quarta-feira, 15 de abril de 2009

COMO ESCREVER QUANDO NÃO HÁ SOBRE O QUE ESCREVER.

Por Gustavo Foster

O jornalismo esportivo é um caso impressionante. Enquanto todas as outras áreas da profissão, sem qualquer ressalva, buscam uma maneira de transformar a infinidade de fatos em informações, a seção de esportes parece viver em um marasmo irretocável. Segunda-feira traz os desdobramentos do jogo de domingo, assim como quinta faz em relação ao seu dia predecessor. O problema é o resto da semana.

Sobre o que falar quando não há lesões, quando não há erros de arbitragem, não há brigas entre torcidas, não há um goleador inspiradíssimo? Cria-se algo. A Folha de São Paulo costumava, em tempos de ditadura, preencher páginas censuradas com receitas de bolo. Não podemos falar da corrupção do Senado? Duas xícaras de farinha, uma colher de sopa de açúcar, duas de manteiga, mexe tudo e leva ao forno, simples. A tática, antes utilizada pela impossibilidade, pela proibição de levar ao público informações relevantes, poderia, hoje em dia, ser utilizada pela pura e simples falta do que falar.

Antes uma piada de papagaio na página de esportes do que um texto afirmando que falta ao Inter "pegada", depois de um jogo onde o time avançou à segunda final do Campeonato Gaúcho, no qual está invicto. E vencendo por quatro a zero. Se é pra ser engraçado, que se utilizem técnicas consagradas: portugueses, papagaios, gaúchos.

Faça um teste. Ligue a sua televisão e procure por canais esportivos do centro do país. Sim, aqueles paulistófilos, aqueles odiadores de times não-eixo, aqueles flamenguistas manipuladores. Sintonize exatamente esse canal (se não tiver TV a cabo, procure pelo site do canal, dá no mesmo). Espere pelos comentários em relação ao time colorado e ouça, como se essa fosse a primeira vez que você ouve falar no Sport Club Internacional. Os comentários darão a ideia de um time (no mínimo) coeso, invicto no campeonato estadual, na segunda fase da copa nacional, com esquema de jogo definido e umas ou outras indefinições. Aliás, isso são menos opiniões e mais fatos.

Depois de passada a primeira fase da análise, abra um jornal local. Sintonize uma rádio porto-alegrense. Assista a um programa esportivo gaúcho. Fizemos quatro na semifinal, mas o time ainda não está pronto para o Brasileirão. Perdemos só uma no ano, porém o ataque carece de um atacante. Ganhamos a grande maioria dos jogos do ano, mas críticas são feitas com base na única derrota. Lauro defendeu um pênalti e seu rebote, entretanto é um goleiro inseguro, que sai mal nos cruzamentos. A zaga é a menos vazada do estado e uma das que menos tomou gols no país, todavia Álvaro parece sem ritmo, Índio não vem jogando bem, Bolívar não satisfaz como lateral e Kleber está na seleção por conta da astrologia. E dizem mais: não temos pegada.

Abro aqui um parêntese. Não imagino o que querem dizer com "pegada". No meu radinho de pilha, assistindo à tranquila semifinal fabiokoffiana (Guinazu mandou avisar que tá louco pra receber a taça de ti, meu bruxo), ouvi os comentários de Wianey Carlet, o autor da tese "falta-pegada-ao-Inter". Segundo o jornalista, o jogo era "praticamente equilibrado" e os pecados defensivos do Inter podiam ser comprovados pelos números: 9 arremates a gol – como gosta de dizer Carlet – do time da unversidade (algum problema em falar Ulbra?) contra 6 do Inter. Uma diferença gritante, que prova por A mais B que o resultado foi injusto ou, ao menos, exagerado. Por final, WC sentenciou: "o time colorado está muito faceiro", como se este fosse um pecado capital. Podem ganhar de 10, mas faceiro jamais!

Parece da cultura bovina (valeu, Nova Corja!) que não pode um time primar pela técnica, abdicando da pancadaria generalizada. Janelinha? Onde já se viu, parte pra cima com voadora. Eles dão balãozinho, nós damos carrinho. Gol de bicicleta é só de Santa Catarina pra cima, aqui é de bico, mas só depois de bate-e-rebate na pequena área, com direito a sangue na testa do goleiro. Aliás, é conhecida a preferência carletiana quase febril por volantes e por técnicos nascidos nas plagas daqui. Ténico carioca? Ihh, lá vem aqueles três meias. E três meias é sinal de muita alegria, faltam uns volantes brucutus aí. Daqueles que não saibam sair jogando, que deem balão, que não acertem meio passe. Uns três desses no meio de campo são quase suficientes. Está feita a felicidade. Um futebol feio, empatador. Mas que ao menos não é faceiro, onde é que já se viu.

Pêlo em ovo. Chifre em cabeça de cavalo. A possibilidade do pensamento acerca da probabilidade do mínimo defeito é assunto. Vira uma coluna. Coluna essa polêmica, por óbvio. Sendo polêmica, está aí a receita para mais uns quatro ou cinco dias de assunto. Um escreve na página 37, o outro rebate na 39 do dia seguinte. O blog do primeiro conta, amanhã, com uma pesquisa sobre o texto de dois dias atrás. Vejam só, não é isso que nos ensinam na faculdade? Convergência de mídias.

Se essa é a receita, eu preferia a de bolo.

Nenhum comentário: