segunda-feira, 24 de novembro de 2008

ENSAIO SOBRE A CHIRIPA

Por Andreas Müller

Cá estamos, agora, atirados nas arquibancadas quase vazias do Beira Rio, alheios ao que se passa dentro de campo. Devo admitir que não estava muito empolgado com a idéia de caminhar até aqui só para ver o time B do Internacional enfrentar o time C do Fluminense – todos os times do Fluminense, você sabe, são times C. Mas a Carol, minha esposa, estava um tanto entediada, queria porque queria sair de casa, caminhar um pouco, fazer algo diferente e aí, basicamente, decretou que viéssemos até aqui para contemplar a noite cobrindo as marquises do Gigante. “OK, então vamos”, arrematei. Então fomos.

Geralmente, ficamos próximos do Portão 6, bem na frente do Bar 4, ali onde enxertaram recentemente uns banheiros de shopping-center, limpos e reluzentes. Ali onde combinei de encontrar o Marcelo Benvenutti no jogo contra o Chivas. Tenho que aprender a ser mais responsável. Talvez eu até escreva uma crônica institulada "Foi mal, Marcelo". Será que pegaria bem? De qualquer forma, hoje vamos variar, eu e a Carol. Vamos mais pra lá, pra depois da charanga da Camisa 12, perto da Popular, lugar em que os irmãos dela – cinco, no total – batem ponto. Sentamos quase no limite da muvuca, num ponto em que dá para ficar sentado e, ao mesmo tempo, sentir a vibração da Guarda. Imediatamente, passamos a nos preocupar com um assunto da mais alta importância: onde estaria o vendedor de picolés?

Estranho, mas o fato é que eu gosto de ver o Beira Rio assim, quase vazio. É como se fosse o pátio da minha casa. O jogo está em andamento, o placar é desfavorável, mas quem se importa? Me vê um Chicabon. Tem umas crianças brincando aqui em volta. Vieram trazidas pelos pais. Pulam, brincam, enrolam-se nas barras e de vez em quando se unem à cantoria da Popular, balançando os braços no ar, visivelmente emocionadas por estarem tão próximas de um espetáculo que costumam assistir de longe. É comovente. Eu e Carol até ficamos observando uma menina de olhos azuis que canta com devoção ao nosso lado. Queremos ter filhos até 2010, então é fácil imaginar que será uma criança parecida com esta, exceto pelos olhos azuis. Até tenho o impulso de censurá-la ao ouvi-la cantando, como se fosse adulta: “Não somos como los putos da Série B”. Sei lá, talvez eu esteja sendo retrógrado demais. Mas a agressividade da estrofe não combina com uma menina tão pequena. Muito menos com uma menina de olhos azuis.

E o Grêmio, hein? Prefiro não dizer nada. Sou azarado demais. Só vou ousar falar alguma coisa quando eles realmente estiverem fora do páreo. Mas, por diversão, acompanho a Popular na letra improvisada: “Paraguaio! Cavalo paraguaio!”. É divertido, embora perigoso. Vai que caia o avião do São Paulo e o Grêmio faça seis gols de chiripa – sempre de chiripa – no Ipatinga e no Atlético-MG... Por sinal, tenho uma nova teoria: tudo que o Grêmio conquistou na história foi de chiripa. Tudo. Talvez eu até escreva uma crônica intitulada "Ensaio Sobre a Chiripa". Penso nisso enquanto a menina de olhos azuis pergunta, ao meu lado: “Pai, o que é um cavalo paraguaio?”. Ah, como eu gostaria de poder explicar isso a ela! Quando meu primeiro filho nascer e me perguntar a respeito, eu terei uma resposta pronta para dar a ele. Aliás, terei respostas prontas para quase tudo. “Pai, o que é gol de chiripa?”. Responderei sorrindo.

Terminou o jogo, eu já mastiguei todo o palito do meu Chicabon e atirei o pau no Grêmio até cansar. Vamos indo, meu amor? Pit-stop no Praia de Belas pra jantar um Big Mac. O meu é sem cebola, por favor. E quarta-feira é dia de decisão. É a grande chance de conquistarmos um título condizente com o investimento feito nesse time aí. Mas, sabe, é tão boa essa sensação de voltar a ter perspectivas, de voltar a sonhar com títulos! É tão bom esse sentimento de que as coisas estão finalmente voltando ao seu lugar! É tudo tão bom, tudo tão saboroso que eu até me considero feliz, agora, por estar fora do Brasileiro. Irônico, não é? Mas vai dizer: como é bom ignorar tabelas, número de vitórias e saldo de gols. Como é bom pensar somente no jogo de ida e no jogo de volta! Ah, como é bom ser colorado! A propósito: me passa o ketchup, amor?

E aí a bola entra.

Nenhum comentário: