aula, que eu vi um clipe com vampiros e mulheres semi-nuas que não me saiu da cabeça. O clipe era muito foda, e a música mais ainda. Lembro que eu não consegui ver os créditos finais do clipe e fiquei com a música na cabeça, sem saber artista, título ou qualquer referência da música. Anos depois, mais precisamente na semana passada, coloquei um disco do Jon Spencer Blues Explosion e, na segunda faixa, começa a tocar "She Said". Era essa a música que eu procurava há quase dez anos.

Daí e de tantos outros exemplos – Electric Six, Run DMC e Supergrass, só pra citar três – tiram-se duas conclusões: a primeira e mais óbvia é de que a MTV de 10 anos atrás não tem nem comparação com a MTV atual. A segunda é que música boa é impossível não ser percebida. Eu tinha 10 anos, nunca tinha ouvido falar de blues, Miles Davis ou Pussy Galore, mas ouvi o Jon Spencer berrando "she said" e achei afudê.

Futebol também é assim: jogador bom salta aos olhos, assim como jogador ruim. No Inter de 2008, eu consigo perceber dois exemplos fáceis da minha teoria. Nilmar e Ricardo Lopes. Os dois, inclusive, vivem situações ambivalentes, que incomodaram-me quando lidas.
Ricardo Lopes, segundo boatos, já teria firmado contrato com o Colorado para o ano do centenário. Nilmar, por sua vez, desde que nasceu é sondado por clubes europeus, africanos, asiáticos e interplanetários, sendo o destino da vez o ex-galáctico Real Madrid, que não vai mais contar com Van Nistelroy por alguns meses.

O lateral direito quase veterano é uma unanimidade, entre torcedores, colunistas, peladeiros e beberrões: joga futebol por engano. Mal sabe correr, dominar a bola é um parto, correr com a bola dominada é impensável. Marcar é impossível e cruzar na cabeça do centroavante, então, é uma vez na vida e outra na morte. Pode ser desconhecimento meu, mas eu duvido que não haja alguém melhor que o trintão destro nas nossas categorias de base. Juro, deve ter alguém melhor do que ele morando no meu condomínio. Daí, não bastasse contratar essa negação futebolística, ainda querem renovar o contrato, como quem diz "tu jogou umas duzentas vezes, ninguém gostou de ti, mas tu vai ter outra chance, tá?". Espero que o boato não se confirme, diferentemente dos boatos envolvendo Cicinho e Ilsinho, diminutivos no nome, mas aumentativos no futebol, principalmente na situação em que nos encontramos, na qual procuramos um camisa 2 em campo e vemos um gandula improvisado.

Já o caso do segundo é mais complicado. Nilmar para mim é craque. Alex é um baita jogador, Guinazu é guerreiro até os dentes, mas só Nilmar é craque. O nosso camisa 9, pra falar a verdade, nem camisa 9 é. Na minha opinião, é segundo atacante, vindo de trás, com a bola dominada, fazendo com que os zagueiros tenham vontade de correr em direção ao primeiro portão de saída do estádio, deixando o fardo para o companheiro de defesa. Chute, habilidade, drible, movimentação, visão de jogo, passe qualificado e, acima de tudo, velocidade incrível são apenas algumas das qualidades do melhor atacante jogando, hoje, no Brasil. Kléber do Palmeiras é um baita atacante, Keirrison promete ser, Kleber Pereira, Borges e Guilherme fazem muitos gols, Dagoberto tenta imitar, mas Nilmar é melhor que todos os citados.

Imagino um time com D’Alessandro, Nilmar e, talvez, um centroavante que faça gol de qualquer jeito. Seria o meu time perfeito. Magrão e Guinazu fortificando um meio-campo que, apesar de defensivo, chega a frente com 5 homens. O nosso atual camisa 9 é jogador de seleção: as lesões o atrapalharam, mas, resolvido isso, Robinho teria alguém se candidatando a sua vaga.

Por isso, faço um apelo – talvez inútil: não vendam o Nilmar. Alex é substituível, mas, sem o Nilmar, teremos que contratar dois atacantes e reformular toda a idéia ofensiva do time. (Sei que existe a possibilidade clara de ambos saírem, mas isso já um problema maior, e o investimento teria de ser maciço nesse setor). Se for para escolher apenas um jogador das dezenas do elenco, escolho Nilmar.

Mantenham os Jon Spencers no Beira-rio.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

A CULPA É NOSSA TAMBÉM

Por Daniel Ricci Araújo

Interessantes as repercussões advindas da decisão do nosso Tribunal de Justiça que absolveu os supostos autores do incêndio no famoso "Gre-Nal dos banheiros químicos" de 2006. A maioria das pessoas fala em impunidade e falta de confiança na justiça. Há desgostos para todos os tipos: as instituições públicas não prestam, as decisões judiciais são risíveis, as autoridades cometem escândalos. Raivas e ódios acentuam-se. A sentença final é clara e cega como a ponta da faca nas mãos de uma criança. A culpa é do Tribunal. E é claro – ele pode mesmo ter errado.

Não estou aqui para defender nem acusar ninguém, e muito menos a minha circunstância de ser filho de magistrado (o que não passa de um laço de parentesco, mas para alguns é motivo de tacanhices e pequenices mil) influi em meus pensamentos. À indignação da massa, presenteada com uma decisão supostamente "impossível" e injusta, quero somar a minha: gostaria muito de ver aqueles filhinhos-de-papai-indignadinhos-com-nosso-sucesso-internacional lavando banheiros públicos por alguns anos. Mas as coisas não funcionam assim.

É justo responsabilizar quatro ou cinco indivíduos porque um grupo indeterminado de pessoas vibrou com a fumaça de um banheiro químico em chamas simplesmente porque estavam no calor do jogo? Alguém quer mesmo essa "justiça" de sensações? Quem é o primeiro, então, disposto a censurar o torcedor da social que pejorativamente chama Andrezinho de "negrão" quando ele erra um passe? Afinal de contas, sejamos francos: à torcida colorada naquele dia o maior sentimento trazido foi o de despeito, o de raiva ao ver uma trupe de gremistas saudando bem alto a molecagem protagonizada por uma meia-dúzia de rapazes de bom berço.

Não sei se havia nos autos do processo provas ou não o suficientes para que alguém fosse considerado culpado. No entanto, foi o desrespeito institucional que nos indignou, nos calou fundo, nos deu vontade de, na emoção do momento, disparar mini-ogivas nucleares em direção àquela parte do estádio. Mas, afinal de contas, cantos de torcida são um crime, por mais de mal gosto que sejam? Não, não são.

Não sei se a decisão judicial foi acertada (e aqui dou uma modesta contribuição à consciência geral: desconfiem muito, desconfiem totalmente do advogado que, sem ver o processo ou inteirar-se bem de um caso, recita ao seu cliente ou à sua platéia a tese que ela mais quer ouvir). E até digo mais: afinal de contas, não havia fotos em alta definição e imagens de TV mostrando os infratores no exato momento no qual cometiam o delito? Também tenho essa dúvida, como todos vocês, e gostaria de saber detalhadamente como os julgadores chegaram à conclusão de que não foi possível identificar os autores da bagunça. Mesmo assim, vejo um tremendo oportunismo em nomear a decisão do tribunal como um convite indiscutível à impunidade.

A esfera privada gosta muito de debitar seus erros na conta pública, e insinuar que o Tribunal de Justiça acaba de dar um salvo conduto para essas atitudes é, no mínimo, fazer tábula rasa da nossa responsabilidade. É, isso mesmo: nossa responsabilidade, minha e sua.

Afinal de contas, ponhamos o dedo na ferida: bravíssimos com a sentença judicial de agora, e esbravejando contra um alvo fácil aos olhos das pessoas - um Tribunal de "autoridades" - por que todos os cronistas não se insurgem com a mesma indignação contra a diretoria do Grêmio, que tem uma longa biografia de leniência e permissividade para com os distúrbios provocados por alguns integrantes (só alguns, claro) da sua "banda mais louca"? Claro, o mesmo vale para as nossas torcidas quando uma de nossas organizadas fizer coisas semelhantes. E nós? Nós, torcedores comuns, que nos chamamos de "macacos" e "gaymistas" e que damos aos nossos comportamentos muitas vezes inadequados a desculpa do hábito, estamos ajudando? Estamos desarmando os ânimos ou os deixando perigosamente em banho-maria?

Ora, o jornalismo investigativo, onde está? Por que nenhum Caco Barcellos futebolístico teve a coragem de mostrar contundentemente, para todos verem, o que acontece de verdade no seio dos "hinchas" pseudomodernos que só querem confusão? E as torcidas? Quais as atitudes concretas tomadas contra esses marginais de meia-tigela infiltrados em seu meio?

Mas não é só isso. Falemos também do outro braço do poder público. Afinal de contas, não foi de um instante para outro que os banheiros foram levados para dentro da arquibancada e queimados. Onde estava a Brigada Militar durante aqueles preciosos minutos? E aí depois, quando um grupo de pessoas é absolvido numa decisão judicial por motivos que podem ser os mais variáveis, a culpa é só da Justiça? A realidade: essa indignação popular com o caso autorizou que algumas vozes levantassem o volume para defender a "opinião pública". Mas a multidão é uma bengala fácil tanto quanto uma afoita conselheira. Foi ela quem pediu Barrabás e condenou Jesus, lembram?

A lei deve ser respeitada por todos, e o fato de o Judiciário ter o dever de fazê-la cumprir não o torna mais importante nessa função do que nós, a sociedade civil. Não temos o direito de omitir-nos e nem delegar à Justiça um papel majoritariamente nosso, o de conhecer o limite no qual termina nossa liberdade e começa a do outro. Dizer que pagamos nossos impostos é fácil, mas nós sim temos é que de dar a primeira palavra quando se fala em "ordem e progresso". Será que fazemos isso? Podemos avançar o sinal vermelho, sonegar ICMS, declarar ardilosamente nosso Imposto de Renda e jogar lixo no chão à vontade: sempre haverá um mensalão ou uma sentença comprada para nos aliviar as culpas. E quando uma decisão judicial, errada ou não, toma as nossas dores e nos dá o poder de nos eximirmos de nossas responsabilidades como um todo, voilá: aí está a indignação que alivia.

Todos estão livres para, ao fim e ao cabo, perder a confiança na Justiça. Se você acha que os principais culpados dos próximos incidentes em estádios de futebol serão os Desembargadores que absolveram alguns torcedores malucos, tudo bem, é seu direito. Talvez você até esteja certo, e eles errados. Mas mesmo assim as coisas seriam mais fáceis se todos nós fôssemos um pouco mais cidadãos.

Pelo menos os Desembargadores teriam menos processos para julgar.