segunda-feira, 1 de junho de 2009

MOMENTOS DE DECISÃO.

Por Andreas Müller


Estou doente. Asma. A respiração me falta. O ar passa pela minha garganta com dificuldade. Sinto-me como se tivesse engolido um punhado de areia fina e parte dela estivesse trancada em minha traqueia, arranhando-me as entranhas. A sensação, acreditem, é desesperadora. Por isso, peço desculpas aos amigos e me auto-imponho uma folga. Deixo-lhes, abaixo, a cópia de uma crônica que eu mesmo publiquei em 2007, mas que, a meu ver, se aplica perfeitamente ao momento que estamos vivendo hoje: um momento de decisão. Um momento de afirmação.
Grande abraço e boa sorte a todos nós na quarta-feira.

O filme se chama “O Pianista”. Conta a história do polonês Wladyslaw Szpilman, um pianista de talento ímpar que sobreviveu a um dos episódios mais sombrios da Segunda Guerra Mundial. Szpilman, para quem não sabe, passou quase três anos vivendo como um rato na Polônia. Escondia-se dos nazistas em um apartamento abandonado, sem água nem luz, em pleno Gueto de Varsóvia. Pois há uma cena inesquecível neste filme, “O Pianista”. Uma cena que encanta e perturba ao mesmo tempo; e que, de certa forma, traduz como nós todos deveríamos agir nos momentos decisivos da vida e – por que não? – do futebol.

Na cena, Szpilman espera a madrugada cair e sai de seu esconderijo disposto a procurar comida. Acaba encontrando uma lata de pepinos em conserva dentro de um casarão abandonado. Szpilman, magro e desgastado pelos anos de confinamento, tenta abrir a lata a qualquer custo. Mas não consegue. Simplesmente não há nada por perto, nenhuma faca, nenhum prego capaz de rompê-la. Todo o esforço para abrir a lata resulta apenas em barulho, muito barulho – o suficiente para atrair um oficial alemão que passa pelas redondezas naquele momento. O destino não poderia ser mais irônico: Szpilman, que passara quase três anos escondendo-se de forma heróica, é finalmente flagrado pelos nazistas – graças a uma lata de pepinos.

No meio do casarão, porém, há um piano velho e empoeirado. Szpilman aproveita a deixa, aponta para o instrumento e tenta convencer o oficial de que é pianista – como se isso fosse capaz de livrá-lo da morte. O alemão não parece nada impressionado. Mesmo assim, talvez por não ter nada mais interessante a fazer, ordena que o prisioneiro toque uma música. E é neste exato momento que o pianista dá uma verdadeira lição sobre como agir em momentos de decisão.
Szpilman toma posição em frente ao piano. Pousa os dedos sobre as teclas e arrisca um primeiro acorde. As notas saem tremidas, desafinadas. Ele pára, tenta resgatar a firmeza das mãos. E recomeça. Os primeiros compassos da Balada Nº 1 de Chopin ecoam pela casa. Lentamente, Szpilman se entrega à música. Toca como se fosse a última vez. As falanges saltam-lhe dos dedos, os tendões estão prestes a rasgar-lhe a pele magra das mãos. Mas Szpilman toca com maestria, submerso na melodia. Demora-se nas notas mais longas e soturnas. Deixa a música escorrer, gota a gota, de seu coração aberto. O polonês que passou três anos vivendo como um rato não tem mais nada a perder. Deseja que sua última apresentação seja simplesmente perfeita; quer somente honrar uma breve e desgraçada vida de pianista. Nas notas desafinadas de um piano velho, ele se imortaliza. E o oficial alemão, emocionado com o talento do prisioneiro, decide liberá-lo.

As grandes conquistas acontecem quando tocamos como Szpilman.

Na vida ou no futebol, as vitórias surgem quando nos livramos de nossos medos mais terríveis; quando somos capazes devotar todas as energias àquilo que dá sentido a nossas vidas. Foi assim que o Internacional conquistou a Libertadores 2006. Não tínhamos medo de perder e nem medo de atacar. Abel Braga não tinha medo de inventar e nossos atacantes não hesitavam em procurar o gol. O Internacional conquistou três títulos internacionais em dois anos porque se entregou de corpo e alma à razão de sua existência, o futebol. A própria torcida se entregou ao clube e deixou a paixão escorrer, gota a gota, para dentro de campo. Times assim são imbatíveis. Erguem troféus, imortalizam-se. Salvam-se por um detalhe. Enfrentam os piores inimigos – inclusive os grandes – e sobrevivem.

Nenhum comentário: