quinta-feira, 5 de março de 2009

A FACA E O QUEIJO.

Por Marcelo Benvenutti


Quem assiste aos jogos do Inter muitas vezes deve acreditar que está vendo algum vídeo do antigo Canal 100, um noticioso que passava até 30, 40 anos atrás e que mostrava em tomadas detalhadas os dribles e passes dos jogadores de então. A câmera passeava lentamente pela jogada, cadenciada, a chuteira bailando de um lado ao outro, um drible, um passe, outro passe, vez em quando, um gol.

Semana passada, contra o Novo Hamburgo, Lauro passou para Kleber. Kleber para Álvaro. Álvaro para Índio. Índio para Bolívar. Bolívar para Magrão. Magrão para Guiñazu. Guiñazu para Kleber. Kleber para D'Alessandro. D'Alessandro para Guiñazu. Guiñazu para Sandro. Sandro para D'Alessandro. D'Alessandro para Magrão. Magrão para Bolívar. Bolívar para Guiñazu. Guiñazu para Kleber. Kleber para...

Peraí, antes que vocês durmam lendo o parágrafo acima. Nos outros jogos não têm sido muito diferente. A troca interminável de passes torna-se o modo de jogar colorado um cozimento em banho-maria. Um jogo de nervos com a própria torcida, que anseia por objetividade diante das retrancas dos times pequenos. E também contra os clubes grandes que jogam como pequenos por certos temores desmedidos de alguns treinadores privilegiados.

A parcela da torcida que sempre enxerga o copo pela metade como vazio, já pragueja. Time burocrático. Timezinho carioca. Tico-tico. D'Alessandro balaqueiro. Nilmar pipoqueiro. Taison deslumbrado. Kleber mascarado. Até mesmo Guiñazu, o Gengis Khan do Beira-Rio, vira um Hugo Chavez qualquer. D'Alessandro pede uma bola em diagonal na área. A bola demora a sair do toque-toque. Quando, então, alguém vislumbra o gringo livre, mete uma bola mais enforcada que o Saddam Hussein. Dois corneteiros atrás de mim nas inferiores esbravejam: Tu pediu, sem-vergonha! Tu pediu, agora vai buscar!Um deles, rádio ligado no ouvido, insuflado por um Haroldo de Souza da vida, ecoa tal qual um papagaio: Esse gringo é um fazido! Baita marginal!

A má vontade contra D'Alessandro explode quando o time entra no passe lateral generalizado. Uns culpam o argentino pela teimosia na lenga-lenga flamenguística no meio-campo. Tite montou o que ele chamou de "Operação D'Alessandro". Daí a imaginar que o time joga "enrolando" por culpa do portenho é uma distância menor que a do Rui dando condição com sua cabeçorra de ET Phone Home. É um abraço!

De outro lado, a torcida que vê o copo sempre cheio, maravilha-se com o futebol do argentino, sua malandragem, suas passagens entre a marcação, até mesmo de suas tabelas inconclusas por falta de uma parceria que compreenda o que ele tentou fazer. O argentino tem visão. Taison é um novo Jesse Owen. Nilmar engana e confunde as zagas. Até Bolívar começa a ser apludido por cobrir as descidas dos zagueiros e não ficar se espanando na ponta-direita. O Inter do Canal 100 se assemelha a um Botafogo do Garrincha. Armando Nogueira se masturba com poemas épicos narrados pelo Pedro Bial no SportTv. É o ápice da civilização ocidental. O futebol arte está revivido no toque-toque fluminense de nossa meia-cancha.

Mas nem tudo é assim. Nem terra, nem ar. Nem fogo, nem água. O time colorado, que sofre para passar de fase em cima de Uniãos da vida, que atropela imortais pelo mundo, que encanta a América Latina ao vivo pela Fox Sports, que se sente acuado por Ulbras, esse Internacional ainda é um time inconcluso. O caminho óbvio indica que Sandro deva permanecer e liberar Guiñazu e Magrão. D'Alessandro deve preocupar-se em criar, não em marcar. Dependendo do desenrolar da partida, tanto Taison quanto Alecsandro podem desempenhar o papel de companheiros de Nilmar. Na zaga Índio cada vez mais inscreve seu nome na história do clube e Álvaro terá a sombra de Sorondo (será que desta vez ele joga mais de 3 seguidas?). Bolívar, se não sobe como deveria, pelo menos que se controle atrás. Arílton pode fazer sombra a ele assim como Cordeiro faz sombra ao Kleber. Ambos devem conter as vaidades e mostrarem-se solidários ao esquema. Lauro já tem quem lhe marque de perto. Se ficar lesionado, Michel Alves pode muito bem entrar e não sair mais.

Mas, para que não digam, tanto os pessimistas, quanto os otimistas, que estou sendo evasivo, eu afirmo que continuo acreditando no atual grupo. O fiasco de Rondonópolis me irritou demais, óbvio. Cair na primeira fase da Copa do Brasil seria uma hecatombe. Menos mal que temos o returno do Gauchão para que Tite tente ajustar a equipe. Sem inventar. Sem "abelar". Sem testar. Sem "rothear". Tite tem a faca quente e afiada em uma das mãos e um queijo de colônia da melhor qualidade na outra. Se não for afobado ou burro, pode muito bem deliciar-se com a iguaria e ganhar muitos títulos. Ou bobear e queimar a mãos e cortar os dedos. O futuro do Inter passa pela mente de nosso filósofo. Ele que dê suas mateadas no amanhecer do Guaíba e decida se quer entrar para a história colorada por muito mais que um título de Sul-Americana.

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