sábado, 30 de maio de 2009

MIL ANOS DE DOMINIO.

Por Raphael Castro


Vejam os(as) caros(as) leitores(as) a lista dos clubes mais “ricos” do Brasil publicada esta semana (não sei a denominação politicamente correta seria essa, mas preferi priorizar a clareza no ponto): o São Paulo encabeça a lista, com o Inter (sim, o Inter!) perseguindo-o logo abaixo, podendo ultrapassá-lo em breve. É recomendável que não se confunda isto com “elitismo”, “esnobismo” ou qualquer outro “ismo” similar: para quem tiver inteligência e/ou boa-vontade suficiente ao devido entendimento do fato, fica fácil concluir que, ao contrário de ser algo nocivo ou antipático, trata-se, sim, de uma coisa boa, muito boa...

Adiante

Na verdade, a lista apenas materializa (e evidencia) uma mudança radical na concepção do Inter como clube: atentos ao fato óbvio de que o futebol é um esporte de resultado, os dirigentes trataram de pôr em prática um plano meticuloso de transformação do Internacional e, sobretudo, dos corações e mentes da torcida. Pausa: não que as vitórias sejam uma condição indispensável para que amemos o Inter (e estão aí alguns vários anos da década passada para provar isso); mas é bem verdade que os títulos turbinam o amor da massa, massageiam a sua autoestima. Resultado? A muito provável possibilidade de recuperar o terreno perdido nos últimos anos para trilhar o nosso destino desde sempre: o de ser o maior clube do Rio Grande...

Adiante 2

Pois bem, traçado o objetivo, passou-se à prática: saneamento financeiro, que trouxe saúde econômica, que trouxe jogadores, que trouxeram títulos, que trouxeram parcerias, que trouxeram jogadores, que trouxeram mais títulos, que trouxeram mais recursos...; há quem zombe, por exemplo, do cachorro que é sócio – estando, diga-se de passagem, em seu devido direito; mas atualmente é preciso reconhecer mesmo as menores oportunidades para o sustento do clube. O futebol moderno, feliz ou infelizmente, demanda que se profissionalize a paixão. Suponho que ninguém passe a ser menos colorado por causa disso. Só que o problema é que o último romântico costuma ser também o último da tabela. E se alguém pensar algo muito diferente disso, sugiro perguntar aos torcedores de um Barcelona ou de um Manchester se eles se incomodam com idéias como um quadro social avantajado ou com recursos injetados por grandes investidores. E nem se comenta a desonestidade intelectual de achar que isso significa necessariamente “vender” o clube, que aqui se preza a seriedade no debate, hein...

Adiante 3 - e deu

O fato é que poucos clubes no Brasil têm hoje a imagem de seriedade do Inter, o que se reverte em clara vantagem na hora de fechar uma pareceria, de trazer um reforço e de planejar uma temporada. Vemos isso claramente agora, nesta fase fantástica, em que tudo parece dar certo e em que a bola sempre entra. Trata-se de um círculo absolutamente auspicioso, que, bem conduzido, só faz crescer e se retroalimentar.

Objetivo

E por que digo tudo isso? Ora, pinhões, alguém aí já se deu ao trabalho de ver a indigência do futebol praticado ao sul do Equador atualmente? É aí que a inteligência faz a diferença (e aproveito para dizer que não se trata aqui de fazer campanha para este ou aquele grupo político no Inter, pois a minha bandeira é a eficiência, pouco importando quem esteja no leme do barco): quem está atento ao que acontece a seu redor pode facilmente perceber as situações de ganho e perda que o/a rodeiam; na prática, isto significa que o Inter pode (e deve!) aproveitar o contexto atual para consolidar anos e anos de total domínio do futebol sul-americano, aos moldes do que o Boca fazia até um tempo atrás; temos condição para isso. Temos VOCAÇÃO para isso. Pessoalmente, nunca entendi direito a síndrome de capacho aparentemente sentida mesmo nas mais famélicas eras de um passado não muito remoto (aquela coisa meio de “o fracasso lhe subiu à cabeça”); meu amor, caros(as) leitores(as), sempre foi o Inter: ele era - e sempre foi – o meu barato, meu alento, meu conforto, o meu porto seguro banhado de um vermelho mais vermelho do que...sei lá, o próprio vermelho (hehehe); nada que me pudesse ser dito por ninguém me convenceria do contrário, nem se ficássemos mil anos sem ganhar um mísero par ou ímpar sequer (como diria o meu equestre, equino, pampeiro e criador avô, sou “mais teimoso que garanhão vesgo...”).

Epílogo

Só que a maré mudou, graças a Deus para (muito) melhor. O Gauchão já foi; a Copa do Brasil está logo ali; o Brasileirão é uma realidade, a Recopa, uma obrigação. Temos então a imperdível chance de fazer isso durar ainda muito, muito tempo, para desespero de quem agora usa esses babadorezinhos estranhos no fardamento, e de quem soterrou gerações e gerações de colorados com notícias de novos “gênios”, “craques”, “golaços” e “estrategistas” a cada dia. Então, para vocês que resistiram, eu os saúdo. E, tudo o mais constante, com seriedade e humildade, aproveito para convidá-los a presenciar mais mil anos de domínio...

Tópicas: escoteiros versão 2009

Não há mais como não perceber os “neolobinhos” que circulam pela cidade... Bem, caros leitores, por enquanto é só isso – e ponto final.

Fui (e não a pé).

sexta-feira, 29 de maio de 2009

MAROLAS

Por Thiago Marimon

Em épocas de crise econômica, fazer caixa é deveras importante. No certame nacional, a moeda são os pontos, o indexador, vitórias. Neste domingo, às 18h30min, o momento é de vender-se ao capitalismo selvagem, acumular riquezas e espantar o socialismo de dentro das quatro linhas. Chegamos à quarta rodada do certame com improváveis cem por cento de aproveitamento e com a possibilidade concreta de mantê-los.

É sabido que os desafios aumentarão de dificuldade e que a maratona será grande. Confirmando o placar construído em casa e passando pelo Coxa, que em seus domínios deverá se abrir - para alegria de Taison -, provavelmente teremos o bem montado MSI de Gordo e Brother na decisão da Copa do Brasil. Soma-se a isso a desgastante disputa pelo bi-campeonato da Recopa em dois jogos contra a Liga, além da força dos adversários que enfrentaremos entre estas decisões pelo campeonato nacional, e temos a real proporção da necessidade e importância de somar estes pontos, que ano após ano tanta falta nos fazem ao final da temporada. Restando intermináveis trinta e cinco rodadas, a hora é de fazer gordura.

Uma vitória neste domingo, iniciando com time misto e com o provável acréscimo de três titulares no decorrer do jogo, nos credencia para enfrentar uma guerra no Mineirão na próxima rodada, enfrentando um Cruzeiro preocupado com a disputa contra o São Paulo pela vaga na próxima fase da Libertadores. Cinco vitórias em cinco jogos seria o início de campeonato perfeito, para surpreender o mais otimista dos otimistas. Passado o confronto contra os mineiros, os próximos adversários estarão focados exclusivamente na competição nacional, dentre eles o Flamengo, que tanto trabalho nos deu. Enquanto isso, nós, com Nilmar na seleção da CBF e Alecsandro fazendo companhia à Taison no ataque, teremos que fazer mágica para manter o bom aproveitamento no Brasileirão. Confio em nosso substituto, porém, temo pela alteração na forma de jogar no ataque. Alecsandro deve conscientizar-se que não tem as mesmas características que o titular selecionável, e buscar jogar no local onde foi importante contra o Coritiba, e que penso que sabe jogar, a área.

Ou seja, teremos marolas pelo caminho, serão jogos difíceis, contra adversários fortes, onde, inevitavelmente deixaremos escapar alguns preciosos pontos. Nada mais normal. Portanto, senhores, domingo é dia de rasgar exemplares de Marx, empalar Engels, revirar Che no túmulo e, render-se, feliz, ao "Bill Gates way of life". A hora é de acumular, somar, multiplicar. Quem planta colhe, e quero colher canecos.

Pra cima deles.

Saudações Coloradas...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

SEM SURPRESAS.

Por Marcelo Benvenutti

Taison é o cara. Andrezinho faz por merecer. Guiñazu sempre faz falta. Tudo isso é verdade. O que pode não ser verdade são as superstições que rodeiam o futebol, principalmente nos jogos decisivos.

O torcedor cumpre sua rotina, tanto em casa como no estádio. Coloca o rádio no mesmo volume de sempre e na mesma rádio. Senta no mesmo lugar do sofá. A perna de um certo modo que dê sorte. A mesma marca de cerveja. Se encaminhar para o mesmo local do estádio. A camisa de sempre, mesmo que seja aquela desbotada, carcomida por muitas lavagens. Sei que nem todos acreditam ou fazem tantos quiprocós para tentar auxiliar o time do coração, mas mesmo quem não acredita, acaba apelando para qualquer santo na hora do desespero.

Os times em campo. Torcida do Inter cantando. Festa. Semifinal de qualquer competição sempre deve ser uma festa. Eu, que faz muito abandonei quase todas as minhas superstições relacionadas ao futebol, depois de tantas vitórias e derrotas descobrimos que quase nenhuma delas faz sentido, temi ao ver os times se desolcando no gramado do Beira-Rio. Sim. Ali todo o temor que acompanha cada colorado que acompanhou aquela noite trágica de 1999 numa semifinal de Copa do Brasil voltou à minha mente. Era a tática secreta do filósofo do reagge Renê Simões.

Sim. O Coritiba escolheu o lado em vez da bola. Sim. O Inter sempre escolhe o lado e não a bola. O Inter sempre ataca para o lado do placar no segundo tempo, não no primeiro. O jogo começa e o Inter, numa bobeira, toma o gol na única conclusão perigosa que os curitibanos fariam no jogo inteiro. Nilmar sendo exterminado no ataque. Magrão revidando na volta. O jogo desbanca para algo próximo à pancadaria graças ao bundamolismo do árbitro. Mas se o negócio é boxe, não me controlo ao ter que usar do trocadilho com Taison. Taison aniquila. Nocauteia. Taison põe abaixo até mesmo as piores premonições supertisciosas.

Notando que minha tática de manter os mesmo movimentos não ajuda em nada o time em campo, decido sair detrás da goleira do placar e me colocar na divisa entre a torcida gaúcha e paranaense. Nada mais correto contra-atacar a surpresa do Renê "mala" Simões com um antítodo certeiro. Mandar o azar pro inferno. Claro que eu não vou deixar de dividir o sucesso de minha manobra diversionista com Taison. O guri invade a área e quatro patetas de verde e branco cercam o Furacão da Copa enquanto Alecsandro recebe um mumu do outro lado da área e fuzila o goleiro coxa branca. Nem dá tempo de comemorar o gol e Taison entra como um trem bala no estado das araucárias e entrega a bola para que Alecsandro largue uma de futsal no peito de Andrezinho, que conclui de forma acachapante.

A superstição que se exploda. A torcida não sabe para onde pular. Um mais exaltado quase sobe no cordão de isolamento para provocar os coxinhas, agora silenciados pelo estrondo vermelho. Uma brigadiana mais nova observa e esboça um movimento. Um soldado mais velho se aproxima e faz sinal de calma para a guria soldado. É festa. Sempre é festa. Mesmo que o lado do campo mude. Mesmo que quebrem um Nilmar. Mesmo que Guiñazu tente correr a maratona só pra aliviar a tensão. Nada disso adianta, Renê Simões. Nós vencemos. E mesmo não sendo uma maravilha de futebol apresentado, cruzo os dedos, beixo o crucifixo, dou três pulos com um pé só e não piso nas marcas da calçada, e te digo: Nada pode nos surpreender!

A moeda foi lançada e dos dois lados está escrito somente um nome: Taison.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

LEMBREMOS RENÊ SIMÕES.

Por Gustavo Foster


Muito tem se falado do Inter de 2009, todos percebem. Comentaristas, programas esportivos, jogadores, taxistas, porteiros de prédio: D’Alessandro é mais falado que namoro em cidade do interior. Mas, essa semana, alguém exagerou, falou mais do Inter do qualquer pessoa havia feito. René Simões.

A partir de confirmada a classificação colorada, o técnico coxa-branca disse que somos bicho-papão, que nos assemelhamos ao "carro que todos querem ter", elogiou o trabalho do Tite, disse admirar o esforço dos atletas e do preparador físico, dentre tantas outras filosofais teorias que são demolidas em um apito.

Porém, há uma frase do bigodudo que deve ser guardada – e que parece ter passado em branco para muitos. Segue: "se fosse basquete ou vôlei, dava pra esquecer, o Inter já era campeão", disse, ao responder à pergunta do site GloboEsporte, acerca da grandiosidade do desafio a ser enfrentado.

Nunca fui muito de nenhum dos dois esportes. Pelo que me consta – e pelo que o Google me contou – , no vôlei participam seis jogadores, tem um que usa uma camiseta diferente, a partida é dividida em sets de 25 e sempre que o professor de Educação Física anuncia que "hoje vai ser vôlei", a gurizada chia. Basquete é aquela coisa: cada cesta vale 2 ou 3 pontos, dependendo do lugar de onde foi feito o arremesso, o jogo é divido em quartos, que têm um determinado tempo e, ao final, ganha quem tem mais pontos.

Admito que não entendo muito, mas a principal diferença que vejo dos dois em relação ao futebol é a seqüencialidade – mesmo que tal palavra não exista –, que não existe em mesma escala no esporte bretão. O que faz do futebol algo tão especial diante dos outros é valorização do instante. Um jogo de basquete jamais será resolvido em uma cesta fantástica (talvez sim, mas após outras 50 usuais). Numa partida de vôlei, a cortada histórica do jogador vale tanto quanto os outros 24 pontos que o time dele vai ter que fazer no resto do set. Em ambos, são muitos os pontos, o que faz com que, ao final, ganhe quem errar menos. Ou seja, o melhor. Saca, defende, levanta, corta, defende, levanta de novo e corta. Ponto. Umas 40 vezes por set.

E é isso que aproxima tanto equipes fantásticas de zebras do interior. Na mesma entrevista, René Simões chora as pitangas porque não vai poder escalar Marcelinho Paraíba. Ele é o cara aqui. Só com essa informação, dá pra perceber o abismo que distancia Inter e Coritiba, no que diz respeito à qualidade do elenco. No Beira-Rio, há no mínimo seis jogadores melhores que o veterano oxigenado. Mas voltando: não é basquete nem vôlei. Se fosse basquete ou vôlei, uma cochilada do Lauro resultaria em um ponto do Coritiba. O Inter já teria 17. Taison teria 50 chances de arremesso: acertaria 48, sendo 23 de três pontos. Nilmar daria deixadinhas maestrais, enquanto os adversários de verde tantariam por aquela bola no chão por um sem-fim de vezes. Enfim, o Inter ganharia o jogo e, fatalmente, estaria garantido na final.

Mas é bom sempre lembrar. Não é vôlei nem basquete. É futebol.

terça-feira, 26 de maio de 2009

A JUSTIÇA DE ANDREZINHO.

Por Daniel Ricci Araújo

Enquanto Andrezinho corria, D’Alessandro estava pronto para entrar.

Era um dos doze mil Gre-Nais que o Inter venceu esse ano. O ilustre argentino voltava de uma complicada lesão (aqui, aspas: no craque, não há lesões simples - até uma unha encravada merece um boletim e um staff médicos de erradicar epidemias). Mas como eu dizia, então, do nada, Tite manda El Cabezón aquecer, e a massa estrepita como só ela sabe estrepitar, sonora, trepidante, emitindo aquele som fanático de excitação que deve dar, ao jogador de futebol, a certeza de ter escolhido a profissão certa.

E então seguimos. D’Alessandro entra em campo e, desferindo um passe de sinuca, decide o jogo. Todos estão felizes e recompensados. O grande e providencial jogador havia escancarado sua marca, sua grife de diferenciado mais uma vez, com um tapa milimétrico, destruidor de defesas, quase cínico de tão despudorado. Levantadinha com a cavada do pé. Craque, D’Alessandro: que jogador! Todos estão felizes e recompensados. Menos um.

Menos Andrezinho.

Voltemos ao lance. Andrezinho, um dos melhores décimo-segundo jogadores da era recente do Inter, está sendo substituído, e seu semblante é cabisbaixo, é taciturno – o meia acusa a prostração corporal de um beduíno à procura de água no deserto. O rosto está claro, evidente, como se soubesse por "a" mais "b" estar dando seu lugar a um jogador de categoria superior. Andrezinho, o cumpridor e abnegado Andrezinho, o mais titular dos reservas, sai de campo esquecido e afundado na sombra de D'Alessandro, do qual a torcida espera a obra circense e maravilhosa que supostamente Andrezinho não pode ofertar. Crueldade: o bom jogador está tão desprotegido perante o craque quando a madame está diante do assaltante na sinaleira.

Mas o futebol, tantas vezes injusto, resolve reparar seu erro.

Quarenta e três passados do segundo tempo. Inter e Flamengo engalfinhavam-se no Beira-Rio por uma vaga na semifinal da Copa do Brasil. Andrezinho entrara em campo como uma tentativa desesperadora de reverter a tragédia iminente. Falta. A bola está parada à frente da área carioca como um prédio encontra-se em chamas e ocupado: há uma clara necessidade no ar da ocorrência de algum acontecimento salvador. Andrezinho, o cumpridor, o sério jogador de grupo pressente um instante de craqueza própria, pessoal e intransferível, como diria o mestre Nelson Rodrigues. E o que faz? Pede para bater. D'Alessandro, um iluminado não só na hora de jogar mas também na de reconhecer os melindres da psicologia humana, mentaliza o gol de Andrezinho e, sublimemente, abdica da cobrança. É uma santa omissão, a do castelhano. E então Andrezinho prepara-se.

E bate.

Andrezinho mais que chuta – impulsiona a bola. Ela sai rápida, decidida, não exatamente com precisão milimétrica se alguém exige não menos que o ângulo da goleira. Ora, não é preciso tanto. A bola passa da barreira e cai. E cai. E cai. Bruno dá um passo em falso – inútil. A bola agita o fundo da rede como se fizesse um estrondo numa onda do mar, entra com força no gol, exigindo a classificação. É gol. O jogo acaba. O Gigante urra como se descobrisse o Santo Graal.

De dez, ele acerta oito, diz Fernando Carvalho. Nosso personagem está radiante. É a vitória improvável da força de vontade ante o puro talento – o imprescindível D'Alessandro o carrega nos braços, o Beira-Rio grita o nome do jogador esforçado, e este jogador esforçado, nesta noite singular, é o craque vital, é a base da vitória, é a primeira e mais alta foto da capa do jornal. Andrezinho marca o gol e protagoniza, por uma noite, o triunfo moral do jogador mediano.

O ótimo jogador de grupo, merecidamente, está alçado à categoria de estrela maior. O futebol se corrige e recompensa o metodismo, que a essas alturas transparece algo de mais poético do que o maior dos lances de um gênio em qualquer Maracanã lotado. Pronto. Na obscura substituição do Gre-Nal, Andrezinho não se dera por vencido. Nunca, depois disso, um coadjuvante tornara-se tão protagonista. O Inter vai à semifinal.

E está feita a justiça de Andrezinho.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A IMPRENSA É VERMELHA.

Por Andreas Müller


Eu não escolhi ser jornalista. Apenas me tornei um. Eu tinha 16 anos e estava procurando uma maneira de juntar dinheiro para passar o Carnaval com os amigos em algum lugar entre Tramandaí e Laguna. Minha mãe, prestativa como sempre, foi quem apareceu com a solução mais imediata: uma amiga havia dito que o Jornal Ibiá, principal jornal de Montenegro, onde eu vivia, precisava de alguém para produzir um caderno para jovens, uma espécie de Kzuka à montenegrina, em troca de meio salário-mínimo – exatos R$ 56 por mês, na época. Pois bem: eu era jovem, conhecia bastante gente, tinha facilidade para escrever e não estava disposto a dispensar R$ 56 por mês. Lá fui eu, portanto.

É preciso que se diga: o ano era 1996 e o Grêmio, justamente o Grêmio, rumava para mais uma final de campeonato, desta vez do Brasileirão. Poucos meses antes, Paulo Nunes e Jardel haviam erguido o troféu da Copa Libertadores e transformado a cidade numa verdadeira Babilônia tricolor. Agora, tão pouco tempo depois, o Grêmio voltava a ser o único assunto possível em qualquer roda de chope em Montenegro – que, como todas as cidades do interior nascidas da imigração alemã, são majoritariamente gremistas. Eu, aliás, era um colorado quase heróico. Lá, uma parte das carreatas e buzinaços azuis passava não só pela Ramiro Barcelos, principal rua da cidade, mas também na frente da minha casa. Por pura crueldade.

Bem, mas entrei no estágio, tomei gosto pela coisa e em pouco tempo eu já estava habituado a caminhar pela cidade em busca de assuntos para o Jornal Ibiá. Tratava de tudo, absolutamente tudo que pudesse interessar a um adolescente como eu – e é óbvio que o futebol entrava na pauta com alguma regularidade. Foi o que aconteceu no final daquele ano, quando o Grêmio decidiu o Campeonato Brasileiro contra o bom time da Portuguesa e eu, disposto a dar a inevitável cobertura ao tema, acabei me metendo no meio da concentração tricolor, no dia da grande finalíssima, em pleno Hiper Lanches – a saber: mais tradicional lancheria de Montenegro, onde todos se reuniam para assistir aos jogos na frente de uma velha e engordurada TV de 42 polegadas.

Sentei-me no meio de alguns amigos, devidamente munido de uma máquina fotográfica e um bloquinho de anotações. O jogo começou, nem bem as garrafas de cerveja haviam se esvaziado e Paulo Nunes emendou o primeiro gol, abrindo as portas da Babilônia tricolor. Pessoas se atiravam por cima das mesas e rolavam no chão, copos se despedaçavam, pedaços de xisbúrguer atravessavam o ar e eu lá, fotografando tudo. Felizmente, o Grêmio precisava fazer dois para conquistar o título e, durante um bom tempo, eu pude me consolar imaginando como seria engraçado ver aquelas fotos depois, caso o placar se encerrasse em apenas 1 x 0. Mas o fato é que estávamos nos anos 90. No final daquela partida, Ailton pegaria um rebote improvável na entrada da área, fuzilaria as redes de Clemer e gravaria o nome do Grêmio na taça daquele ano. E eu, é claro, passaria o resto da noite fotografando uma festa absolutamente insuportável para o meu já sofrido coração colorado.

Chegando em casa – sim, eu trabalhava em casa –, tratei de deixar as paixões de lado e fazer um texto absolutamente isento. Disposto a me abster de todo e qualquer ressentimento colorado, eu fui além do equilíbrio: imaginei-me na pele de um torcedor gremista. E desatei, assim, a escrever a crônica mais tricolor jamais vista na imprensa montenegrina. Meus títulos eram líricos e azulados, minhas legendas vinham eivadas de orgulho e afetação por mais uma conquista da imortalidade tricolor. Não é preciso dizer que cheguei ao final do texto absolutamente arrasado. Pior do que suportar o buzinaço gremista era ter de elogiá-lo, exaltá-lo e enaltecê-lo. E foi justamente isso que eu fiz no fatídico domingo em que o Grêmio se consagrou bicampeão brasileiro, em 1996.

Felizmente, por uma dessas coisas que só o jornalismo diário explica, todo o épico material que eu produzi jamais foi publicado. Na última hora, meu editor achou que o jornal já estava dedicando espaço demais à festa gremista e não era necessário repeti-la na página que eu produzia. Assim, pegou algumas fotos minhas, alterou as legendas e fechou a edição sem a minha verborragia pseudogeraldina, numa decisão que foi fundamental para a minha auto-estima alvirrubra. Depois disso, nunca mais me aventurei a trabalhar com jornalismo esportivo. Especializei-me na editoria de economia e só voltei tratar de futebol aqui mesmo, no Final Sports – um espaço opinativo, no qual posso desfilar todo o meu coloradismo sem medo e sem compromisso com uma pretensa isenção.

Mas o fato é que tenho aquele material guardado até hoje. Lembro dele todas as vezes que abro os jornais da capital e me deparo com as manchetes a respeito da campanha gremista na Libertadores e, mais ainda, no Brasileirão. Lembro do que escrevi e de como me travesti em um autêntico gremista todas as vezes que vejo as análises sobre a genialidade de figuras como Wagner Mancini, Celso Roth e Paulo Autuori. E então eu penso, conformado: esses jornalistas aí só podem colorados. Sim, são todos uns colorados incorrigíveis, como eu. Sorria, amigo: a imprensa é vermelha, absurdamente vermelha! Tudo isso que eu e você lemos por aí é apenas resultado de um abissal esforço para disfarçar esse coloradismo iminente. Nada mais.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

TERREMOTO.

Por Marcelo Benvenutti

O dia foi tenso. Corrido. Buscar o filho na escola. Três anos. Deixar com a vó. Cortar caminho pela Farrapos. Buzinaço no Gasômetro. Cortar pra dentro do Menino Deus. Deixar o carro. Tomar umas latas de ceva em casa. É mais barato. Calmamente sair de casa, finalmente, lá pelas oito e meia da noite. Tomar uma saideira do outro lado do Beira. Entrar, já devidamente bêbado, no estádio quinze minutos depois das nove.

Me coloco por ali, perto da entrada do Bar 4. Mesmo que ali não tenho mais bebida, só Pepsi, o que me faz pensar, ingenuamente, como toma refrigerante essa gente. Obviamente não me passou despercebido que a revista na entrada de grandes jogos é feita com uma leve apalpada nos quadris. Nada que impedisse qualquer um, inclusive eu, a carregar um trago nos tênis, na meia, no carapinha do urso do cabelo duro. Essa lei é tão seca quanto os gols dos adversários no Inter.

O time em campo. Uma neblina de sinalizadores me impede de ver qualquer pessoa num raio de mais de dez metros. Todos tiram fotos. Posam para suas próprias máquinas. Me entedio. Não tenho rádio. Não tiro fotos. Não tenho o que fazer com as mãos a não ser cruzá-las ou enfiá-las nos bolsos. Fernandão discursa? Não escuto. A bateria da 12 não deixa pedra sobre pedra. Parecemos estar em um navio à deriva em um canal largo, profundo e enevoado.

A escalação eu já sei. Rosinei "luvinha de lã" no lugar do Magrão. Danilo no de Bolívar. Me lembro dos flamenguistas querendo se arriar em cima de nós pelo título de 1987 da Copa União. Aquele campeonato do famoso álbum e do patrocínio da Coca-Cola. Depois nos negamos a jogar as "finais" contra Sport e Guarani e nos condenaram a um mês de suspensão. "Bons" tempos da administração otomana. O comentarista na rádio de alguém (Eu ainda escuto rádio dos outros? Estou ouvindo vozes?) fala em mais um teste para o Inter provar se é bom mesmo ou não. O Inter fez tanto teste que daqui a pouco tá fazendo teste pro vestibular de inverno também. Na final de 1987, eu estava fazendo o Provão da Ufgrs. O nosso time não era ruim. Só que o Flamengo era uma máquina. Sofreram para fazer um a zero no Maraca. Ênio Andrade é o pai deles todos. Danilo na lateral? Bom seria transportar no tempo o Winck daqueles tempos. Não se fazem mais laterais direitos.

O jogo começa e depois de algum tempo outro torcedor por perto comenta: O Flamengo é o melhor time de gauchão que enfrentamos este ano. E é mesmo. Bom toque de bola. Saí jogando. Um jogador colado com cada um dos craques colorados. D'Alessandro daqui a pouco leva o cara pro vestiário junto com ele e pede em casamento. Nada que altere a tensão presa no ar, tal qual uma neblina invisível tapando minha visão. Juan dá uma de Papai Noel e Nilmar agradece e corre. Taison passou riscando pelo meio. Eu não vi. Muita gente não viu. Só a bola na rede. Não quero nem saber de placar eletrônico. A rede é o que me interessa. Os detalhes eu assisto em casa. Gol do Inter. A tensão aumenta junto com a responsabilidade.

Depois de encarar uma triste cerveja sem álcool do inferno, penso em pedir do refri dos outros. Mas não. O transe hipnótico do álcool já passou. Sobrou a adrenalina. As pernas enrijecendo paralisadas. O pescoço em movimento seguindo a bola tal qual um gato à espreita. Tal qual um Guiñazu observando a presa à distância. Guiñazu é tão rápido e certeiro em seu bote para cima dos flamenguistas que merecia um documentário no Discovery Channel ou no Animal Planet. Merecia uma série no Globo Repórter. Sérgio Chapelin narrando: Você vai ver, hoje, como Guiñazu dá o bote nos adversários. Nossos repórteres conseguiram captar o exato instante em que El Cholo assume a forma de um puma em perseguição a uma gazela e rouba a bola do inimigo. Veja as imagens.

Mas nem Guiñazu impede que uma bela jogada rubro-negra, tramada pela direita, resulte no fatídico gol de empate deles. O gol da classificação. Do gol fora de casa. Do bendito e maldito gol fora de casa. Quando o silêncio poderia sepultar os sonhos vermelhos, eis que a massa se revolta e canta. O time cresce. As vozes se multiplicam. Por que Tite mandou entrar o esforçado Glaydson em vez do Andrezinho? Os murmúrios se multiplicam. Certa altura chega a escutar um ressonar coletivo de sussurros. Andrezinho. Andrezinho. Ele entra. Agora coloca ele, porra? Grita um. O time ataca desordenado. Só na vontade. O Flamengo é o melhor time gaúcho do Rio de Janeiro. O Flamengo é o melhor time gaúcho do mundo naquele instante. Tudo se encaminha para o despenhadeiro com Guiñazu, pumas, gazelas, sonhos, Taison. É o fim.

Mas o fim só se aproxima para aqueles que aceitam. O Inter não aceita. A torcida colorada não aceita. Guiñazu não aceita. Falta perto da área em Glaydon, aquele que não deveria entrar para entra Andrezinho. D'Alessandro se coloca próximo da bola. Bruno ajeita a barreira prevendo o chute do portenho. Andrezinho fala, só saberemos disso depois do jogo: Essa é minha. Vou fazer o gol. Só D'Alessandro sabe. Só D'Alessandro guarda o segredo momentâneo. Só ele pode prever o gol. Andrezinho cobra. Silêncio que dura décimos de segundo. Uma parte da torcida grita gol gol gol compassado. Mas não significa muito. São os que sempre gritam gol gol gol até em lateral. Bruno vai certeiro em direção ao canto esquerdo da meta. Andrezinho ainda está cobrando. Ele está cobrando até agora. Amanhã ainda estará. Não é um gol. É um momento histórico. Tchááá! Faz a bola no fundo da rede.

Sismógrafos chineses e norte-americanos registraram um pequeno tremor de terra em uma península na beira de um grande lago na altura do paralelo 30 na América do Sul por volta das três horas de Greenwich. Não existem previsões de Tsunami. Mas são grandes as possibilidades da ocorrência de uma maré vermelha.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

HÁ UM ÍDOLO NO BEIRA-RIO.

Por Gustavo Foster


Figueroa, Falcão, Tinga, Valdomiro, Mahicon Librelato, Claudiomiro. Fernandão. Nomes como estes, por si só, estampam na cara de qualquer colorado um sorriso. Por lembrarem fatos marcantes, atuações memoráveis, títulos sagrados. E desde o último, Fernandão, o Inter procurava um destes. Alguém que empreste sua figura à entitade Internacional e, num fenônemo só visto no futebol, torne-se figura única e representativa da camisa que veste.

E com Fernandão podia-se (ou pode-se) ver isso. Impossível pensar no camisa 9 e não projetar um fardamento vermelho em seu corpo, 10 homens trabalhando para a sua glória e uma taça em suas mãos. Jogue ele onde quiser, passe o tempo que passar, Fernandão e Inter formam um só símbolo, eterno.

E, neste domingo, o nenhum texto conseguirá trasncrever. Só quem levantou-se do concreto, vibrou e gritou sabe o que aconteceu: Guiñazu foi eternizado como personagem atemporal da história colorada. À metade do segundo tempo, quando chamado por Tite, provavelmente o argentino não pôde ouvir qualquer instrução de seu comandante. O único som possível naquele instante inacabável eram urros descompassados, mas com uma única finalidade: reverência.

E é essa a palavra que (insuficientemente) explica o que ocorre entra a massa vermelha que habita o Beira-Rio e aquele argentino de cavanhaque: reverência. Há jogadores que possuem melhor habilidade, há quem faça mais gols, há até quem seja mais imprescindível na equipe que o camisa 5. Mas ninguém – NINGUÉM – possui algo perto do que Pablo Horacio Guiñazu tem em relação ao Inter.

Respeito, para mim, é o que aproxima tanto o volante da torcida. Guina mostra respeito pelo Inter. Se há alguma chance de que algo beneficie o Inter, Guiñazu o fará. Vontade, raça, entrega são fraquíssimas expressões perto dos carrinhos, das divididas, das investidas à frente, dos passes, da excelência com que o jogador atua.

Quando Guiñazu entra em campo, é impossível não perceber que futebol é mais que um esporte, mais que uma profissão, mais que diversão. Para o argentino, a bola correndo à linha de fundo é uma criança que caminha em direção ao trilho do trem; o jogador adversário (obviamente já marcado pelo zagueiro encarregado da função) é o inimigo de guerra em direção ao QG. O gol é a mulher amada. O gramado é a pátria. Os pés são o coração: a torcida é só uma pessoa. Para Guiñazu, a mais importante do mundo.

Ao menos naqueles 90 minutos.

terça-feira, 19 de maio de 2009

TAISON PRECISA SORRIR.

Por Daniel Ricci Araújo


No último domingo à noite, Magrão esteve em um programa de debates na TVCOM. Conversa vai, conversa vem, um dos apresentadores resolve imprimir à até ali agradável charla futebolística um calculado tom de questionamento social. Sabedor da infância difícil do nosso volante, o jornalista tasca uma pergunta protocolar e esperada: como sentia-se o realizado Magrão jogador, depois de tantas dificuldades ultrapassadas na vida? A resposta, coloquial, foi de uma simplicidade desconcertante:

- Cara, sinceramente: eu tô no lucro.

É empolgante notar, no homem de origem modesta, a simplicidade de pensamento que, desobrigando o sujeito de muitos deveres, faz da pessoa um ser mais feliz e muito dificilmente é alcançada pelo cidadão nascido com tudo a sua disposição. Quando estamos acostumados a não ter o que perder podemos nada e, ao mesmo tempo, tudo. O contrário traz o risco, a incerteza e, a galope, um medo terrível, de assar as entranhas.

Foi este medo – o de perder o que já tem – que fez Taison protagonizar uma atuação sofrível na última semana, no Maracanã.

Quando nossa jovem revelação – provavelmente o melhor jogador do primeiro semestre no Brasil – pisou o gramado do maior estádio do mundo, sua cabeça juvenil balançou. Após mais de vinte gols, arrancadas rotundas, dribles desconcertantes e elogios a não mais poder, ali estava a novidade colorada, no palco esportivo maior da nação, pronta para demonstrar aos olhos do país o que se falava dele e muito mais.

Ali, naquele momento, naquela circunstância, os quatro meses de excelente futebol eram um fardo pesado demais para ser carregado. Como prova-se um gol? Com outro gol. Como convencemos de um drible? Com outro drible. Repetir-se: eis a pior das missões para quem é bom no que faz. Taison sabe disso, e tamanha responsabilidade de ser ele mesmo engessou seu jogo normalmente espontâneo e imprevisível. Suas pernas pareciam travadas. Sua cintura, pesada. No Maracanã, no afã de provar, Taison não foi Taison. Faltou-lhe desincumbir-se disso: da carga de ser quem ele de fato é.

Mas isso passou. E com o feeling da experiência a tiracolo, Tite foi de uma precisão cirúrgica no auxílio ao jovem rebento. Não aconselhou a Taison somente que voltasse para marcar, que corresse mais, soltasse a bola ou procurasse o jogo. Não. Pediu-lhe somente que sorrisse. Sorrir, ora bolas. O ser humano precisa da leveza, da irresponsabilidade, dessa ligação pueril com o dever para assim se esquecer dele e então encará-lo de frente, manhã após manhã, dia após dia sem sentir-se intimidado por sua inevitável dureza.

Taison, para alcançar essa consciência, precisa sorrir. E a partir de agora, ele sorrirá. E será feliz, e marcará gols e dará arrancadas e driblará adversários com a agilidade felina dos tempos em que jogava por jogar, e o fazia muito bem. Taison precisa sorrir. Porque como Magrão mesmo disse, nada melhor para encarar a vida do que se ver sempre no lucro. E no dia em que Taison se der conta disso, ele, o menino pobre de Pelotas que sabe mais sobre o barro da vida do que a maioria de nós, aí então ele terá para sempre aprendido a melhor lição de todas: para enfrentar a responsabilidade, é necessário primeiro mandá-la às favas.

E por isso e tantas coisas mais, Taison precisa sorrir.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

CINQUENTA MIL!

Por Andreas Müller

É quarta-feira e o relógio marca nove da noite. Você bem que tentou apressar o pai e o vizinho, mas aquele primo que viria de São Sebastião do Caí se atrasou e aí está você, agora, trancado em uma procissão quilométrica de motores e buzinas na Borges de Medeiros. O trânsito não anda. Os carros avançam lentamente, um depois do outro, num arranca-e-para que é a um só tempo monótono e enervante. Pela calçada, hordas inteiras de colorados caminham confiantes com bandeiras, toucas e latões de Skol comprados a dois por cinco reais. Caminham praticamente na mesma velocidade que você, mas um pouco mais leves, até porque estão isentos dessa preocupação mesquinha de encontrar um estacionamento, um maldito lugar de descanso para esse bólido de metal, borracha e gasolina no qual você se mantém preso – algo que, por alguma razão desconhecida, a humanidade vê como conveniente.

Mas a romaria de aço avança sobre o asfalto. Lentamente, você e seu bólido vencem a curva do viaduto da José de Alencar e se alinham em direção a ele, o Gigante da Beira Rio. Quase não dá para vê-lo por cima dos ônibus e da fumaça dos churrasquinhos. Mas dá para senti-lo. Sim, lá está ele, com suas luzes que se projetam no céu e rebatem nas nuvens mais baixas, fazendo clarear um pedaço da noite. Lá está ele, com seu cheiro do asfalto úmido, o concreto cinza preso ao chão com uma solidez assustadora. Visto de longe, o Beira Rio é algo parecido com um imenso vulcão de luz. Apenas os quero-queros e os sacos plásticos ousam revoar por cima de sua boca fumegante, como que alheios à erupção iminente que está prestes a iluminar o resto desta noite – e a memória de cada um que ruma para seu seio.

O carro segue e, aos poucos, começam a surgir os flanelinhas, muitos flanelinhas, todos eles se jogando na frente de cada veículo com o ardor de um náufrago na vitrine do Montana Grill. É pro jogo? Estacionar? Você tenta ignorar, mas o seu estômago já está encolhido de nervosismo e clama por uma solução rápida. Sim, estacionar, meu amigo. Quanto? O primo de São Sebastião do Caí protesta que não vale a pena pagar R$ 20 para deixar o carro em cima do meio-fio. Mas você já não se importa mais com o carro, nem com o dinheiro e muito menos com o primo. Larga o bólido no pátio de uma borracharia, solta o freio-de-mão para o flanelinha manobrar, tira R$ 20 do bolso e segue seu rumo livre, finalmente livre em direção ao vulcão de luz.

Caminhar nas ruas a essa altura é um suplício. Todos andam a passadas largas, apressados para tomar lugar dentro do Gigante. Você acompanha a manada. Deixa-se levar pela multidão como se fosse um galho seco boiando nas correntezas de um rio escuro e tempestuoso. Olha para trás – o pai, o primo e o vizinho estão logo ali, tentando acompanhá-lo – e já começa a procurar o portão mais próximo. Qualquer um. Seu pai grita: vamos de social? Você responde: não dá mais, vamos na inferior. E assim você se mete na imensa melancia humana que tenta passar pelo buraco de fechadura do portão 6. A fila simplesmente não existe mais. As pessoas se empurram para frente e para trás e você mantém as mãos presas ao próprio peito, sentindo na nuca a respiração ansiosa do seu próprio pai – será que o velho está bem? As pessoas se ofendem, pedem para que a revista da BM ocorra com mais rapidez e você chega a se perguntar se realmente foi uma boa ter vindo hoje. E se o Flamengo ganhar? E se empatarmos? E se formos para os pênaltis?

Lentamente, você se aproxima do portão. Ergue os braços esperando pela revista da brigada – algo parecido com dois tapinhas na cintura, nada mais – e pronto, você corre para a catraca mais próxima. Antes de passar, porém, você olha para trás e descobre, surpreso, que o seu pai ficou lá atrás, discutindo com os policiais por um motivo incompreensível. Você volta e berra: mas o que te deu na cabeça de trazer um guarda-chuva pro estádio? Seu pai, constrangido, joga o guarda-chuvas num canto e é liberado. E o diabo é que você não precisava ter sido grosseiro com ele... Você e ele se aproximam da catraca, silenciosos. Ele passa primeiro, você depois. Pronto: vocês entraram. Missão cumprida. E assim, num átimo de cumplicidade, você e ele se abraçam, pedindo-se desculpas mutuamente, mas sem dizer nada. A sensação de alívio é indescritível.

Aparecem o vizinho e o primo, este berrando DÁ-LHE INTER. O barulho no corredor é ensurdecedor. Você caminha rápido e já consegue divisar as superiores do Gigante totalmente lotadas. Cinquenta mil! – é o que grita o seu pai, assombrado. Tem cinquenta mil pessoas aqui dentro! – ele repete. Você olha e concorda. Sente um arrepio, um frêmito que percorre sua espinha e o faz disparar em direção à boca do vulcão. São cinquenta mil apaixonados. Cinquenta mil doentes. Cinquenta mil ensandecidos. E você, movido a adrenalina, dá os seus últimos passos para se tornar um entre eles.

Apenas mais um entre eles.

domingo, 17 de maio de 2009

"GENINTER"

Por Raphael Castro


Como escrevinhador neste digníssimo espaço, costumo me mortificar com a escolha do assunto a ser abordado. Não raro, o tema da coluna me consome quase até o limite da entrega do texto, quando então junto “a agonia com a vontade de escrever” e dá no que dá. Só que, como diriam aqueles outros, “meus problemas acabaram”. Explico: a cobertura esportiva sobre o Inter tem oferecido material aos borbotões para quem se dá ao fastio da leitura crítica; nosso amado Colorado, caros(as) leitores(as), de acordo com a crônica, foi desmascarado feito um gigolô europeu, um vendedor de carro usado, um “sambarilóve” da bola. O Inter, hoje, é a Geni do futebol...

Fraudes

Quer dizer então que bastou pegarmos jogadores bípedes pela frente para vir a ressaca daquelas goleadas narcóticas, é isso? Ora, compreende-se a bronca: o time vinha jogando redondo, sendo incensado messianicamente do Pólo Norte à Terra do Fogo (digamos que o fato de aquele gol do Nilmar passar até em Plutão não exatamente “ajudou”); não me admira, portanto, que os flamenguistas viessem para cima de nós com os olhos borrados de sangue - o que, de resto, estava mais na cara que nariz no focinho. De fato, me intriga muito essa coisa de trombetear o óbvio (o óbvio, como sabido, é um irremediável egocêntrico): seria totalmente natural (1) que o time não desse espetáculo sempre; (2) que o ritmo eventualmente desse uma caída; e (3) que clube grande é diferente; então, ficarem agora as cassandras da mídia destilando que “eu sabia, eu sabia, eu avisei...” é de uma futilidade entediante.

Houston, we have a...

Só que tem boa parte da torcida que cai nessa esparrela primária – como, aliás, caiu porque quis também na época das mencionadas sarandas alucinógenas de até pouco tempo atrás. Sei. Aí o Taison faz o da vitória na quarta, num lance de gênio. Alto lá: não estou dizendo que o cara É gênio, que fique bem claro. Só estou dizendo para terem um mínimo de bom senso diante do raciocínio proxeneta das manchetes dos jornais (todos os jornais, bem-entendido). “Hoje, é lindo, amanhã provavelmente não vai servir mais”. Pois é. Há que se ter um pouco de inteligência. Mesmo para acompanhar futebol, né...

Opinião

Meu pitaco? Não, não tá tão mal. Antes que os mais apressadinhos me tachem de jatobá ou Tonho da Lua, peço-lhes gentilmente que vejam onde estamos até agora: campeão gaúcho invicto (hahãm, sem finalíssima); quatro pontos nos últimos seis disputados (opa, tudo fora de casa); sem tomar gol desde mil‑novecentos-e-vovô-era-piá (inclusive contra dois times do primeiro escalão do futebol nacional); disputando jogo de quartas-de-final da Copa Gata Borralheira em casa, sem tomar gol fora; pode perder? Pode. Pode ser eliminado na quarta? Pode. O mínimo que eu espero do Adenor é tirar raça do time e achar uma solução para eles jogarem melhor do que jogaram nas últimas duas partidas. Ponto. Simplinho assim. Mas mal, mal, não tá. Quanto àqueles que dizem que a bola do Inter minguou contra os grandes, que secou a fonte, que acabou a festa, que queimou a cueca, que e sei lá mais o quê, respondo que vesgamente miraram no certo para acertar no errado: jogou menos não porque joga (no presente mesmo) pouco; mas porque, nos dois últimos jogos, jogou pro gasto. E não, não perdeu. Pra pensar...(como diria o meu musical, festeiro, pé-de-valsa e conhecedor avô, o time “tá que nem gaiteiro canhoto: meio diferente, mas ainda anima o baile...”).

Tópicas: Palmeiras

Ah, sim, já que ainda não jogamos com ninguém, vamos ter pela frente mais um melhor adversário de todos os tempos da última semana...

Bem, caros leitores, por enquanto é só isso – e ponto final.

Fui (e não a pé).

quinta-feira, 14 de maio de 2009

MATAR OU MORRER.

Por Marcelo Benvenutti

Ano passado. 2008. Quartas-de-final da Copa do Brasil. A torcida colorada irada vaia o time no final depois de vencermos o Sport Recife por 1x0 no Beira-Rio. Eu, puto da cara, me irrito e me seguro pra não discutir com alguns imbecis que insistiam em criticar tudo no time. A apresentação obviamente não tinha sido das melhores. Mas era uma vitória. Na volta poderíamos garantir a vaga na semfinal. Não era nenhum fim de mundo. Depois, foi.

Ontem. Flamengo no Maracanã. Depois do jogo, um jogador rubro-negro responde a uma pergunta com raiva. O ódio da partida ainda quente dorria em seus olhos: "Falaram que eles viriam aqui e tocar um chocolate no Flamengo." Falaram. Quem falaram? Bom, não interessa. A mídia é assim mesmo. Cria e destrói mitos do telejornal Hoje até o Jornal da Globo. Depois de uma semana de La Boba no Globo Esporte, Nilmar recebendo placa. D'Alessandro é Rivelino, Nilmar é Messi, e por aí, nada mais restava ao Inter que não fosse decepcionar.

Outro dia escrevi aqui. O Inter criou seu próprio parâmetro. Isso é bom. É ótimo. Mas também pode ser um desastre. Pode parecer aquele sujeito que toma Viagra para triturar a namorada nova em 8 horas seguidas de sexo e um dia, sabe-se lá por que, peças que a viad nos prega, se apaixona e resolve mostrar seu verdadeiro "eu". Dá uma bimbada meia bomba de cinco minutos, goza e vira pro lado roncando e chamando a mamãe nos sonhos. Obviamente a amada do sujeito vai odiar. Ninguém mandou criar um limite acima da média, Don Juan de pílula.

Assim aconteceu com a equipe colorada. Partidas perfeitas em sequência. Contra um bando de times medíocres, dirão. Sim. Mas, mesmo assim, perfeitas. A fama foi se alastrando. Fama de futebol é como qualquer outra fama. Fama de bom de cama. Fama de mau pagador. Fama de matador em filme de faroeste. Depois que fez a fama, meu velho, tem que encarar, dar de frente. O velho Clint Eastwood tentando fugir do passado em um faroeste qualquer. Sempre um novo pistoleiro, invejoso, cruel, sanguinário, à espreita na próxima cidade. Louco para matar o famoso Clint, um homem sem piedade. Aquele que mata tudo que anda e rasteja.

Assim será a vida do Inter enquanto a fama, a invencibilidade e a inveja alheia perdurarem. Enquanto este time for considerado de primeira linha, não por companheirismo ou clubismo, mas por méritos. Serão adversários com baba escorrendo da boca vociferando que "ninguém vai nos meter um chocolate" e entrando de sola em todas. Vai ser D'Alessandro tendo que descobrir que para "dejálo jugar fútbol" ele tem que sair das faltas, procurar o parceiro, mesmo que seja o Taison pedindo mamãe como o cara do sonho dois parágrafos acima. Vai ser Nilmar tendo que correr mais que sempre, se é possível alguém ser tão rápido fora das pistas de atletsimo. Vai ser Magrão, ou quem quer que entre no lugar dele, se dar conta que vai ter que correr mais que neguinho desesperado atrás do busão, atrasado, em dia de pagamento de salário. Enfim, todos terão que ser Guiñazu.

A torcida, esse emaranhado de individualidades desconexas, aprenderá, aqueles que ainda não aprenderam vão ter que fazer cursinho com os mais velhos, que um grande time enfrenta jogos mais difíceis que os outros. Contra os grandes, todos querem ser perfeitos. Ou o sujeito dá tudo pra faturar tanto a gordinha feia do 302 tanto quanto a gostosa do trabalho, ou vai ficar de cinco em um na mão assistindo SexyTime no Multishow. Só não me tomem Viagra que do jeito que o Tite prepara suas estratégias, vão morrer de ataque cardíaco antes de gozarem.

O Internacional hoje é o time mais solitário do Brasil. Solitário em sua força. Todos o enfrentarão como o Flamngo ontem. Portanto, não adianta se esconder e esperar a hora certa. Amorcegar jogos como Bocas Juniors da vida, Tite. O momento é de só um pensamento. Não existe meio-termo, Gary Cooper de Caxias. É matar ou morrer.

Ps.: Quem não conhece esse clássico do faroeste, Matar ou Morrer, é bom conhecer. High Noon é o nome original deste filme de 1952.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

GANHAR JOGANDO MAL.

Por Gustavo Foster

Não falarei (muito) sobre o gol do Nilmar. Tudo que havia para ser dito jamais o será: o que melhor retrata a obra que foram aqueles 11 segundos é o silêncio. Silêncio de contemplação e felicidade por estar vivo e presente no momento em que aqueles 11 segundos aconteceram. Vamos ao jogo.

Soado o apito de fim de jogo (e até mesmo antes, por parte dos apressadinhos), deu-se início um coro de críticas ao time do Inter. Que não havia jogado no seu estilo, que não havia demonstrado o mesmo futebol de antes, que não apresentara em D’Alessandro e Taison nenhuma arma potente e que se sagrou vitorioso graças apenas a um estouro de genialidade por parte do "menino do gol brilhante" (Gallagher, Noel).

Pois bem: alguns podem ver tais fatores como negativos. Demonstrando talvez um otimismo impressionante, talvez um realismo professoral, vejo com bons olhos todos os fatores acima listados. E explico: todas as dificuldades que foram apresentadas pelo Inter no Pacaembu (e, sim, elas existiram) são anormais, exclusivas, esporádicas, bissextas. Em resumo: analisando o ano, do seu início até o jogo contra o Corinthians, veremos que D’Alessandro não jogar bem, Taison não chutar a gol, o Inter não conseguir ter a posse da bola e sofrer com investidas recorrentes, não conseguindo manter o jogo no campo adversário, são fatos que podem ser configurados como exceção.

Outra análise importante a ser feita: jogamos contra um dos 5 melhores times do campeonato. Tire-se Cruzeiro, Palmeiras, Grêmio, São Paulo e talvez algum outro, não há ninguém que possa atestar ter um time melhor que o de Mano Menezes. Era o titular? Sim. Mas garanto que a CBF não leva isso em conta: ganhamos do Corinthians fora de casa. Em tese (expressão imbecil, que jamais deveria ser utilizada no futebol, pois nunca se transforma em realidade, mas segue...), teremos, no máximo, 10 jogos mais difíceis que este.

Resumindo meu raciocínio, que vem desde o início do texto: jogar mal é uma exceção para D’Alessandro, Taison e para o Inter em geral. Mesmo assim, em um dia "abaixo do esperado", ganhamos um dos dez jogos mais difíceis que temos pela frente. O importante para ser campeão é isso. Sendo melhor que o adversário, ganhar é fácil. O importante é, mesmo no dia em que nada dá certo, vencer. Os três pontos de um jogo ruim são os mesmos três pontos de uma goleada histórica.

No mais, concordo que se deve exigir mais dos jogadores. O Inter, já vimos, pode jogar muito mais do que jogou no domingo. E, jogando o que sabe, vai longe. Começamos bem, mas temos que nos lembrar que ganhamos tudo que ganhamos com um futebol bem jogado, no campo do adversário. Não é todo dia que o Nilmar vai resolver decretar estado de calamidade pública na região Sudeste do Brasil.

terça-feira, 12 de maio de 2009

UM FIM DE SEMANA EM SÃO PAULO.

Por Daniel Ricci Araújo


Passei um bom tempo do ano passado tentando agendar uma ida ao Estádio do Pacaembu para ver o Inter jogar. Sempre tive vontade de conhecer e ver um jogo nosso no mais charmoso estádio paulista, com sua bela praça Charles Miller à frente, um bonito largo feito sob medida para o encontro das torcidas, antes e após o jogo. Neste último fim de semana, enfim, tive a oportunidade de assistir à vitória do Inter contra o Corinthians. E não me arrependo do dinheiro gasto, que não foi pouco.

Já antes, no sábado, pudemos conhecer o – eu diria – obrigatório Museu do Futebol, situado dentro do próprio Pacaembu. A experiência é fascinante. Ao preço módico de seis reais, o cidadão faz mais do que visitar um ponto turístico, muito mais – na verdade, pagamos para assistir a uma celebração do futebol e de todos os contrastes responsáveis por torná-lo o mais vivo e palpitante traço da unidade nacional brasileira. Sim, o Inter está lá, representado com flâmulas, bandeiras, o histórico gol de Figueroa e um golaço de Fernandão, estes reproduzidos em vídeo. Mas a realidade é que o Museu do Futebol tem o mérito de ser formidavelmente atemporal e, inventemos uma palavra, aclubístico. Saímos de lá com a sensação de que o esporte bretão nosso de cada dia vale a pena tanto quanto o pão diário presente na nossa mesa.

Indo embora do museu, seguimos nosso trajeto para ir até o Palestra Itália acompanhar Palmeiras x Coritiba. Acabamos revendo, é claro, Marcão e Cleiton Xavier. Este último, quem diria, ao entrar em campo como a solução do time, no segundo tempo, recebe os aplausos empolgados da torcida palmeirense – assim nos fazendo pensar que, realmente, o sol mais cedo ou mais tarde nasce para todos. Mas antes disso, a difícil compra de ingressos e entrada no estádio faz-nos constatar, orgulhosamente, que o Inter está dez anos à frente de muitos outros times do Brasil.

Se assistir a um jogo no Beira-Rio, para o sócio, é uma experiência primeiramente de conforto, já não se pode dizer o mesmo quanto ao palmeirense, mesmo no conhecido e badalado Setor Visa, único local onde consegui entrar sem ter de desafiar uma fila homérica. Apesar das ótimas instalações internas, a demora na compra do ingresso me convenceu: tudo que o sócio colorado tem para si como uma coisa comum é, para o torcedor regular do país, uma grande regalia. O que o palmeirense ali presente, de maior poder aquisitivo, compra ao custo de 55 reais por jogo, o sócio colorado recebe pagando mais ou menos isso, mas por mês. E nessa diferença está tudo e mais um pouco.

Chegando ao domingo, o Pacaembu então está pronto e aguardando a estreia colorada rumo ao tetracampeonato. Quando da entrada dos times em campo, uma coisa literalmente fica escancarada a olho nu – nosso novo telão é muito, mas muito superior ao do estádio onde estamos visitantes. Os degraus das arquibancadas são altos demais, mas o estádio todo compensa ao oferecer uma boa visão da partida, razoavelmente próxima do campo. O jogo é frouxo e, apesar de ter começado a administrar o resultado cedo demais, a pintura de Nilmar (maravilhosamente retratada ontem pelo Andreas, aqui mesmo) vale a tarde, a noite e o ano inteiro. Um triunfo sob medida, pragmático, apertado: o Campeonato Brasileiro irá separar os homens das crianças.

Acaba o jogo e a massa escoa pelas ruas. Saímos juntos, ouvindo as conversas e lamentações. Os corintianos mostram recalque e escárnio: esse time do Inter nunca será campeão com essa bolinha, diz um. A sensação que fica é de estar definitivamente instalada uma rivalidade extra entre os dois clubes. Nota-se claramente: os corintianos, claro, não gostaram de perder, e menos ainda de perder para o Inter. No entanto, ninguém clamou por Marcio Rezende ou Kia Joorabchian. Já é um início.

O Inter agora ruma ao Maracanã. Lá não estarei presente. Mas o que fica para mim dessa incursão a terras paulistas é que o Inter, inegavelmente, é hoje junto com o São Paulo uma das duas maiores instituições futebolísticas do país. O respeito de todos pelo nosso clube é inegável até quando vai demonstrado pela raiva – nem mesmo os corintianos, derrotados e bravos, conseguiram deixar de falar mal do Inter não só domingo, após o jogo, como também ontem, e, provavelmente, ainda hoje. Não nos esquecem, é impressionante. Que siga assim. E oxalá possamos todos ainda assistir a muitas vitórias coloradas, por aqui ou acolá.

Porque o Inter de 2009 nos permite, sem dúvida, sonhar com viagens cada vez mais distantes.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

GOLAZO, CARAJO!

Por Andreas Müller


D’Alessandro não está numa tarde inspirada. Assim mesmo, sem inspiração, é ele quem identifica Nilmar a meia-cancha de distância, lá adiante, correndo solitário em meio ao pequeno exército alvinegro de Mano Menezes. Sem inspiração, quase de mal com a vida, D’Alessandro se converte num quarterback e desfere um daqueles lançamentos secos e retilíneos que, pelo menos até hoje, só costumavam ser vistos nas edições anuais do superbowl americano – mas nunca, jamais numa abertura do Campeonato Brasileiro. A bola corta 50 jardas do gramado do Pacaembu como um projétil, mas cai nos pés de Nilmar mansa e aveludada, quase como se tivesse sido agarrada com as mãos e largada no chão. Pronto: começa ali o espetáculo que tornará todo o resto da primeira rodada do Brasileirão irrelevante.

Nilmar recebe a bola e se projeta contra a defesa corintiana sozinho, desamparado. Aos pés de um jogador comum, a manobra seria de uma estupidez irritante. Mas Nilmar, meus amigos, Nilmar é incomum. E assim ele avança, extraordinário, sobre as linhas de defesa do Corinthians, deixando pelo gramado um rastro de camisetas brancas – de pavor e inveja. Diego, coitado, não consegue nem se aproximar. Depois vem Welligton Saci, que ergue a perna num golpe de força, mas fica pelo caminho como se tivesse chutado o ar. Surgem Boquita e Cristian, mas Nilmar sequer se dá ao trabalho de driblá-los: apenas passa reto, zunindo como um jaguar vermelho atrás de sua presa derradeira. Eis que chega Jean para dar um basta na correria. Joga-se no chão e desfere uma tesourada no tornozelo de Nilmar. Este acusa o golpe, desequilibra-se e quase cai. Mas os heróis sempre se levantam e quem está no chão, agora, não é Nilmar: é o próprio Jean, com a tesoura desfeita e o olhar embasbacado no atacante do Inter, este de pé, inteiro no seu caminho rumo à glória desta tarde.

Jucilei se aproxima, mas fica para trás antes mesmo de descobrir por que começou a correr. Diogo intervém em seguida, mas é como se tentasse interromper uma ventania com a ponta das chuteiras – inútil, nada menos do que inútil. Nilmar dá o arranque final em direção ao gol, mas exagera na dose. Parece claro que sairá com bola-e-tudo ou, na melhor das hipóteses, cavará um pênalti em cima de Renato, seu oitavo e último marcador. Mas Renato, pobrezinho, não é mais um jogador de futebol. Na frente de Nilmar, ele é apenas uma camiseta branca largada no chão. Uma camiseta branca vencida com um toque de letra, tão milimétrico que mal aparece nas câmeras da Globo. E antes mesmo que tenha tempo de se desequilibrar, Nilmar chuta a bola para as redes de Felipe e cai no gramado. Quando o Brasil inteiro finalmente percebe o que acabou de ocorrer, Nilmar já está de pé novamente, correndo faceiro e inalcançável em outra direção – a da história do futebol brasileiro.

D’Alessandro corre e agarra o amigo pela gola da camiseta. Não consegue abraçá-lo, não consegue segurá-lo, não consegue nem sorrir. D’Alessandro está assombrado, perturbado demais com o que acabou de presenciar. Sua alegria é tão grande e irreprimível que já não aparece em sorrisos ou afagos, mas em desaforos. Só o que ele consegue é agarrar a camiseta da Nilmar e berrar, cuspindo-lhe a cara: golazo, carajo! Golazo! O bolinho de jogadores se forma, alguns dão tapinhas e cascudos na cabeça de Nilmar. Mas D’Ale apenas se afasta com o semblante grave, como se pensasse, em pleno Dia das Mães, que grande hijo de puta é esse Nilmar.

Termina, assim, o espetáculo do Rolo Compressor. Um espetáculo de apenas 10 segundos, mas que nenhum outro time conseguiu reproduzir em 90 minutos. Um espetáculo que resultou em vitória fora de casa num dia em que o Inter esteve “mal” e D’Alessandro jogou sem inspiração. Uma pequena demonstração, em suma, do que o Inter é capaz de fazer quando joga o que sabe.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O CAMPEONATO MAIS IMPORTANTE DO ANO.

Por Gustavo Foster

Começa neste domingo o campeonato mais importante do ano. E com "mais importante" eu me refiro menos à grandiosidade do título e mais à vontade da torcida e do clube, como entidade, em ganhar este campeonato. Ganhamos infinitos Gauchões, uma confortante Copa do Brasil, uma insuperável Libertadores da América, um heroico Mundial de Clubes. Tudo isso desde 1979. Mas, desde aquele ano, não ganhamos um sequer Campeonato Nacional. É o que falta a essa geração vencedora, à qual me incluo.

Nós, de 15, 25, 30 anos, vimos o Internacional honrar o nome como nunca antes havia feito, dando a volta ao mundo e vencendo todo e qualquer time, da Azenha à Barcelona, vimos o Colorado elevar-se a um nível acima e pairar, lá em cima, flutuando sobre todos os outros clubes do mundo, como quem olha e diz, para todos ouvirem (mas principalmente a torcida): "Hoje, eu sou o melhor time do mundo".

Vimos isto, mas não vimos o nosso clube do coração conquistar o Brasil. É o que nos falta, e 2009 é o ano em que temos tudo para conquistá-lo. Há muito se diz isso, eu sei, mas 2009 é diferente, como sentencia Marcelo Benvenutti. Em anos anteriores, fazíamos campanhas de satisfatórias a excelentes contra times da ponta ascendente, de nível maior, de qualidade superior. São Paulos, Palmeiras, Flamengos, Cruzeiros nunca nos meteram medo. O problema era contra times considerados pequenos, fáceis, ganhos. O desempenho contra esses, que deveria tender ao 100%, era pior do que o anterior ou, no mínimo, de resultado lamentável.

No ano do Centenário – mesmo ano em que se completam 30 anos do último Campeonato Nacional, conquistado pelo timaço da década de 1970 –, o Inter porta-se de maneira diferenciada. Contra os melhores, apresenta dificuldades aceitáveis e ganha de maneira equilibrada. Quando enfrenta adversários mais fracos, joga como se jogasse qualquer outro jogo e aplica o resultado de forma natural. Se a diferença de qualidade entre o Inter e o adversário for liquidante, avassaladora, implacável, o placar, abdicando do papel injusto por vezes concedido, mostrará a quem quiser ver números verdadeiros e, fazer o que, humilhantes. Números não mentem.

Trinta anos depois, o Inter conquistará o Campeonato Brasileiro. Os adversários, em cinco meses, ficam claros e expostos: um Corinthians ascendente da Divisão do Limbo, com Ronaldo agora desempenhando uma função mais "centroavante-espigão"; um Cruzeiro com Kleber e Ramires, bem na Libertadores e impiedoso no estadual; um Grêmio com Souza comendo a bola e Rospide encarnando o Felipão no Grupo dos Mortos; um São Paulo sempre de butuca e mais algum que corra por fora. Sport, Palmeiras, Santos não chegam. O resto fica entre a 7ª e a 20ª colocação, por ordem de chegada.

Vejo nesse time de Tite o foco do Inter de Abel em 2006. Os jogadores dormiam com um olho fechado e um olho no adversário. Cada um dos 38 jogos deste campeonato devem ser jogados como contra o Barcelona. Esqueçam lesões, esqueçam cartões, esqueçam tudo. Todos os zagueiros são o Puyol e todos os goleiros são Victor Valdez. Só precisamos de um gol. O Índio sangra o nariz mas segura a onda lá atrás. Foco, que venceremos.

Time para isso nós temos.

terça-feira, 5 de maio de 2009

SORONDO ESTÁ DE PÉ.

Por Daniel Ricci Araújo


Ora, convenhamos: o escore de Inter x Figueirense, no último sábado, importava tanto quanto a salada de rabanete servida junto ao churrasco – se é que alguém serve salada de rabanete com o churrasco nosso de cada domingo. Todos nós, colorados e coloradas, fomos para a frente da televisão não tanto para assistir ao jogo, mas sim para prestigiar Sorondo, ele, o zagueiro redivivo das mil e uma lesões.

Já se mostrava o sinal da televisão e ia o Inter a campo com sua indisfarçável camisa dourada. Do nada, vagarosamente, costas largas e trote pesado, surgem as melenas do insigne charrua a balançar com as lufadas de vento do Orlando Scarpelli. Lá está ele, Sorondo, pronto para o jogo depois de nove meses de uma sofrida e vagarosa recuperação.

Imagine-se a ironia: há coisa de dois anos, fora exatamente contra esse mesmo adversário que o uruguaio mostrara, pela primeira vez, todo o repertório de seu potencial. O time catarinense jogava bolas na área colorada a esmo e, em cada uma dela, aparecia a cabeçada providencial do grande zagueiro para, com classe e banca, iniciar o molde de um novo ídolo, mesmo que a admiração tenha sido breve. E assim foi, lamentavelmente: enquanto mais Sorondo crescia no respeito da torcida, mais próxima estava a derradeira lesão que causaria o início de seu último martírio.

Mas isso passou. E como vemos agora, Sorondo está de pé. Ainda sem ritmo, ainda lento e descompassado, mas com os olhos brilhando de vontade de jogar, entusiasmado, candidatando-se para estar nos jogos como uma criança eufórica pede mais uma colherada do almoço de domingo. Sorondo voltou, isso é fato: a derrota do sábado não teve o condão de apagar a melhor notícia do fim de semana colorado.

Tendo em vista que Álvaro ainda não repetiu, em 2009, o futebol de 2008, uma posição da defesa pode estar em aberto. E assim sendo, Sorondo é candidato sim ou sim, número um e mais um pouco à titularidade. No melhor de sua forma e ao lado do grande Índio, que zaga melhor poderíamos pedir? Eu afirmo: nenhuma. O uruguaio complementaria, pelo alto, a pouca estatura de Índio – que, registre-se, caso cabeceasse na nossa área o que cabeceia na dos outros, era o maior zagueiro da história do clube, vamos e venhamos.

Meus caros, a notícia do fim de semana não poderia ter sido melhor. O uruguaio voltou. Nossa equipe é um projeto de grande time e precisa ainda, verdade seja dita, de dois ou três retoques. O primeiro deles ensaiou seus passos de retorno no gramado do Figueirense, e de agora em diante a tendência é cada vez melhorar mais. Não há grande time que não comece por um grande zagueiro. Se tivermos dois, é um passo a mais rumo às taças. Por isso, a derrota não teve o menor significado.

O mais importante de tudo é que Sorondo está de pé.

sábado, 2 de maio de 2009

FERNANDÕES E PORTALUPPIS.

Por Raphael Castro


Vendo o Inter jogar nos últimos tempos me veio à mente a seguinte ideia: é possível, sim, traçar uma espécie de “linha divisória” na forma de encarar o futebol no RS; “bidu”, diriam os mais chatos, “todo mundo já sabe disso”. Mas não, estimados(as) leitores(as), agora é diferente. Primeiro porque se trata mesmo de reconhecer autênticas “culturas” (veremos mais sobre isso em seguida); em segundo lugar, porque o Inter parece ter retomado um caminho que jamais lhe deveria ter sido surrupiado na década de 90 (há quem fale em “década perdida”: eu falo em “década maldita” - mas deixemos isso para outra vez). Vejamos então...

Desenvolvendo

Como desgraçadamente sabido, o meio dos anos 80 até o início dos anos 2000, salvo por alguns pequenos espasmos, não é exatamente coisa para se lembrar em círculos minimamente educados. Qualquer colorado por volta dos 30 anos (ou até levemente acima, como este que vos fala) é capaz de atestar isto às carradas. A carestia medonha que experimentamos gerou pelo menos dois efeitos altamente perversos: a proliferação indiscriminada de certas ervas daninhas (até normal num ambiente tão polarizado quanto o Sul) e – o que é muito pior – a descrença numa forma de jogar futebol que, mesmo vitoriosa no passado, foi esmagada à base de botinaços, chutões e muita, mas muita, grossura: antes marca registrada do Internacional, o futebol bem jogado, bonito, plástico, foi estigmatizado como perdedor e pouco competitivo, em razão de administrações não exatamente auspiciosas; ou seja, os gabinetes soterraram a bola, e o “jogo bonito” do Inter pagou o pato por fatos que nada tinham a ver com os gramados, mas que, neles tinham efeitos altamente indesejáveis (ainda que, a rigor, apenas indiretos).

Enquanto isso...

O diabo é que nesse mesmo período o “futebol karateca” parecia mostrar o caminho: os mais fervorosos diziam, como num mantra, “não existe futebol feio, feio é não ganhar”; ok, vá lá, talvez até haja alguma verdade nisso. Só que uma coisa não quer dizer necessariamente a outra, e é aí que peca, horrivelmente, quem diga ou louve o contrário: advogando uma certa amoralidade no jogo – afinal, a vitória se elevou a fim em si própria -, os defensores do tal futebol-força esquecem que é possível, sim, “endurecer sem perder a ternura”. A “argentinização” preconizada por seus valores (a má, da “mano de Diós”, não a boa, de “La Bobas” e “Cholos” por aí) indica que fariam tudo, absolutamente tudo, para ganhar uma partida (pois “feio é não ganhar”, lembram?). Mas, se o futebol às vezes é metáfora da vida, caberia então pensarmos nos caminhos escolhidos para alcançarmos os nossos objetivos. Cada um na sua, né...

Chegamos

Portanto, quando vejo o Inter tomando bordoada de um time de coitados, por absoluta falta de recurso do adversário (como este do Recife), lembro como é bom jogar sério, com raça, mas sendo leal, digno, e respeitando o adversário; em suma, como é bom ganhar jogando bonito, caros(as) leitores(as): e jogar bonito é pra quem pode, não pra quem despreza o futebol para priorizar a “vitória” (certamente desconhecendo o que “vitória” efetivamente significa). E se isto implica perder ocasionalmente, então que seja, é do esporte. Só não me venham dizer que é preciso sacrificar princípios, valores e concepções de futebol para ser vencedor. Esta é uma crença pequena, medíocre, nunca foi a cara do Inter; por isso digo que, animicamente, nós, colorados, somos todos uns “Fernandões”, e os outros...bem...os outros são apenas os outros, certo? (como diria o meu justo, honesto, correto e benfeitor, avô, S.Assis P.Ererê, “ ‘malevo’, pra mim, é nome de cachorro...”).

Tópicas: por exemplo...

Para bem ilustrar o que foi dito acima: um esmerilhava trava de chuteira; o outro é só o Guiñazu. Acho que deu pra entender...

Tópicas 2: cada um no seu quadrado

Jogos, pra quem sabe de verdade, não são nunca “batalhas”: são apenas jogos...

Bem, caros leitores, por enquanto é só isso – e ponto final.

Fui (e não a pé).